28.12.04

Eu assimilo

Tu assimilas

Nós assimilamos.

Eles sofrem

Nós sofremos.



26.12.04

O balanço de Deus



Estava demorando.

Em 2004, Deus demorou um pouquinho mais para começar seu balanço de fim-de-ano.

Maremoto-terremoto-tsunami na Ásia? Lá se foram umas 8.000 almas.

Quedas de avião estão por vir.

E desabamentos terríveis.

E colisões de trem.

E barcos virando.

Todo ano a mesma coisa.

Como este ano os “contadores” lá do céu começaram o balanço mais tarde, trataram logo de compensar, retirando 8.000 ou mais almas do registro de “ativos”. Agora, são mais ativos que nunca (em outro plano), mas as contas de seres viventes aqui na Terra, pelo menos, serão acertadas.

De uns anos para cá, comecei a perceber este padrão. E não, meus amigos, não sou esquizofrênica para perceber padrões onde não existem. É só um modo de, mesmo com humor negro, atentar para algo que infalivelmente acontece (comecem a prestar atenção, a partir deste ano e durante os próximos – a partir do fim de novembro, e até os dois ou três primeiros dias de janeiro do ano seguinte, os seres deste plano aqui são levados em massa para o lado de lá). Certamente existem explicações racionais. Mas por trás das explicações racionais não existem, sempre, motivos mais sutis e (quase sempre) imperceptíveis para nós, seres-matéria?

Atentem.

24.12.04

Recados:




Steven: Did I answer your last email? I'm not sure (it seems I'm not sure about anything, lately).

Marcinho: Não mandei, como havia prometido. Não vou poder te dar o que disse que daria de Natal. Não deu tempo, não deu nada -- não acreditarias se eu te dissesse que me dói tudinho, porque só sei ficar sentada trabalhando 15 horas por dia, no último mês... I'm so sorry, de verdade.

K.
: Aquele gnomo já encheu! :-) Saudade de ti.

Ari: Lamento. Mais um ano sem te ver e os tantos almoços que combinamos não aconteceram.

E para vocês e mais esses aqui, o que mais desejo é que tenham um Natal cheio de boas recordações.



Fernando, Bira, Humberto. Cláudia Wolf, Cláudia Reali, Cláudia Santi. Hariel Noone. Renate, Laura. Paulo W., Paulo P. (Paulo I e Paulo II). Agenor. Alessandra Siedschlag, Márcia Maia, Patrícia Tavares, Cíntia. Daniel Grassi, Daniel Estill. Isa Ferreira. Ana Singule. Enrique Mosella. Ernesto (Torin). Luciano Monteiro. Sidney Jr. Giselle Schellmann, Gisele Klein. Alex Canton. Antonio Jr. Rafael Goldkorn. Lúcia Rebello. Luiz Alberto Machado, Luís C de Oliveira. Marilene Tombini. Denise L Rodrigues. Heloísa Velloso. Jacqueline e Evandro. Ivan Costa-Pinto. Maria Inês Nascimento. Maria Lúcia. Hilton Santos. Danilo. Tomás. Mônica Sant'Anna. Nicole. Renata Celente. Susana Carpenter. Guilherme Basílio. Virgínia Fulber. Carlos Alexandre. Loire. Marcos Vasconcelos. Jussara Simões. Maria José Monteiro. Carla Griecco. Fabiana Schwarstzhaupt.



Todos vocês, de passagem ou de um modo mais constante, foram muito importantes para mim, neste último ano. Sem vocês, eu não teria tido o ano bom que tive. Obrigada por confiarem em mim. Por acreditarem. Por ampararem. Por me estenderem a mão. Por me abrigarem no coração. Por um elogio. Por tudo. MUITO OBRIGADA!



22.12.04

Soltou-se minha sombra.

Meu corpo não pode sair,

Mas ela quer se divertir.

Agora dança, colada na tua.

Segue teus passos,

Gira, alheia aos olhares

De quem te vê com duas.

E volta para dormir

Na escuridão do quarto,

Debaixo da minha cama

Para ser pisada por mim

Ao levantar.

21.12.04

Às vezes, felicidade é o silêncio.

Às vezes, é pão.

Às vezes, um beijo.

Às vezes, um elogio.

Quase nunca, dinheiro.

Às vezes, felicidade é saber que a próxima tragédia ainda não chegou.

19.12.04

Gosto disso



Mensagem recebida em meu e-mail:





Seu blog é muito paia ve se poem coisas mais interessantes. Ve se muda em . tchauuu!!!!!!!!!



Minha resposta:

Ainda bem que ela não gostou. Se gostasse, haveria algo errado com meu cérebro.

Amo, quando recebo opiniões de caramujos. De mosquitos e de pulgas também.

:-)








13.12.04

Lady Writer

Lady writer is dead. E se isto parece senha, é. Lady writer died last week, baby, afogada em letras que não eram suas (nem tuas) e sob o peso de personagens que não lhe pediram para existir. Não sei em que momento ela tirou os saltos altos, despiu o sutiã e se enforcou com ele. Mas certamente ao levar consigo suas fantasias, liberou-se para algo mais proveitoso que viver duas vidas – a sua, sem glamour, e a “deles”.

Lady writer, funny, exquisite, sexy and mellifluous is gone. Deixou-me aqui, invejando sua sensação de estar sempre apaixonada, sempre com aquela sensação de elevador na boca do estômago, preparada para encontrar o maior amor de sua vida ao virar a esquina.

Lady writer, com suas incoerências, extravagâncias e bom-humor cativante deixou-me, e não verei tão cedo seus olhos piscantes e sedutores, brilhantes e espertos. Sob a cama, darling, meus sonhos não me espiam mais. E da voz da dama escritora não sei. Não a ouço mais. O delírio passou. The thrill is gone. Nothing of this and nothing of that again, please, pelo bem de todos os pretensos leitores.

Lady writer, sacana, podre de malícia, despencando de luxúria, foi-se. Se fué. Bit the dust. Hit the road. Escafedeu-se.

Só percebi sua morte porque deixou atrás de si um rastro de Dolce & Gabbana, quando dez homens jovens e lindos passaram carregando-a envolvida num véu de fino desgosto bordado com ironia e entremeado de certa amargura sutil.

Blame the italians, my dear hunk. And the beautiful actors who have always inspired her but then just left in a hurry – they do get old too, you know. Blame Mark Knopfler. And the spirits who have flown away. And whoever you want to put the blame on. Eu culpo o inverno, além do perfume e do lencinho embebido dele. Mas espero que não culpes a mim. Daquela outra parte fêmea que andou zanzando pelos confins deste mundo, flutuando como se, sentindo-se como, desmanchando-se em tours mágicos pelos limites impensáveis da paixão, nada mais sei. Acabou-se.

Choro por ela.

O Peso

Da chuva lá fora

Do meu desejo

Do nosso passado

Do amanhã temido

Da responsabilidade sobre nossos sentimentos

Da possibilidade de não podermos mais fugir

Da impraticabilidade de acertos e correções

Da imprevisibilidade de nossos rumos e ações

Dos teus olhos graves,

Da voz carregada

Da respiração

Do teu corpo

Sobre o meu



11.12.04

By Any Other Name (a Daisy is a Daisy)

You can call me FEMME

Fabulously

E
nvious of the

M
agical

Moanings

Ensconced inside your chest



You can call me
GIRL



G
roping for

Ilusions

Reaching and

Losing my dream

Or maybe just MAD

Making myself

Another

Door to nowhere



... and by any other name I will still not be a rose, but a humble daisy lost in the rain on a windy night.


8.12.04

Nikita

Estou triste e choro como criança, hoje.

Era só uma gatinha siamesa. Seis anos de idade.

Morreu.

Nikita, minha jóia siamesa de olhos azuis-turquesa, morreu.

Só um bichinho.

E como dói.

Pensei que eu fosse adulta, mas um bichinho me derrubou.



7.12.04

"Orientação" Sexual

Como é que se controla a ira, quando se vê um deputado federal, "evangélico", defendendo sua idéia de criação de "atendimento àqueles que desejam sair do homossexualismo" com as seguintes palavras:



-- Homossexualismo não é raça, não é um estado ("natural", aqui a inferência é minha, do que ele quis dizer com "estado")... Homossexualismo é uma orientação, e se o indivíduo foi orientado de forma errada, oferecemos a chance de corrigir...



Como é que se controla a vontade de quebrar a cara de um indivíduo desses?



Sai daí, ô ignorante, trata de continuar tirando o dinheiro dos outros como antes de ser eleito...



Depois ainda me perguntam por que transformei-me em um ser sem religião, apesar de tanta fé.



Num programa humorístico ouvi algo que cabe bem a pessoas assim (em minha opinião, um porco de terno): "Pode-se tirar uma pessoa da lama, mas não se pode tirar a lama de dentro de uma pessoa".



É.



(desculpem, mas certas coisas me tornam irracional)

4.12.04

Desistir, Jamais

... Então, eu vou ao blog daquele com quem nunca falei, que me lê nem sei por que, que escreve muito bem seu próprio diário íntimo que mais parece uma "via dolorosa" criativa e linda, e me deparo com um único post onde antes estava toda sua alma. A foto é de alguém solitário, sentado com a cabeça entre os joelhos no meio do chão vazio. O texto:



When you're talking to yourself

And nobody's home

You can fool yourself

You came in this world alone

Alone



E eu me pergunto: e daí, se ele apagou seu blog, numa seqüência previsível de sua blogdestruição que começou com posts a cada dia mais deprimidos e lacônicos e, depois, prosseguiu com a retirada do espaço para comentários, chegando finalmente a isto?



E daí? O que *eu* tenho a ver com isto?



Absolutamente nada.



E ainda assim...



Ainda assim...



Edu, a pior coisa que podemos fazer contra nós mesmos é nos negarmos o contato com outros, mesmo que os outros pareçam não ter nada a nos dizer. Os outros, ainda que aparentemente *estranhos*, não são tão estranhos assim. Vivem tuas emoções contigo. Vivem outras emoções, às vezes semelhantes às tuas, às vezes não, mas sempre unidos na teia invisível de algo que não sabemos explicar -- a identificação imediata, o carinho, a vontade de "fazer parte" do mundo do outro, nem que seja por simples comentários num blog, na esperança de mostrarem que há algo mais unindo os humanos que interesses mesquinhos.



Eu não tenho nada a ver com seu blog, com sua vida (e o que sei dela?) ou seus problemas.



Ainda assim, se pudesse, percorria este espaço virtual todinho em busca dele (se soubesse como encontrá-lo, ao menos), para pedir-lhe que voltasse.



1.12.04

Ultimamente, não me queixo de nada.

Tudo parece-me bastante satisfatório e tranqüilo.

Ando feliz da vida comigo mesma.

Devo estar doente, para me sentir tão bem.

30.11.04

El Gitano

http://elgitano.blig.ig.com.br/



Eu ponho um circunflexo que não existe, em seu nome.

Ele publica um textinho que escrevi em sua homenagem em sua excelente revista eletrônica "El Gitano" (número 4), mas coloca um "p" que não existe, no meu sobrenome.

Ai, essas vinganças involuntárias e freudianas... :-)

Quando leio Antonio Junior, sinto-me como se reencontrasse pedacinhos de mim que havia perdido. Pedacinhos preciosos de uma Dayse um pouco mais pura e romântica.

Ah, eu digo a ele, ainda acredito em amor ideal - mas este deixo para a ficção.

Hoje, se amo a cabeça de um homem, geralmente o resto não se concretiza (e dizer que isso me satisfaz parece loucura, mas faz sentido para mim). Estou mais para homens-objetos, na minha vida (e também não me peçam explicações -- o que é, é e nem sempre tem um porquê). Homens preciosos demais eu guardo na redoma do meu coração, não no corpo traiçoeiro.

Mas El Gitano é uma soma de belezas -- faz com que pensemos em novas possibilidades em nossas vidas.

Way to go, Antonio!

29.11.04

Epitáfio

Aqui jaz Carbonilda da Silva

que pereceu sem que tivesse

um só pensamento original na vida




As Tubaroas





Os pobres tubarões acalorados estavam sendo estudados por um grupo de cientistas que, após gastar uma fortuna, descobriu que as fêmeas, principalmente, ficam muito próximas à areia nas praias do Brasil por um único motivo: para repousarem.

Ora, sob a perspectiva dos tubarões, seria de perguntar por que, a cada verão, as fêmeas da espécie humana também ficam a 30 metros de onde eles (os tubarões) estão.

Simples, diria o cientista-chefe dos tubarões: para repousarem.

Eu poderia ter poupado uma fortuna ao grupo de cientistas, já que no momento em que a questão foi apresentada no Fantástico, eu já tinha a resposta na ponta da língua.

Será que é tão difícil assim colocar-se na pele do tubarão?

Esses humanos são tão esquisitos...

26.11.04

Cultura inacessível

(Alerta: esta crônica foi escrita com ira. Considero a ira uma emoção saudável, mas tento não demonstrá-la demais neste blog -- blogs parecem ter obrigação de ser amenos -- e não mostrar em excesso minhas opiniões mais "radicais")



Livros são artigos de luxo.

Em um país em que o salário mínimo é 260 reais, um bom livro de ficção custa entre 30 e 80 reais.

Sou uma mulher que sustenta a si mesma, à casa e à filha. Minha renda não é desprezível e, ainda assim, ao ver o preço de 70,00 de um livro de suspense que desejava muito ler, desanimo.

Setenta reais = um bom "ranchinho" no supermercado. Ou uma boa calça jeans. Ou dez ingressos de cinema. Ou duas jantas razoáveis em um restaurante. Ou quase cinqüenta litros de leite. Ou bastante gasolina... para rodar e olhar a natureza, quase que a única coisa gratuita.

Num país em que o povo assalariado sequer pode fazer três refeições decentes por dia, um livro é um luxo, que não vem nem por último na lista de gastos. Não vem é nunca.



Tentando vender, as editoras encolhem os livros. Agora, parece que nenhum autor escreve livros com mais de 120 ou 150 páginas. Mentira. Escrevem, mas não podem publicar. As editoras só publicam livros traduzidos e sucessos comprovados de vendas em seus países de origem.



(Creio que o leitor já está farto de me ouvir falar de um certo original de 400 páginas, que atrai editores e, ainda assim, continua no arquivo-morto aqui em casa...)



Editoras mais "inteligentes" em termos de marketing chegam ao absurdo de produzirem livros para "adultos" com 129 páginas, das quais 70 são de ilustrações (como se o leitor fosse incapaz de formar sua imagem mental daquilo que lê), com textos tão ridículos que quase me deixam catatônica, em choque total. Isso é a literatura moderna. Isso é a enganação geral que se pratica numa parte do mercado editorial, para a sobrevivência das editoras.



E vamos jogando tudo o que presta no lixo. Abaixo as históricas complicadas, as tramas ricas, os "volumões", os escritores novos com algo a dizer. Enriqueçamos aqueles que falam ao "povo", como cantores de rimas pobres e adolescentes escritores que abreviam suas palavras mesmo em textos impressos como livro, acreditando na identificação imediata com seus pares que navegam na internet (lendo blogs infelizes que conquistam multidões de fãs)...



Música é artigo de luxo. Digo -- música. Não estou falando de coisas que começaram a ser aceitas, na última década, como música -- mas não passam de uma sucessão de erros gramaticais e chavões pendurados debilmente em uma melodia (?) pobre e que consegue, no máximo, arrastar o nível "cultural" do país para o esgoto mais próximo.



Se música não fosse artigo de luxo, veríamos mais Mozarts, mais Orquestras Sinfônicas de Londres, mais Villa-Lobos ou mais regravações de Porters ou Gershwins consumidos avidamente, em uma saudável revolta do povo, uma (re)"descoberta" do que é música. Mas música é artigo de luxo. Nem fica bem tocar Beethoven en qualquer lugar, ultimamente -- o incauto ouvinte corre o risco de ser linchado, por causa "daquela barulheira sem sentido".



Num país em que CDs piratas se espalham pelas calçadas sob o sol do meio-dia, com reproduções desbotadas das capas do lixo que se passa por música, por que lançar canções trabalhadas, executadas magistralmente ao piano, ou com letras verdadeiramente preciosas?



É claro que Rita Lee me enfurece por pegar este trem, mas ela tem razão -- está tudo virando b...



Ironicamente, sou profissional das elites -- eu, que não tenho nem tempo para ler, muito menos comprar aqueles livros pelos quais tenho convulsões de desejo, ao entrar em uma livraria.



Sou profissional das elites, traduzindo romances de suspense para quem pode pagar por eles, espalhando contratos milionários para as multinacionais, semeando autoconhecimento inútil entre dondocas entediadas, ensinando mamães sem noção a cuidar de seus rebentos através das palavras de algum obscuro pediatra americano...



Ironicamente, quase todos os livros que leio são os que eu mesma traduzo -- e quando as editoras me mandam um exemplar prontinho daquilo que fiz... para que serve o livro, se não para ficar esquecido em algum canto, dentro de um móvel, por total inutilidade para mim, que não possuo a vaidade necessária para expô-los à visão de todos, como mostra de minha nobre profissão?



Faz-se urgente uma mudança radical de visão, neste país, para que a cultura não seja algo acessível apenas para aqueles que já a têm, mas não tenho grandes esperanças, quando "livro" vira palavrão, quando "biblioteca" é uma palavra esquisita que designa algo que existia antes da internet e quando a soma de um corpo desnudo, gestos obscenos, desafinação e analfabetismo agora é "música".











21.11.04

Pastel

-- E o que é sentir-se um pastel, afinal? -- pergunta-me alguém.

Hmmm....

Quando me sinto um pastel (de boteco), sinto-me "frita", vazia por dentro, insossa e, logicamente, como algo que ninguém em sã consciência comeria...





19.11.04

TPM

Ah, responder àqueles e-mails? Não quero.

Talvez baixar músicas? Quais, se já tenho todas as que gostaria e até outras que não gosto e não tenho coragem de apagar?

Escrever poesia (outra vez) falando da saudade de um A que, suspeito, anda me lendo? Não. Hoje não, pelo menos. Hoje sinto saudade de muita gente, até de mim mesma quando não me sinto assim.

Jantar fora? Talvez, mas qualquer mudança no clima, na rotina ou nos detalhes minimamente planejados me tirará do sério e começarei a chorar ou a berrar.

Ouvir Josh Groban cantando "Remember Me" e lembrar de quem sinto falta e, além disso, da beleza do Brad Pitt em Tróia? Não...

Não quero falar nada. Nem ouvir nada. Nem limpar nada. Nem traduzir mais nada hoje. Quero que o Jota Quest se dane com "Vento", vou lá desligar o DVD.

Não quero dormir e não quero ficar acordada. Nem comer nada, nem o delicioso macarrão chinês que me aguarda no freezer e que reservei a semana inteira para comer sozinha na frente da TV.

Suo, e está frio.

Tenho dor-de-cabeça que nenhuma aspirina alivia.

Sinto ânsia na boca do estômago, que não é fome.

Sinto desejo. E fastio. E tédio. E vontade de sair de minha pele, voar, devorar a vida.

Não quero ver ninguém. E quero estar com todos ao mesmo tempo.

Homens, vocês são felizes.

TPM é um buraco negro na minha existência. Mal posso dizer que sou eu mesma, durante três dias do mês.

Afogo-me em meus hormônios durante três dias, sentindo-me um pastel, a rainha dos irrascíveis e descontente com céu, nuvem, sol, chuva, frio, calor, gente e amor.

Ai.





17.11.04

Descartável

Jogo fora meu ser aparente

Jogo-me disfarçada de vidro


À tua frente

E tu, distraído, avanças e me partes

Sempre, sem me veres.

Jogo fora a matéria

E me disfarço de nuvem

Para te ver de cima

Superior, etérea,

Chovendo minhas lágrimas

Que não te tocam, eu sei,

Tu, guarda-chuva, protegido

E escondido do meu ser emocional,

Que comete descartes das partes

Que não te interessam e repudias,

Em uma negação intencional

Do que não te toca, não te abala

E não fala ao teu racional.

10.11.04

Jasmim (dentro de mim mora um anjo em novembro)





Perfume de paraíso (em novembro, eu vivo)

Visto alma nova e brotas dentro de mim

Como amor recente (te redescubro, sempre)

Vejo-me borboleta breve enquanto os jasmins florescem

Azulo minha vida como um céu

(sinto-me anjo, sinto-me inteira, quase meio-feliz)

Em dezembro escureço (com as tempestades de verão)

Murcho como as flores

Em fevereiro não existo

Em março eu renasço quando tudo perde as folhas

E eu-galho, eu-frangalho, preservo meu ser quebradiço

No calor das estufas, ar condicionado, teu abraço

E anseio por teu calor sob os blusões

E pela poesia da bruma das manhãs

Em que te vejo nu aconchegado a mim.



9.11.04

Ataca-me

Como num filme de Almodóvar

Porque hesito

Mesmo quando incito e me excito

É minha sina ser sempre indecisa

Pisando no fio entre o não e o sim

Ata-me, amordaça-me

E não deixa que minha boca fale

Para que sons cerebrais

Não estraguem tons libidinais

De nossa perpétua paródia

De tragédias carnais

E se tornem comédia

(como filme que já vimos

Em outros carnavais)

Quero comer-te

Com olhos e outras partes

Mas mantém minha boca fechada

Fita muda, ação rápida

Cine sem cartazes, fim de noite

Num beco-sem-saída

Com sessões contínuas

De profana traição

Da nossa melhor intenção

7.11.04





Maria limpa, limpa, limpa

(Exercício melhor que academia)

Maria dança e esfrega, dá brilho e canta

(Maria acha lindo seu chalé planejado por ela, arquiteta amadora, jardineira amadora, dançarina amadora, cantora amadora, gueixa amadora, tradutora)

Maria limpa, limpa e limpa

Maria espera não sabe quem

Alguém

(e põe flores no vaso porque lhe faz bem, para si e mais ninguém)

Maria senta-se, exausta de dançar, de limpar, de cantar e de sonhar

Intoxicada com o cheiro de cera, lustra-móveis, alvejante, Pinho-Sol

E depois da faxina deita-se exausta, sozinha,

Rezando para que não apareça ninguém

Para vê-la cansada e acabada e desanimada assim



31.10.04

Daniel Nester (fragmento de um poema)

Concordo plenamente com ele -- Já me senti na obrigação de "curtir a noite" e achava que, se não o fizesse, não estava "vivendo" o suficiente. Mas observem a frase final, na qual ele chega à mesma conclusão a que cheguei (it's possible, though, that both of us are getting old too fast...). O poema completo em http://www.poemhunter.com/p/m/poem.asp?poet=11791&poem=131585





Notes On An Unadorned Night



after Rene Char



Let's agree that the night is a blank canvas, a station

break, a bridge of a song.



Let's agree further that activities at night—movies,

campfires, reading by a lamp—are all

basically an homage to the day.



I have come to regard these two statements as

contradictory. Let me explain.



First, set aside that one could see a movie, torch a fire,

and read with the sun blazing over us.



The in-between aspect of night need not spark a flurry of

activity, is all I'm saying.



You could do nothing at night! Just lay and sleep!

Para Valer a Pena a Passagem por Este Mundo (meus "Dez Mandamentos" para criar um Ser Humano Digno)

1. Não discriminarás, nem julgarás ninguém nem coisa alguma antes de teres todas as bases para isso e, ainda assim, te reservarás o direito de aceitar as decisões e modo de vida de outros sem críticas.

2. Não acreditarás nem em céu, nem em inferno, apenas em teu próprio livre arbítrio.

3. Não causarás mal voluntariamente a nenhum ser vivo, exceto para defender tua sobrevivência.

4. Serás generosa em teus atos e com tuas posses, mas apenas até onde não sejas considerada simplória por esgotares teus recursos com quem te explora.

5. Não ofenderás teus semelhantes (nem aqueles tão diferentes de ti); antes, sempre procurarás palavras de conciliação e diálogo.

6. Não contarás com outros para resolver tua vida; saberás que tu mesma és responsável por tua felicidade.

7. Não culparás outros por teus infortúnios, nem deixarás que outros se apossem de tuas conquistas.

8. Saberás do valor da família e desejarás construir uma apenas quando souberes que podes transmitir o melhor para teus descendentes.

9. Viverás intensamente o presente, mas cuidando sempre para que ele não prejudique teu futuro.

10. Não acreditarás em superstições, nem em fórmulas milagrosas para a felicidade, apenas no auto-aperfeiçoamento, educação e humanidade no trato com teus companheiros de jornada.

28.10.04

Life is But a Dream

Te pergunto se és um sonho. Peço-te que me belisques. Me beliscas, eu rio, te digo que estou sonhando que estás me beliscando.

Te digo que tua presença na minha vida é como um sonho.

Cantamos juntas

Row, row, row your boat

Gently down the stream

Merrily, merrily, merrily, merrily

Life is but a dream

A vida é apenas um sonho, te digo, e seguimos a corrente do rio, remando em nosso barquinho.

Eu te conto, então, o maior dos segredos: que sonhei contigo antes de nasceres.

Que te esperava. Que te vi um dia no sonho, igual a quem depois te revelaste ao nascer.

Te conto outro segredo, então: esta vida é um sonho e, quando achamos que morremos, aí é que despertamos.

Estou contente, neste sonho de agora.

Porque tenho a ti. Porque algo eu fiz com perfeição. Com a delicadeza do mais puro amor a ti dedicado desde sempre, sempre, sempre, te criei, minha menina, minha flor, minha alegria.

25.10.04

Situação Ideal

O paraíso, para mim, deve ser assim:

O vocalista do The Calling falando sem parar, enquanto Mark Knopfler e Carlos Santana (com a ajuda do Jonny Lang) dedilham suas guitarras e Brad Pitt despe-se, veste-se, despe-se, veste-se... e George Clooney suicida-se na companhia do Ben Affleck.

Saudade

Incômoda como luva molhada,

Pesada

Como esponja encharcada

Sufocante

Como o edredom que me cobre

Para esconder minhas lágrimas

18.10.04

Seu saldo disponível é de...

Será ilusão minha, ou até a voz eletrônica que atende quando ligo para saber meu saldo bancário parece mencioná-lo em voz muito baixa e acanhada?

... Foi a impressão que tive. E ainda que me desse essa impressão, minha vontade foi reforçar a sensação de vergonha pelo saldo ridículo, fazendo:

-- Pssssssssst, ninguém precisa saber, nem eu mesma...

Então, pra que fui consultar?

Hein?

Hein?!

Juro que também havia uma pontinha de escárnio naquela voz simulada e de mentirinha que me atendeu de madrugada lá no banco e me tirou a esperança de que um milagre pudesse ter acontecido (nunca se sabe, ainda acredito em magia, nessas alturas).

Quase um mês inteiro sem receber (quando eu já estava a zero) porque o editor viajou e não me comunicou -- e também, por que o motor comunicaria alguma coisa à engrenagem da máquina?

Oh, Deus, humilha, vai, humilha...





16.10.04

Mais que um Rosto

Gosto dos teus lenços, teus brincos, teu colar. Da tua aparência cigana como teu coração e teus passos.

Lembras gente que amei. Amigo que perdi. Pessoa querida que deixou que os passos vagassem demais para longe de mim.

Mas gosto do teu rosto por ser original de ti, alguém que perambula pelo mundo e leva minhas fantasias de também ser viajante na mochila.

Gosto dos teus olhos que já viram (quase) tudo e de como parecem nos contar do que passou por eles.

Lembras, com teus escritos, que nunca é tarde para sonhar, viver aspirações e, sobretudo, sentir intensamente a poeira, o sol e o arco-íris ocasional da vida, assim como as frestas sombrias, as chuvas geladas, as paisagens desoladas e as pedras do caminho.

Que sejas sempre apenas Antonio sem acento – Antonio atônito, Antonio nada anônimo, Antonio sem homônimo.

15.10.04

O que Vem de Fora Não Me Atinge

Letícia vai caminhando ao meu lado. Escurece e na rua com pouca iluminação sua jaqueta branca e laranja brilha e a torna bem visível, mas alguns metros à nossa frente uma figura chama sua atenção e ela me diz com surpresa, baixinho:

– Mãe, olha um homem de salto alto!

Digo-lhe que não, que é uma mulher, uma mulata toda de preto (é garçonete, eu a conheço). Ela exclama:

– Mas, mãe, tem a cabeça raspada!

– E daí? – pergunto, sorrindo.

– É feio!

Eu lhe digo que depende do ponto-de-vista. Que todos têm direito a seu próprio senso de bonito ou feio, mas que exercer uma opção estética alternativa também é um direito inquestionável.

Assim como as tatuagens. Os brincos em homens. Até batons sutis. Saias, por que não? Bermudas de skater em meninas, sim senhor. Rabos-de-cavalo longos nos meninos. Tênis com línguas enormes. Piercings dos mais variados. Mulheres de terno e gravata. Sandálias havaianas com calças de grife.

Whatever.

Está decretado que não existem regras para a estética, e eu gosto disso. Suspendam-se os julgamentos.

E que se inventem máquinas de sondar o íntimo, o que se veste na alma.

Ruim mesmo é descobrir almas sujas, esfarrapadas, corações podres, intenções malévolas em alguém que obedece a todas as formalidades e convenções externas.

Por mim, qualquer coisa que se use sobre o corpo – ou não se use – não passa de mero enfeite. Cabelos? Enfeite. Tatoos? Enfeites. Roupas, adornos, grifes, trajinhos, invenções da moda? Coisas supérfluas.

Toda alma deveria ser nua e exposta – assim como os corpos. A vida seria mais fácil.

13.10.04

Traduzido de Raymond Queneau (Mário Quintana)

(Estou me sentindo assim, hoje):





Meu Deus, que vontade me deu de escrever um poeminho...

Olha, agora mesmo vai passando um!

Pst, pst, pst,

Vem cá para que eu te enfie

Na fieira de meus outros poemas

Vem cá para que eu te entube

Nos comprimidos de minhas obras completas

Vem cá para que eu te empoete

Para que eu te enrime

Para que eu te enritme

Para que eu te enlire

Para que eu te empégasse

Para que eu te enverse

Para que eu te emprose

Vem cá...

Vacá!

... Escafedeu-se.



11.10.04

Deserto

A mulher mais solitária do mundo saiu um dia a caminhar por seu pedaço favorito de deserto e ali encontrou uma flor.

Como não tinha a quem mostrar, deixou-a morrer.

Fechou os olhos no pôr-do-sol vermelho e laranja e como não tinha quem a regasse também deixou-se partir, secando ao entardecer.

9.10.04

Godline

– Godline, bom dia, em que posso ajudar?

– Por que “Godline”, quando o certo para esses serviços de atendimento ao consumidor é “Hotline”?

– Senhora, “Hotline” é o serviço de atendimento do... a senhora sabe quem. Tenho o número aqui, quer ligar para aquele lugar? Mas já aviso que as coisas por lá estão um verdadeiro inferno, pelo que ouvi falar, cheio de arrependidos de última hora que querem evitar uma longa temporada naquele lugar de temperaturas tão altas...

– Não, pelo amor de Deus!

– Pois muito bem. E então, em que lhe posso ser útil?

– Tenho reclamações a fazer. Se Ele promete cuidar de todo mundo, por que minha vida tem sido tão difícil?

– Qual foi o plano Vida escolhido, senhora?

– Como assim? Não escolhi plano nenhum!

—Escolheu sim senhora, antes de começar a viver como vocês, mortais, entendem a vida. Temos o Plano Vida Insuficiente, Vida Básico, Vida Esforço Contínuo, Vida Fácil e Vida Mansa, sendo que esses dois últimos são facilmente confundidos, mas não são a mesma coisa...

– Isso tudo é muito confuso... Eu realmente...

– Espere, deixe-me consultar meu terminal aqui, só um momentinho... Sim, seu plano é o Vida Esforço Contínuo, o que significa que está tudo seguindo de acordo com o programado e não aceitamos reclamações.

– Estou perdendo a paciência...

– Sei, por isso mesmo é que seu esforço é contínuo, para testá-la. Seu Plano envolve muitos esforços infrutíferos, grandes projetos e falsos inícios, vários fracassos, fases de maré alta e maré baixa e uma luta constante para manter-se em um equilíbrio precário.

– Então pelo amor de Deus, me diga por que eu seria tão idiota a ponto de escolher este, e não o Plano Vida Fácil ou Vida Mansa?!

– Não blasfeme, senhora, ou serei obrigada a notificar seu comportamento ao Chefe.

– E como eu poderia falar com Ele, para resolver isso diretamente?

– Senhora, por favor, controle-se! Não percebe que Ele anda mais ocupado que nunca, com tantos chamados de tantos lados conflitantes, lá no Afeganistão, no Iraque, no Rio de Janeiro... Mesmo estando em toda parte, Ele tem tido dificuldade, pois quando começa a trabalhar na Irlanda, explodem escolas na Rússia, hotéis no Egito, cortam cabeças em...

– Pare, não suporto isso.

– E como acha que Ele se sente, então, quando todos fazem tanta coisa feia em Seu nome e lhe dão tanto trabalho?

– Bom... Diga-me, então, como faço para mudar de Plano de Vida.

– Impossível. Uma vez feita a escolha, só lhe resta ir em frente.

– E vou ficar até o fim desse jeito? Nadando e morrendo na praia? Empurrando pedras morro acima, vendo tudo desabar na minha cabeça sempre que penso que desta vez terei sucesso? Por que não escolhi, então, o Vida Mansa?

– A senhora não desejaria o Plano Vida Mansa, porque nele estão os corruptos, os exploradores, os preguiçosos que vivem às custas de outros e conseguem suprir todas as suas necessidades sem o menor esforço, mas depois...

– O que tem, depois?

– Uma vez findo seu Plano Vida Mansa, não têm direito de escolher e caem diretamente no Plano Vida Insuficiente, que abrange todos os miseráveis, os povos que morrem de fome, os sem-teto, viciados que rolam na rua...

– Não concordo com uma visão tão simples de castigo ou recompensa. É simplista, tolo e patético pensar nos miseráveis como pessoas que estão pagando por algo...

– É bem desagradável, eu sei, e é claro que nem todos os que estão nesse Plano estão sendo castigados. Alguns estão apenas iniciando, é seu primeiro Plano, de modo que não têm escolha se não cumprir seus dias para merecer outro Plano melhor. Na Vida nada é de graça... Se conseguirem passar dos 30 anos de idade neste plano, seguem para o Básico e têm apenas o justo para a sobrevivência. Só findado este plano é que poderão novamente escolher, com a certeza de que se escolherem o Vida Mansa mais uma vez, depois não têm mais escolha e vão direto para o inf... Ops, a senhora sabe para onde.

– Sei...

– Em compensação, senhora, seu Plano Vida Esforço Contínuo lhe dará direito ao Plano Vida Fácil, como uma espécie de recompensa.

– Ah, é? E como é esse Plano Vida Fácil?

– Nele estão aqueles que nascem na Suíça ou Canadá, na França também... Essas pessoas já vêm ao mundo com todas as vantagens, têm inteligência privilegiada e usam seus talentos para as artes. Neste Plano há muitos concertistas, pintores famosos, gênios da matemática, grandes benfeitores da humanidade, pessoas generosas que doam suas vidas aos outros... Eles casam-se com as pessoas que escolheram, têm filhos bem nutridos e felizes e passam seus anos sem grandes estremecimentos e com todas as bênçãos terrenas. Entende? É um prêmio.

– E quando morrem?

– Para começo de conversa, essa coisa de “morrer” precisa ser apagada de seu vocabulário.

– Você entendeu o que eu quero dizer! O que acontece, “depois”, com as pessoas da Vida Fácil?

– Bem, essas... essas não voltam mais.

– Não voltam mais? Quer dizer, nunca mais? Em nenhum Plano?

– Ficam no Plano dos Anjos, senhora. Agora, se me dá licença, preciso desligar.

– Mas, espere, ainda não terminei, tenho muitas queixas!

– Então simplesmente não se queixe mais! Cada um tem a Vida que escolheu, e ponto final. Há muita gente querendo ser atendida, senhora. Os tempos estão duros, parece que muita gente acaba voltando ao Plano Inicial e vem se queixar...

– Mas eu...

– ...





7.10.04

Recados

Diego está em casa. Mais uma semana e poderá voltar à escola.



Steven, dear: someday we’ll know if you were right when you said I would be a successful writer – but now is not the right time (and it seems it’ll never be).



Hey, Murphy, esquece de mim, tá bem? Quando penso que me livrei, tua lei me enquadra de novo e mais uma vez não poderei ser a super-heroína de minha filha. Planejei tudinho, mas não contei com a viagem de meu editor à Alemanha para a Feira Mundial do Livro e, assim, terei de comemorar o desaniversário de minha filha no fim do mês e dia 12, em seu aniversário, contentá-la com beijos, abraços, e lembrancinha. E passar o resto do mês a zero.



Ernie, teu poemete era melhor que o meu, mas não me darás a honra não, estou certa?



E antes que eu me esqueça: life is really a bitch, sometimes.



Amanhã volto ao normal
.

6.10.04

Secreta (http://cabezamarginal.org/secreta)

Li teu texto mas não sei brincar com palavras (antes, elas brincam comigo)

Li mas ante a convocação-convite, calo-me, porque não sei inventar o que, vago demais, não me cabe, exata nos meus desejos e certa de minhas carências.

Não sei disfarçar coisas (nem intenções) em meias- ou quarto-de-palavras e não posso ler quatro vezes até me entender em meio a vagas conotações.

Li teus textos (tantos, Torin), mas em mim falta algo – a expressão do fundo d’alma (e não é que em mim inexista, mas minh’alma se esconde e, antes, não mostrá-la sequer em disfarces).

Li teu texto, mas me escrevo todo o tempo e não sei descrever outros (antes, outros me descrevem, sempre com inexatidão divertida).

A Sheerazade que em mim habita não sabe criar contos (nem poesia).

A personagem que mora em mim contenta-se em respirar letras, sempre imperfeitas (e minha imperfeição só se mostra quando abro as tuas letras e elas me mostram que meu caminho ainda está pela metade, sempre com dez montes altos à frente dentre os quais eu, Sísifo, decido sempre pelo errado para subir com minha pedra)

4.10.04

Diego

Diego é um anjo de treze anos, que freqüenta a mesma classe que minha filha, na escola pública que pratica a inclusão ampla de crianças com todos os privilégios e desprivilégios sociais.

Diego teve meningite com sete anos, quando estava na primeira série.

Hoje tem idade mental de sete anos, ainda.

É doce, tímido, arrasta-se ao andar, não coordena seus gestos.

Vem lutando desde os sete anos, fazendo cada uma das séries a cada dois anos.

Seu pai o cuida quando a mãe está trabalhando. Parece-me que se revezam nos horários de trabalho, mas é o pai quem leva e traz o menino à escola e está presente o tempo todo, nas festinhas, nas atividades extra-curriculares, em tudo.

Diego contraiu pneumonia.

Segunda-feira passada estava abatido e comentou com a professora:

-- Hoje estou triste.

Então, contou que o pai lhe botou o termômetro, viu que ele estava febril e o fez tomar remédio, mas sua tristeza era pela preocupação que estava dando ao pai.

Terça-feira passada foi internado na UTI, onde ainda está.

Diego é um menino de treze anos com mente de criança, coração de anjo, pneumonia dupla, destino frágil e futuro incerto.

Rezem por ele. Pelo pai e pela mãe também.

(por favor)

Naftalina

Tinha uma esperança em meu bolso

Que foi roubada, perdeu-se,

Ou minguou e sumiu.

Tem o formato de um livro

Mas cabe em qualquer lugar

Principalmente na imaginação

Que também guardo em meu bolso

Feito coisa para ser tocada

E mostrada a quem eu encontrar.

A esperança sumiu

A imaginação ficou

Feito luva sem par

A embolorar no escuro

Do inverno descriativo


3.10.04

That's what I mean

Não consigo imaginar como alguém consegue escrever tão mal. A não ser que isso aí seja algum idioma que desconheço. Não me passa pela cabeça que alguém se dê ao trabalho de escrever tão errado e ainda se preocupe em criar uma página na internet chamada "Cinderela".

But then, este é outro daqueles mistérios da ignorância humana que nunca consegui entender. Aí está:





"what about thoes who are into the fire of love??? is that love or spur of the moment??? y is every1 saying marriage is the tomb of love. I don tink so... cuz i noe sum1 who is married n enjoys life.. cuz he's not living with his wife... i noe another guy who tinks marriage is juz another partner.. n its ok w/o getting married... cuz to him marriage n love is two diiferent scene."



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(OOOOOoooooohhhhh, yeahhhhhh... Ai, cómo me duele el vivir....)

Dez minutos de inutilidade

Saí para passear pelos blogs usando a barrinha do Blogger, clicando em "Next Blog".

Um passeio pela inutilidade. Perdi uns dez minutos preciosos da minha vida.

Donde se vê que não é só no Brasil que existem cabeças-ocas.

E a minha está ficando, de tanto ler besteiras.

Tudo isso só porque, sem mais nem menos, aconteceu uma chuva de acessos estranhos ao meu blog, com gente de tudo que é parte, enfileirados um após o outro, uns 15 visitantes estrangeiros que, obviamente, não entendem português. Então fui conferir como chegaram ao meu blog, indo às suas URLs. Not a trace of my humble blog there. De algum modo, acho que hoje o endereço para meu bloguinho constou na barrinha de todos ao mesmo tempo, durante uns 15 minutos.

Talvez tenham perdido um pouquinho menos, lendo e não entendendo meu blog, do que eu perdi lendo o deles e entendendo tudo.

Ai, vida...

1.10.04

Sinais





Os sinais estavam claros, ali na minha frente. Tu, insuspeitado para meu coração até aquele momento, abriste muito os olhos ao me veres, quando entraste, e naquele instante estranhei teu nervosismo. Tremias, a voz chacoalhava e balbuciavas palavras confusas, como se de repente tivesses pisado em um buraco invisível e perdesses teu passo, a firmeza de tudo em ti. Na minha frente, um homem transformado em um adolescente inseguro. Como a única pessoa que ali estava além de nós dois, e a que mais te conhecia, não percebeu que só faltaste tropeçar, me fazendo rir baixinho, quando vieste me cumprimentar com um beijinho civilizado e inócuo?

(Talvez estivesses com frio. Talvez apenas surpreso ao me ver por não me esperares com os outros, talvez apenas surpreso porque cheguei primeiro. Não sei. Só depois percebi que não era nada disso).

Os sinais estavam ali, no telefonema inesperado. Uma chance de um encontro. Nunca a sós. Com os outros.

Mas eu não podia.

E os sinais vieram novamente, em palavras nem tão veladas, em outro convite.

E eu não pude novamente.

Agora, o que eram apenas pequenas espirais de fumaça vindo de ti transformam-se em um incêndio. Tem cheiro de fogueira. Calor de paixão. Vibração e sirenes de desejo gritante.

E ainda assim, eu, piromaníaca, fico de espectadora, a te ver queimando. Incerta sobre minha capacidade de aplacar tuas chamas e de com minha presença tão temerosa ver-te a te consumires sem que eu possa, ao menos, tentar te salvar.

Nove

Hoje, primeiro de outubro, minha filha começa a contagem regressiva para seu aniversário de nove anos, no Dia da Criança, com as seguintes palavras, logo ao acordar:

-- Faltam 10 dias.

Lembro que não, que são onze dias. Ela vem, então, com sua lógica que sempre me surpreende:

-- Não, dez, porque já estou no hoje.

Há dois meses ela vem contando o tempo, mas a contagem real só começou hoje.

E não é para ganhar presente. Não é para ter festa. Não é para reunir suas amigas. Nem é por qualquer outro motivo, exceto porque, em suas próprias palavras:

-- Eu gosto de fazer aniversário. Gosto de contar mais um ano.

Diz a Letícia que nem precisa festa. Não precisaria presente (mas claro que serão bem recebidos). Que a alegria de fazer aniversário é o próprio aniversário.

Sempre desconfiei que minha filha (cujo nome escolhido por mim significa realmente "alegria") veio ao mundo para ser e fazer outros felizes. A começar pelo fato de ter vindo para mim "atrasada", chegando no Dia da Criança quando "deveria" (segundo cálculos dos homens, mas não segundo as leis mais sutis que regem o universo) ter vindo entre dia primeiro e dia sete de outubro. E ela demonstra seu prazer de viver nas mínimas coisas, todos os dias.

Que outro motivo mesmo existe para comemorarmos aniversários, exceto pelo prazer da vida pela vida em si (Iuri, lembrei de ti, com a crônica que me mandaste sobre Sísifo)? Exceto pelo gosto de estarmos ainda mais um ano por aqui, comemorando nossa participação neste ato da grande peça de Deus, chamada VIDA?

Minha filha é sábia.

Vivo aprendendo com ela.

29.9.04

Bonita

Isso, de a gente acostumar-se com a própria cara, é uma coisa esquisita.

Durante minha vida inteira eu nunca soube se era bonita ou não.

Quando tinha uns treze anos, uma coleguinha me disse que "ele" (ele era o garoto mais lindinho e cobiçado) me achava uma gata. Achei que havia se enganado. Jamais pensaria em mim como "gata". Não deu em nada, mas nunca me esqueci de quem me chamou de "gata" pela primeira vez.

Então, aos vinte e tantos anos, fui ao Rio de Janeiro e um homem lindo, amigo de amigos, comentou que eu era um "avião".

Nossa.

Eu de calça jeans, blusa branca, meu batom e minha cabeleira -- tudo isso junto perfazia um avião. Só não saí voando porque não acreditei naquilo e porque não deu tempo de conferir, já que na mesma noite voltei para Porto Alegre e, assim, não consegui mostrar ao moço que eu conseguia decolar...

Então, de repente, senti-me feia, feia, feia, durante sete anos. Muito feia.

Por força de um homem que dizia me amar mas me achava feia -- meus pés eram feios, meus cabelos deveriam ser lisos, não encaracolados, eu me vestia primeiro bem demais e depois mal demais, era magra demais, deveria ter unhas compridas quando as mantive sempre curtas...

Então veio o limbo.

Eu não era nem feia, nem bonita. Apenas uma mulher. Comum. Comum. Comum.

E então alguém me disse, novamente, que eu era "fascinante.

"Fascinante" não quer dizer bonita. Mas já ajuda.

E neste ano, descobri finalmente que não apenas sou, mas me acho muito bonita.

Levei minha vida inteira sem saber que me achava bonita e que sou mesmo, e isso aconteceu apenas graças a uma pergunta e a uma pesquisa que vi na tevê.

Um amigo que também me acha "fascinante" riu de mim e me chamou de narcisita.

Nascisista, eu?!

É. Narcisista. "Tu te adoras", disse ele. Eu me adoro?, pensei. Então, ele me perguntou:

"Se tivesses de mudar algo na tua aparência, o que mudarias?"

Então descobri que não mudaria nada. Que, na verdade, nunca pretendera mesmo ter cabelos lisos e que meus cachos (ai, estão adoráveis agora!) são um diferencial. Descobri que meus olhos são lindos, brilhantes, expressivos. Que não há nada de errado com meu nariz, meu queixo, minha testa. Que minha cara de menina, que sempre me deixou chateada por me fazer parecer mais jovem do que era, agora trabalha a meu favor, quando já não sou mais menina. Meus lábios? Ora, uma boquinha tão bem feitinha, qual é o problema, afinal? E minhas sobrancelhas escuras e bem feitas, nada mais gracioso.

Além disso, na tevê, mostram uma pesquisa feita por psicólogos. Mais uma daquelas pesquisas inúteis que só servem mesmo é para encher espaço na tevê quando não têm nada mais interessante para mostrar. E a pesquisa diz que a maioria absoluta das mulheres não está contente com seu corpo, rosto, etc, e gostaria de ser diferente.

E respondo, em voz alta: "Eu não!".

Para quê?

Amo minhas pernas, adoro meu bumbum, gosto de minhas mãos longas, minha cintura e minha barriguinha quentinha (quase plana). Gosto dos meus pés, muito, muito, muito. Adoro meus ombros (não adorava, mas descobri que Caetano Veloso tem ombros tão ossudos quanto os meus). Gosto dos meus seios que não são nem de menos, nem de mais. Reclamo que sou magra, mas na verdade adoro saber que posso comer um boi, que logo meu cérebro inquieto trata de acelerar tudo e queimar todas as calorias, me fazendo ansiar por mais um boi e nem assim engordar. Gosto da sensação de que meu corpo pode fazer o que eu mando, desde curvar-se de costas até encostar as mãos no chão fazendo "ponte", até sentar com as pernas retorcidas em posição de ioga, até estralar todinhas as articulações fazendo minha filha cerrar os dentes horrorizada, até dançar loucamente, até fazer outras coisas muitíssimo secretas com partes também muito particulares que eu jamais ensinaria para nenhuma outra mulher para não perder a vantagem competitiva...

Meu corpo me ajuda. Graça ao fato de não viver para comer e de não ter problema de coluna, nem varizes, nem coisas desagradáveis semelhantes, ele suporta muito bem longuíssimas jornadas de tradução que, às vezes, duram (como três dias atrás) 30 horas direto, sem dormir, sem praticamente levantar, quase sem comer.

Em resumo -- sou narcisista mesmo, e a-do-ro a Dayse que só recentemente descobri.

Se eu mudasse qualquer coisa em mim, ah meu Deus, morreria de saudade do que era antes -- do que sou agora, com toda a estrada percorrida, com minha cicatriz na testa de uma queda de cima de um guarda-roupas quando era pequena, de uma outra minicicatriz quase invisível no queixo que não sei de onde veio e parece que já nasci com ela, de todas as minhas antigas células. Narcisista, eu?

Sou, sim senhor. E me amo a cada dia mais, assim, naturalmente, sem cabeleireiro, sem manicures caras, sem spa, sem regime, sem nenhum sacrifício para ser apenas eu, sem vergonha e sem modéstia.



E eu ainda disse que nos próximos dias não escreveria quase nada...

Pra ver como sou.

Pra ver que o que eu digo não se escreve. Ou se escreve mais do que eu digo.

Já nem sei.

27.9.04

(H., are you really going to France to marry a mermaid?)

Onde lanças tua âncora,

Meu pirata insensato,

Quando eu, embalando teu barquinho

Vejo só tanto luar

E nada de ti para eu naufragar ?

Meu corpo-mar quer te afogar,

E te prender junto aos destroços

Que existem no fundo de mim

Mas tu, navegante sem rumo

Te perdes em minha imensidão

E ampla como sou, te perco também

E nada de te encontrar

Entre as ilhas que fui formando

Enquanto seguias sereias

E me iludia achando que por imergires em mim

Algum dia te consumiria e te decomporia e te misturaria por fim

Em meu líquido querer, em meu salgado chorar

Em meu porto de faz-de-conta-que-sei-amar.

24.9.04

Meio Lá, Pouco Cá

Não tenho estado muito aqui -- "aqui", dentro de mim e abraçada às letras que eu junto para contar sobre interiores e exteriores do meu mundinho.

Quando penso que finalmente dedicarei um tempo para minhas ficções sempre inacabadas -- sina de escritora que precisa sobreviver com algo mais "produtivo" que criar --, sempre surgem toneladas de traduções para fazer. Como só eu e Deus sabemos quanto preciso mesmo de uma chuva de traduções, preciso sorrir e me desculpar comigo mesma, com meus personagens e com meus amigos gentilíssimos que vêm ao meu blog conferir se andei pairando um pouquinho acima do chão.

Não.

Há dias finquei o pé na realidade e, feliz ou infelizmente, dela não poderei sair tão cedo, exceto no sentido de que, ao traduzir "A Place of Execution", um ótimo livro de suspense-quase-terror, eu posso ao menos divertir-me com um pouquinho da criação da autora excelente (Val McDermid).

De resto, peço desculpas pela ausência involuntária, mas a partir de segunda voltarei a pegar no pesado em um outro projeto de tradução que me consumirá praticamente todo o tempo e energia. E aí, se a Lei de Murphy não vigorar novamente e tudo der certo, estarei ocupada, com os pés e cabeça firmemente atados ao lado prático da vida, e terei de suportar a saudade que (sempre) sinto de vocês.

Em tempo: mesmo na pressa, posso ler e-mails. Escrevam para daybat@translate.com.br. Não me abandonem.

Ernesto, muso, mil perdões -- a coisa anda impossível por aqui, mas não esqueci nada, viu?

Antonio Jr., eu topo. Vamos ver os detalhes outra hora.

K., também sinto saudade (e curiosidade para saber tuas notícias).

E é isso.

Beijos.



21.9.04

P.S. para o Post Abaixo

Acredito realmente que ninguém se apaixona sem estar preparado por uma espécie de mudança na química cerebral... Não é a pessoa que traz a paixão. A paixão é que traz a pessoa.

Sei, sei, sei -- isso é muito pouco romântico.

Mas será que não é de dentro para fora o modo certo de se apaixonar, mesmo?

... Sei. Sei. Sei. Se o Brad Pitt passasse por mim, sempre seria a hora e viria de fora para dentro...

... Ainda assim, tirando esta exceção, creio nos hormônios-todo-poderosos, creio na força da neuroquímica, creio no romantismo do cio feminino e creio na mágica que tudo isso causa, transformando meu cérebro em uma sopa de emoções vibrantes, que alimenta mais que dez anos passados em regime de afetos insossos.



Pronta

Algo anuncia-se.

De repente, escuto a incomensuravelmente bela voz de Julie Andrews cantando "The Sound of Music" e lá vou eu também voando pelos espaços abertos, montanhas... Pelo céu azul da abertura do filme. Vou com a canção e vôo. E no fim, uma vontade de chorar depois do agudo de pássaro de La Andrews.

Depois, ainda, ouço o tema (belíssimo) de "O Rei e Eu" e me vejo dançando, valsando também com essa figura mais imaginada que presente, mais idealizada que real que parece ser o transmissor do vírus que me atingiu.

E então percebo:

Estou pronta para me apaixonar.

O que é essa vontade de rir? De querer acordar logo? De não dormir? De me perceber outra e a mesma, de me ver como aquela que prefiro ser e sou quando consigo me olhar de perto?

O que é a sensação de que sou bonita? E a enxurrada de estados térmicos alternados e consciência desperta para o que não andava percebendo, tão estupidificada pelo quotidiano morno apenas?

Algo ferve.

Borbulha e queima.

É paixão. Já é algo.

Parece que encontrei a chave perdida. Não do portal do Amor. Mas do portão dourado da paixão, por onde entram os poetas e os desvairados.

Me ajuda a abrir?

20.9.04

Resposta ao fanatismo

... Não...

Não quero criticar teu deus, porque não quero brigar com o meu...

Deixo-te com tuas crenças e permito que vivas hoje como dois mil anos atrás, com tua involução cerebral e teus grilhões da fé cega no teu deus inventado.

Dou liberdade para exerceres teus preconceitos. Sou mesmo uma criatura libertina, fumante, fanática por trabalho, que nunca oficializou nada perante um padre e não quer saber de olhar os lírios do campo e prefere suar e ganhar o pão com o próprio sangue -- ainda que seja aos domingos.

Sim, espero que sejas feliz, como sempre esperei, quando viajava três dias de ônibus para ir te ver duas vezes por ano, só para garantir que aquela menininha, filha do meu pai com outra mulher, pudesse ter uma visão sadia da vida.

Te perdôo por não perdoares minha falta de fé no teu deus.

Não tenho medo do inferno.

Volta e meia ponho um pé dentro dele, rejeitada por tua fé em tudo que te afasta de mim.

Acostumei-me a vislumbrá-lo.

Mas aqui, em minha bolha protegida da ignorância, vacinada contra lavagens cerebrais e receptiva à vida, sei que não erro por ainda te amar.

Meu Deus estava dormindo, assim como eu, quando escapaste e fugiste com teus olhos tão verdes e teu rosto semelhante ao meu e cruzaste aquela fronteira entre a razão e a insanidade.



17.9.04

Comandos Encantados

Muitos anos atrás, li um conto de Stephen King em que o personagem comprava seu primeiro computador, encantava-se com o processador de texto e descobria, ao apertar delete, que aquilo em que estava pensando simplesmente desaparecia.

Delete, e lá se ia a sogra.

Delete, e o cachorro parava de latir, desaparecendo no ar.

Pois eu estou querendo de Deus um processador de realidade novo. Neste, com o pensamento fixo naquilo que desejo, inaugurarei a tecla Insert trazendo de volta meu pai, saudável e com faces rosadas, pernas fortes e voz firme.

Insert, e meu irmão jamais terá saído de moto com seu capacete escuro numa noite de chuva para perder-se na curva debaixo de um carro e nunca mais voltar.

Insert, e minha irmã aparecerá na minha frente, vinda de onde quer que esteja se escondendo.

Insert, e tudo o que foi deletado pela vida será resinserido nela.

Enter.

E tu também entrarás por esta mesma porta e te encontrarei sentado às minhas costas, rindo de mim com olhos brilhantes de lágrimas, no instante em que um arrepio percorreu minha coluna e me voltei porque senti que era observada.

Backspace, e o beijo que acabara recomeça.

Sleep.

Wake Up.

E um dia, End.

Também para mim, um End. Nada mais de Page Down ou Page Up. Nada mais de prender as maiúsculas com o Caps Lock para berrar teu nome aos ventos lançados pela ventoínha... Nada mais de dar um F1 pedindo Ajuda. Nada mais de Pause ou de Break.

Apenas um End. Singelo. Despretensioso. Sem nenhum Contrl.





No gancho

Eu odeio telefones.

Essa é uma das minhas muitas esquisitices e acho que a maior.

Eu realmente odeio telefones e sua única vantagem na minha vida é permitir o acesso à internet.

Não atendo, se puder evitar. Peço aos amigos que escrevam, se possível, porque não serão atendidos (muito provavelmente) ou serão, mas não serei eu falando (será uma tonta ansiosa -- sinto-me idiota falando ao telefone, inexplicavelmente, e o eco da minha voz, às vezes, só contribui para que eu me pergunte como alguém suporta me ouvir, lá do outro lado).

Telefone, para mim, é para marcar consulta com médico, avisar que chegou serviço, avisar que chegarei atrasada (raríssimo) ou perguntar se minha pequena está bem, quando passa mais de dois dias com seu pai (e mesmo assim, só cinco minutos, no máximo -- quando ela voltar, me contará tudo).

Acho a maior falta de educação ligar para alguém e alugar seu tempo e atenção, paralisar sua vida inteira prendendo-a junto a um aparelho.

Se pudesse, abolia de vez o telefone na minha vida (tenho um celular que não uso, um telefone que não atendo, um viva-voz que não consegue me dar a ilusão de que estou com a pessoa ao lado, uma secretária eletrônica que esqueço de ligar).

Acho imensamente grosseiro quando me ligam e iniciam a conversa com algo como: "E aí?..." (E aí que as reticências se prolongam até o infinito e minha paciência já desaparece nos primeiros cinco segundos. Se não é para dizer algo importante, para que ligar?).

O telefonema ideal, para mim, é mais ou menos assim:

-- Oi. Sinto tua falta.

-- Eu também. Quando nos vemos?

-- Amanhã para mim está bem.

-- Ótimo, então. Combinado.

Pronto. Fácil. Indolor. Podemos continuar vivendo.

Quando o telefone toca, meus nervos grudam-se no teto e custam a descer de lá. Mesmo tendo me aprimorado na arte do corte ao longo dos anos, alguns chatos persistem no joguinho de matar minutos intermináveis de minha existência não dizendo nada ao telefone.

Sou tagarela. Loquaz. Vivaz. Esperta. Sedenta de contato.

Mas ao vivo.

E por escrito, melhor ainda.

Se pudesse, tornava a linguagem escrita a única forma de comunicação possível no universo (seria permitido falar apenas nos filmes, no teatro e na música -- e ao fazer amor).

Quando troco correspondência, tenho tempo de pensar. Consigo sentir melhor a outra pessoa pelas entrelinhas, errinhos, deslizes, matizes e cores de sua linguagem escrita. Consigo raciocinar melhor quando escrevo -- direto, sem rascunho e sem revisão.

Com a linguagem escrita, não há mal-entendidos. Nem chance para, depois, dizer que não se disse algo.

Leio e-mails quando quero, respondo quando posso. Eles não me perturbam -- ao contrário, adoro a liberdade de responder só a quem se quer, quando se quer, como se quer.

Não me liguem.

Escrevam-me. Toneladas de palavras, sempre. Apareçam, falem olhando no meu olho, pegando na minha mão. Mas nunca esperem mais que o puramente convencional, se conseguirem me pegar distraída e eu atender uma ligação.

(A seguir, acho que falarei da segunda coisa que mais detesto no dia-a-dia -- pessoas pessimistas e mal-humoradas, estraga-prazeres, azarados por natureza, bolas-murchas e pessoas-marrons -- e se hoje pareço azeda também, é só porque... bom, atendi ou dei telefonemas demais, para o meu gosto).



14.9.04

Cala-te, Mente!



Tenho inveja do silêncio mental de outros.

Minha mente não aprendeu a calar-se. Nunca se aquieta, jamais cede espaço à trilha vazia (que certamente deve haver, em algum lugar), está sempre abarrotada de idéias simultâneas, umas amontoando-se às outras, brigando entre si, empilhando-se e empurrando-se, querendo aparecer e me fazer abraçá-las.

Tenho muita inveja daqueles que mantêm um só pensamento em suas mentes ou até nenhum (como tanta gente que conheço). Queria esse vazio, às vezes, principalmente naquelas noites em que estive criando minhas fantasias de ficção e, ao ir para a cama, pareço ter uma lâmpada brilhante acesa bem no centro de minha testa, por dentro, mesmo quando fecho os olhos. A lâmpada não se apaga e traz sob sua claridade ainda mais idéias, ainda mais fiapos de criações, mesmo quando já me despedi da ficção e de qualquer coisa parecida com inventividade naquele dia.

Invejo, portanto, as vaquinhas plácidas, os cordeirinhos dóceis, os simplórios com suas vagas noções de nada, os coitados com seus fluxos desfiados de pensamentos incoerentes e frouxos.

Cansa, pensar dez idéias ao mesmo tempo, o tempo todo.

Cansa, ser "elétrica", como um amigo querido me considera.

(E só recentemente descobri que tagarelice e essa sensação de multidão cerebral também são considerados como hiperatividade. Não há eletricidade nisso, Paulo. Há, sim, uma Babel que às vezes ameaça desmoronar).

12.9.04

Cara, como ele escreve!! (Apresentando Antônio Jr.)

Recebo, do nada, um texto de quem nunca havia ouvido falar. Não sei de onde ele tirou meu nome -- nem ele mesmo sabe --, mas agradeço à Sorte, ou Destino, ou Acaso ou às listas de discussão (hehehe).

Quando vejo o e-mail com anexo de foto e mais um texto enorme, penso: "Ih, outro." Isso porque, como qualquer pessoa que escreve como amador mas leva isso a sério, volta e meia (duas voltas seria mais certo) recebo coisas gratuitas, para ler apenas, ou para avaliar.

Tenho a sorte de ter amigos que escrevem muitíssimo bem e cujo talento só não invejo mais porque meu "estilo" (se há um) é diferente e, portanto, eu não teria muito o que fazer com o estilo desses gurus.

Então começo a ler.

Sinto-me chocada já no primeiro parágrafo. Largo o texto. Dez minutos depois me vejo forçada a retomá-lo e sorvo de uma só vez esse hálito de verdadeiro literato.

Então exclamo, como uma patricinha deslumbrada (quando não sou nem uma, nem outra): "Cara, como ele escreve!!"

Parece que Antônio Jr. não precisaria ser apresentado por mim (tem livros publicados, é jornalista), mas para os que, como eu, não o conhecem, aí vai uma provinha, e o link sob o texto (obs. - Os acentos parecem ser um problema no teclado que ele usa na Espanha):



"Vê-lo não é um espetáculo divertido. A julgar pelas circunstâncias, está há uma ou duas horas atado a uma pequena e grossa oliveira, nu, o saco cortado e enfiado goela adentro. O sangue cor de vinho escorre por suas pernas fortes e sem pelos, sugado pela terra àspera. Os olhos grandes, opacos, bem abertos, fixam o nada, tomados por um susto dos diabos. Tem enormes orelhas e olhos negros, e parece tao inocente como um pequeno animal dos bosques. Nenhuma documentaçao, roupas ou qualquer objeto que o identifique. Depois de busca minuciosa, o policial colhe a dois metros do corpo, entre tufos de alfazema, um preservativo utilizado e um anel de prata com a letra M gravada. “É um maldito marroquino sem papéis”, sentencia a autoridade gorda e carrancuda."



"Vinte e quatro horas antes, Mohamed beijou a mae e cada um dos nove irmaos mais novos; e eles, esperançosos, nao choraram. No bote, apertado entre 17 corpos suados e tensos, em pé, buscou o céu oculto pela neblina e a lembrança do avô poeta recitando o épico “A Gata Negra”, que fala da sombria solidao humana. Ele o interpretava magistralmente em celebraçoes públicas e reunioes familiares. Observando olhos, bocas, maos, formas fantasmagóricas que se escondem e se mostram na névoa, comoveu-se com uma mulher de chilaba azul-turqueza e rosto tapado, agarrando-se a uma criança de colo. O seu olhar fulminante escondia um grito. Atravessando o Estreito de Gibraltar habitado por golfinhos e sereias famintas de carne humana, despediu-se da branca Tânger. O perfume particular da cidade cheirava a coisa antiga, confundindo-se com o perfume selvagem e apaixonado da terra cigana."



http://elgitano.blig.ig.com.br/

11.9.04


Me deixa acabar com essa luz, estourar todas as lâmpadas, mudar para onde não haja essa claridade toda, voltar no tempo, estar onde já estive com certeza tantas vezes em outros tempos - outras Dayses, quem sabe Maries, Jacquelines, Giselles, quem sabe que nome, quem sabe que tempo -, mas distante do agora.
Me deixa acender o lampião, a vela grossa sobre a mesa de madeira bruta, o livro quase incompreensível aberto sobre a mesa, exigindo atenção no silêncio completo dos tempos ainda não tão civilizados.
Me deixa, ao ir para o quarto, tirar a anágua, a armação da minha saia, tantos tecidos, nenhuma lingerie, o corpete que esconde minha pele branca que nunca vê o sol porque isso ainda é grosseiro, nesse tempo do passado ao qual voltamos.
Me deixa deitar-me sobre o colchão tão fofo, o travesseiro de penas, os edredons caseiros. Quero essa sensação do algodão, do natural, do aconchego de outrora.
Me deixa despertar com o canto do galo, sentindo o aroma da terra, dos jasmins em flor, até do esterco, da flor de laranjeira, da madeira da minha casa, teu cheiro tão bruto, teu odor de homem rústico, tua pele sem colônia, teu corpo moldado a ferro, a esforço, a trabalho braçal, sem academia, sem hormônios nada naturais.
Preciso soltar meus cabelos, fazê-los tranças, correr no campo, olhar os céus, te dar dez filhos e encher minha vida dessa sensação de vida tão presente nesse nosso tempo que nunca será futuro, se nos prendermos aqui, neste momento suspenso entre o nada e o começo de tudo.

10.9.04

Rapsódia Americana (Kenneth Fearing)

Primeiro, te pões a roer as unhas. Depois, escovas os cabelos outra vez. E depois esperas. E esperas.

(Sabe, dizem que primeiro mentimos. E depois roubamos -- é o que dizem. Dizem que depois, matamos).

Então, a campainha toca. E então Peg aparece. E Bill. E Jane. E Doc.

E primeiro tu falas, e fumas, e escutas as novidades e bebes alguma coisa. Depois, desces as escadas.

E depois tu jantas e vais a um concerto depois, talvez, e depois disso danças e depois voltas para casa e sobes as escadas novamente e novamente te atiras na cama.

Mas antes, Peg argumenta e Doc responde. Antes, tu danças a mesma dança e bebes a mesma bebida que sempre bebeste antes.

E o piano constrói um telhado de notas acima do mundo.

E o saxofone tece um domo de música pelo espaço. E a bateria forma um teto sobre o espaço e tempo e noite.

E depois a conta. E então o cheque. Depois, para casa e para a cama novamente.

Mas primeiro, as escadas.

E, querida, enquanto sobes aquelas escadas, será que ainda te sentes como te sentiste lá?

Sentes outra vez como te sentias pela manhã? E na noite anterior? E na noite antes da noite anterior?

(Dizem, sabe, que primeiro ouvimos vozes. Depois, temos visões -- é o que dizem. Dizem que depois chutamos, berramos e temos acessos de fúria.)

Ou tu pensas: o que é mais uma noite em uma vida inteira feita de noites?

O que é mais uma morte, ou amizade, ou um divórcio, em meio a dois ou três? Ou quatro? Ou cinco?

Um rosto a mais, entre tantos, tantos rostos, uma vida a mais entre tantos milhões de vidas?

Mas primeiro, querida, enquanto sobes e contas os degraus (e a soma é sempre a mesma), será que algum dia, em algum lugar ou em algum momento, chegaste a ter uma idéia diferente?

Será que nasceste apenas para sentir, e fazer e ser o que sentes, fazes e és?

Fearing, Idolatrado



Amo-te com tal ânsia, Fearing, que mais não poderia. Em segundo lugar, em minha vida, só vem o Cole Porter, empatado com o Julio Cortázar, mas em nível mais intelectual, menos pessoal. Choro, a cada poema teu. Quem nunca te conheceu, não sabe o que perdeu.

Te conheci por acaso, ao receber um livrão com os tesouros da poesia americana como prêmio pela participação em uma peça teatral do curso de inglês em que lecionava (eu era a aluna sexy do professor tarado!).

Te encontro hoje na Internet.

É como reencontrar um amor antigo. Sinto saudade de mim quando me apaixonei por ti na primeira vez. Sinto saudade de ti e de tudo que me ensinaste sobre como se enlouquece.

Juro que ainda traduzo American Rhapsody (acho que amanhã).