29.12.05

Come Softly to Me (ao som desta música, com Del Vikings ou Astrud Gilberto)

Entra, mas devagar, suavemente, anunciando-te com a sutileza de um abraço de brisa.
Entra, mas não machuca.
Não me tirarás nada que eu já não tenha perdido muito tempo atrás.
Vem, mas prefiro que não prometas nada e apenas repitas as bênçãos que tive com o “ex”. Não promete, mas me traz esperança de que serás bom, serás gentil, serás carinhoso com meu coração.
Vem, me deixa ficar contigo, inteirinha. Deixa que meus amigos, minha filha, minha família te conheça inteiro também, do princípio ao fim.
Te aproximas, e já sinto tua vibração. Tudo de novo, repito minha ânsia por envolver-te e levar minha vida contigo, novo, novinho em folha pra mim, como já fiz com outros, mas mesmo assim meu desejo de te usar completamente é sincero.
Desejo que me dês tuas melhores partes. Não me mostra mau-humor, não me traz insegurança, não me deixa no meio do caminho.
Nem precisas ser o melhor de todos. Se não fores semelhante aos piores que já tive, te amarei.
Toma posse de mim e vem com tudo, 2006.

P.S. para o post abaixo

Já que eu disse que detesto o Crowe e já havia dito que detesto o Tom Cruise e também o George Cloney, as mulheres devem achar que tenho um péssimo gosto para homens e para atores.

Não.

Admito que o Cruise e o Crowe são bons atores. O Clooney é um pateta, digo e repito. E não gosto de nenhum deles como homem, esteticament falando. Outro que vai para a minha lista do mais detestado é o Kevin Costner. Argh, que não suporto o cara.

Agora, se me perguntarem sobre meus atores preferidos (que também são atraentes para mim como homens):

Kevin Spacey
Morgan Freeman
Cuba Golding Jr.
John Malcovitch
Anthony Hopkins
Gabriel Byrne
Gael García Bernal
Guy Pierce
Sean Connery
Johnny Depp
Tommy Lee Jones
Samuel L. Jackson
Tom Hanks - Tom Hanks - Tom Hanks!!!!!!!!!!!

E em categoria "gostoso-mas-não-sei-se-é-bom-ator":

Brad Pit
Ryan Phillipe
Matthew McConaughy
Jude Law
(esquisito, são todos loiros...)

Esquizofrenia

Ok, boys and girls, vamos falar sério.

Primeiro -- estou revendo o genial "Uma Mente Brilhante" (com som sap para não perder a atuação do besta do Crowe que, afinal, ainda que eu o deteste, é um ator perfeito).
Segundo -- Sempre fui e serei fascinada pelas teorias do John Nash, o matemático que o Crowe encarna no filme. Sempre me encantaram teorias como a dos jogos não-cooperativos e outras, da matemática. Eu, que até meus vinte e poucos anos não suportavaver nenhum numero na minha frente, fui me tornando uma adoradora dos números, a ponto de pensar que deveria ter me esforçado mais e estudado matemática, em vez de letras, se tivesse mais bom-senso.
Terceiro -- conheço a esquizofrenia de perto, em teoria e na prática (não por eu sofrer da doença, mas por ter traduzido sobre ela durante 10 anos e ter tido amigos geniais que tinham este diagnóstico).

Sobre o John Nash, relendo sua autobiografia ao ganhar o Nobel, vi sua frase inesquecível:

"Tive a doença por viver em um nível ultra-lógico, respirando um ar raro demais para os simples mortais. E se ser 'curado' significasse não ser mais capaz de realizar qualquer trabalho original, uma remissão poderia não valer a pena, afinal."

E, depois, encontro esta frase preciosa:

Great wits are sure to madness near allied,
And thin partitions do their bounds divide.
(John
Dryden, Absalom and Achitophel, 1681)

Eu nunca acreditei em "loucura". Acredito em níveis de sensibilidade e na impossibilidade de adaptação ao mundo normal. Acredito na ruptura do reconhecimento entre o interno e o externo, quando um ser humano é subjugado pelo sofrimento ou quando o "real" é demais e supera suas capacidades de manejo.

Quando minha filha estava com sete meses, eu morava em um apartamento de primeiro andar. No segundo andar, morava uma família de mãe, filha e filho. Este era esquizofrênico.

Lembro-me que no dia em que se mudaram para lá, a irmã veio à minha porta pedir que não me abalasse se percebesse algo estranho (como gritos, xingações e tagarelice incessante de seu irmão), já que era esquizofrênico. Tomava medicamentos, mas se esquecesse... bem, shit happens.

Suportei extravagâncias do moço do andar de cima, mas compreendia muito bem sua doença. Ao encontrá-lo no corredor (raramente), ele era a pessoa mais educada do universo, de uma delicadeza e inteligência incomuns.

Minha tolerância foi testada em um dia em que, sem mais nem menos, sem que sequer me visse ou tivesse ouvido um "ai" de minha filha bebê, ele começou a ameaçá-la, de sua janela de segundo andar, dizendo barbaridades irreproduzíveis para ouvidos bem-educados. Só então pedi que sua irmã revisasse os medicamentos, porque havia algo claramente errado com o L.

Resumo da ópera: L. (o moço esquizofrênico) internou-se em um sítio, seus medicamentos foram ajustados, eu mudei-me (obviamente não por causa dele) e, cerca de um ano depois, quando eu já estava na casa nova, ele ligou-me. Sua voz educada e gentil disse-me que tivera dificuldade para me encontrar, porque ninguém queria lhe dar meu telefone novo. Ligava para pedir desculpas, para dizer que jamais pretendera me magoar, que me admirava imensamente por eu compreender sua situação, etc., etc., etc. Ele jamais precisaria ter pedido desculpas, mas o fato de se preocupar em se justificar significou muitíssimo para mim. Significou que ele compreendera que não podia viver naquele nível da sua realidade particular (a doença) e aceitara medicar-se para poder usar sua mente para coisas mais benéficas que ameaçar a humanidade e se ver perseguido pelos atores das novelas e pelos locutores de noticiários.

Esquizofrenia não é material para riso. Nem transtorno obsessivo-compusivo (conheço gente assim também). Nem pessoas bipolares são apenas "malucas" (às vezes desconfio que sou bipolar, com fases de mundo cor-de-rosa e outras de nuvens negras alternando-se com freqüência). Déficit de atenção. Hiperatividade. Compulsão alimentar. Transtorno anti-social, Jogo patológico, Ciúme obsessivo... nada disso é apenas um diagnóstico. Cada um desse rótulos tem a ver com o sofrimento de alguém. Mas especialmente na esquizofrenia, tem a ver com mentes que, em algum momento, começaram a perder o fio da meada e se enroscaram, confundindo o real e o imaginário (quem sabe ao certo se é imaginário mesmo, quem pode dizer quantos níveis de realidade existem realmente?) e invertendo o de dentro com o de fora, rompendo os limites do socialmente aceitável e do "normal" (normal = norma, média). Nenhum "louco" precisa ser temido. O "maluco" precisa, no mínimo, ser respeitado.

28.12.05

Pepys


Diários são coisas incríveis.
Quando lemos relatos em forma de diário, parece-nos que o tempo parou. Isso aconteceu quando reli meus diários (foi difícil me ver depois, passados 20 anos, porque minha capacidade de mergulhar nas letras levou-me de volta à época dos meus escritos como se todas aquelas pessoas -- reais -- também tivessem congelado naquele ano em que escrevi e descrevi tantos acontecimentos que transformaram minha mente -- e meu coração).
Tenho "perdido" horas de sono lendo apaixonadamente o diário de alguém fascinante, e tenho me transportado para seu mundo.
Sempre que fecho o livro, que me conquistou sem que eu tivesse chance de fugir, vejo-me presa ao mundo de Samuel Pepys, da Londres da década de 1660.
Samuel Pepys (1633-1703) escreveu (se não me falha a memória) doze diários, à luz de velas, tarde da noite, e só parou seus relatos por medo de ficar cego (lendo e escrevendo à luz bruxuleante das velas, o astigmatismo a pronunciar-se, ele, tão temente sempre a qualquer problema de saúde que naquela época de medicina precária poderia levá-lo à morte, decidiu então parar com seus diários...).
Filho de pais humildes, o quinto entre onze filhos, ele ascendeu posições e durante o reinado de Charles II manteve cargos de confiança, conquistou fortuna, manteve amantes, divertiu-se muito com todas as peças teatrais que pudesse assistir, leu muito e manteve princípios morais estranhos, mas fascinantes.
Ele, por exemplo, não deixava passar a chance de lucrar algumas libras em um negócio com fornecedores de cordas ou madeira para navios, mas então fazia uma promessa a Deus de não gastar mais do que já gastava em roupas... E um mês depois gastava uma fortuna em um terno de seda. Prometia a Deus não beber mais vinho, orava e cantava salmos, ia a até dois cultos em sua igreja em qualquer domingo, mas ao passar por vielas não resistia e entrava nos cabarés, onde qualquer beldade o atraía e, mesmo quando não "fazia tudo o que desejasse" (em suas palavras), ainda que beijando apenas os seios das damas, gozava sozinho por suas próprias mãos e lá se ia para casa, alegre e feliz.
Samuel Pepys não tinha pena de chicotear um moleque e ainda se queixava de que, ao fim do dia, seus braços estavam doídos pelo esforço...
Era um homem interessado por tudo -- por gente, por dinheiro, prazeres e conhecimento --, tendo frequentado a Royal Society e conversado com Boyle e outros "filósofos" (palavra da época para "cientista" ou "físico") eminentes. Ele regozijava-se com suas conquistas materiais, mas ao mesmo tempo confessava que não conseguia aprender nada nas aulas particulares de multiplicação e matemática "avançada" que tomava, sendo incapaz de calcular corretamente quantidade de cordas ou madeira necessária para a construção de um navio, ainda que os carpinteiros lhe explicassem até cansar. E ao prestar contas sobre suas compras, fazia cálculos básicos mentais, aproximados -- e vibrava quando conseguia, de algum modo, obter lucro, o que não acontecia sempre, já que se enrolava em suas contas e em suas explicações. A prática de lucrar como atravessador é antiga e a corrupção não era novidade.
Samuel Pepys passou para a história, mas ao ler suas palavras transcritas de suas anotações taquigráficas, vemos um homem simples que, ao galgar posições e conhecer personalidades da nobreza inglesa, ainda deixa transparecer no diário seu deslumbramento, suas fraquezas, seus preconceitos e sua ignorância sob sua capa de cavalheiro. Entretanto, ele tentou, fez e venceu na vida, tendo como única frustração o fato de não ter tido filhos (apesar dos conselhos de uma rodinha de mulheres, em um batizado, para que levantasse os pés do leito, mantivesse a barriga quente e as costas arejadas, usasse cuecas folgadas e outros detalhes que facilitariam a concepção). De um modo geral, é um homem (foi, melhor dizendo -- é fácil esquecer que, 300 anos depois, não há mais nada dele) fascinante, apaixonante, que jamais imaginaria que uma mulher num país que mal começava a existir em sua época, hoje usaria um meio "mágico" de comunicação à distância para contar a outros que o conheceu e partilha, todas as noites, daquilo que ele viveu nas madrugadas gélidas da Londres de 1660-1669.
Descobri seu diário por acaso em um sebo e eu, que jamais tinha ouvido falar em Samuel Pepys, agora vejo-me envolvida com Lord Sandwich, The King, Ms. Lane, e seus inúmeros amigos.
Agora, tento imitá-lo anotando meus gastos, controlando despesas, fazendo balanço de dívidas e promessas a mim mesma de aumentar minha "fortuna" (fortuna = dinheiro em mãos, porque se há algo que jamais terei é dinheiro guardado em abundância...).
Seus diários começaram a ser publicados na década de 70, e o livrinho que leio é uma compilação de "melhores momentos". Com sua sede por livros, Pepys completou pouco antes de morrer sua meta de ter 3.000 livros em sua biblioteca particular. Que foi parar no Magdalene College, em Cambridge, intocada por muitos anos e ainda nas estantes originais até hoje.
Pepys só há em inglês, infelizmente, mas descobri seu diário na Internet, em
http://www.pepysdiary.com/. Eu ainda prefiro ler o livro em papel, mas quem se interessa por outras eras, outras culturas, outros hábitos (como a dama que visita Pepys fazer cocô em uma bolsinha sob o vestido e ser flagrada pelo dono da casa ao perceber o rubor nas faces da visitante), e quer "ouvir" relatos em primeira mão sobre fatos históricos (como o Grande Incêndio de Londres e a Peste), o diário de Pepys é um prato cheio.
Divirtam-se.

26.12.05


O que fazes, quando um cãozinho te ama, mas precisas deixá-lo?
O que fazes, se amas uma cadelinha vira-lata chamada Docinho, mas não podes levá-la para um apartamento quando te mudas?
O que fazes, quando perdes um gato que amavas na mudança, mas ainda te sentes conformada, porque pelo menos deste a cadelinha linda para tua mãe, que promete cuidá-la?
O que fazes, quando no dia de Natal beijas tua cachorrinha feliz, que te ama, ama, ama, e parece rir de alegria quando te vê, e tu a abraças como se a um ser humano terno, quentinho e carinhoso...
Apenas para no dia seguinte ao Natal ganhares a notícia de que tua mãe deu a cadelinha para estranhos?
O que fazes, quando perdes, perdes, perdes, ainda que sejam apenas bichinhos?
O que fazes, se não consegues te consolar com palavras como "mas são só bichos, não são gente"?
O que fazes, se teu coração dói por bichinhos como se por gente?
O que fazes, quando amas tua mãe, mas sabes que nunca a perdoarás por contabilizares mais uma perda em tua vida porque ela te traiu?

16.12.05

Quando Eva irritou Deus

... Naquele dia, Eva tagarelou tanto, tanto, tanto, mas tanto, que não apenas Adão, mas a serpente e o próprio Deus encheram-se de vez e resolveram criar algo para calá-la.

Quando Eva O irritou, Deus resolveu criar uma coisinha miúda, pequenina mesmo, escura como a desgraça, rápida como o vento, silenciosa, inofensiva, mas aterrorizante.

Deus criou a barata. La cucaracha. The roach. Vingou-se.

Hoje os vizinhos ouviram meu grito pela primeira vez, em 28 dias desde que me mudei. Devo ter-lhes congelado o sangue, apesar do calor africano que assola Porto Alegre.

Eu, na minha noite de madame (o primeiro dia em que minha filha vai com seu pai, porque depois perde a graça estar sem ela). Eu, comendo jantinha chinesa e, depois, esticadona no sofá da sala, assistindo um filme. Sinto uma coisiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinhaaaa, uma tênue sensaçãoziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinhaaaa no meu braço e casualmente é UMA BARATA!!!!!!!!!!!!!!!!!

(o pavor ainda me consome e ainda estou completamente arrepiada).

Corro em busca do Chapolim Colorado (o SBP). Na embalagem, diz que mata mosquitos, sei-lá-o-que mais e BARATA. Mas não mata é nada, exceto se jogar a lata no bicho.

Quando penso que a encurralei, seu exército manda reforços e uma ajudante igualmente parruda surge ao seu lado.

Mas meu Deus, eu ***não tenho** baratas em casa. Essa é uma realidade que preciso negar. Eu não vi aquela barata. Aliás, não vi uma, menos ainda duas. Eu não vi, não vi, não vi.

Fujo, depois de consumir meio tubo de veneno. Acho que intoxiquei minha gata que me surge de língua de fora, coitada, nem tenta pegar os imundos insetos que finalmente estão estrebuchando sobre o piso branco da cozinha. Pra completar a tragédia, dou com a cabeça em um banco (!!!, é, cmigo tudo é possível), quando me abaixo para verificar sob ele, em pânico. Dói pra burro e não vou poder ir à cozinha pegar uma aspirina.

Deus inventou amigas traiçoeiras. Deus inventou liquidações de grife. Deus inventou os saltos altos (well, não, mas inventou quem inventou). Deus inventou TPM. E para acabar de vez com a felicidade de nascermos mulher, inventou a barata. Pra provar que somos sim o sexo frágil. Pelo menos quando confrontadas com baratões que ainda ousam baixar e levantar arrogantemente suas cabeças, quando nos olham. Uuuuuuuiiiii, que nooooojoooooo...

Já sei que amanhã vou ao supermercado fazer rancho de soluções antibarata. E já sei que morrerei sufocada aqui, no verão. Mas janela aberta depois que escurecer, não mais. E já sei que não vou dormir hoje. E se o resto do exército recém estiver chegando?

12.12.05

Diário de uma Mulher Comum VII

É fácil supersimplificar tudo, dizendo "isso é menopausa". Não é -- nem cronológica, nem geneticamente estou nela.
Meu coração começa a descansar (os pés já descansaram e cansaram novamente, mas agora por bons motivos). Donde se supõe que meu problema todo era o mesmo de sempre (mas por que eu nunca o reconheço?)
Meu problema todo era o afastamento das pessoas. Estou me curando.
Tudo começa com Iuri, que com seus anéis de prata fabulosos vem me ver pela primeira vez, sendo minha primeira visita oficial. Pensando nele, recordo os Secos & Molhados, na letra que dizia "Eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto!". Sua mente é tão clara, suas idéias tão lógicas e coordenadas, que passo uns dois dias pensando como grandes Homens vêm em vários matizes -- às vezes, eles são até multicoloridos, como ele. Iuri tem um arco-íris no coração e veludo nas palavras que derrama com tanta sabedoria.
Deslumbro-me com este meu novo amigo, que ao ler aqui sobre minha depressão, me liga e convida pra coisas inocentes e doces -- uma volta na rua, uma ida ao brique.
Felizmente (ou infelizmente, por adiar vê-lo novamente), meu L.H. chega do Paraná e mais uma vez também me faz sentir que EXISTO.
Por aquelas coisas que não se explicam, de repente eu o descubro leve -- e descubro-me assim também, sem aquela tensão chata que roubava um pouco da alegria que eu sentia em suas últimas visitas. Vimo-nos como vinte anos atrás, rindo com malícia, brincando (eu não lhe conto que mais uma vez nos confundiram com marido e mulher no barzinho, quando o cara comenta que "seu marido foi ali ao lado e já volta" -- isso sempre aconteceu conosco. Deve ser porque aparentamos enorme intimidade, sem que estejamos a nos abraçar e beijar em público, como os casais já há muito acostumados um com o outro. Não é nem o caso de sermos casal, nem o caso de não sermos. Eu nunca soube o que somos, na verdade).
O fato é que ele me devolve toneladas de auto-estima (A cada ano que passa, estás melhor, me diz ele, lindo, leve e solto como não o percebia há tempos). O fato é que suas idéias são sempre as minhas, e chegamos a rir quando ele emite uma opinião, eu digo que penso o contrário e, depois de um piscar de olhos de confusão, ele exclama: De, eu quis dizer o contrário, eu é que troquei as bolas!, e então mais uma vez concordamos, o que não nos impede de manter conversas muito estimulantes.
Sendo ele mais jovem que eu, ainda assim age de um jeito adoravelmente protetor (como sinto falta de proteção, meu Deus...). E antes de ir embora, me pede: Na próxima vez em que eu vier, poderíamos andar de barco pelo Guaíba? Eu me comovo. Claro que sim, Luís Henrique. Nunca me pedes nada, acho que reservo todo aquele barco que faz os passeios turísticos só pra ti, pra que possas dar tuas risadas altas, me abraçar daquele jeito, colocando o corpo e a alma inteiros no abraço, para que possas ser tu, comigo, sem barreiras, como te senti hoje.
Por um momento, quase lhe digo besteiras. Por instantes, percebo que andei fazendo muita, muita, muita bobagem no passado (e ele também), quando nada precisaria ter sido assim. Mas se todos passaram e ele continua, decerto não deveríamos ter mudado nada em nossa história, mesmo. Continuamos amando um ao outro sem a mínima intenção de mudar isso com um upgrade ou um downgrade. Deixe-se como está. Assim é que se entrega um coração (não pedindo, não exigindo, não prometendo nada -- só vivendo).
Vinte anos atrás, descobri (tardiamente) que eu o amava. Continuo amando meu Guri, mas jamais será algo convencional. É alma-para-alma (muitíssimo mais do que corpo-a-corpo). Se bem que um pouquinho mais de corpo não nos faria mal nenhum.

Voltando ao trilho do assunto (tenho o triste hábito de descarrilar), é fácil supersimplificar as coisas, atribundo a TPM, menopausa, falta de sono ou outro desastre natural qualquer uma depressão de derrubar.
Mas no meu caso, sei a causa e conheço a cura. E ela veio. A cura é esse algo indefinível, essa energia, essa aura que vem de pessoas amadas para mim. Só pessoas me curam, mais que remédio, mais que conselhos, mais que qualquer outra coisa.

E se alguém me perguntar: "Ué, mas só tens amigos homens???!", responderei que não -- tenho amigas mulheres, mas como preciso sempre um braço forte quando estou carente e confusa (metáfora, baby, metáfora!, o braço pode ser até fraquinho), geralmente meus amigos homens me amparam porque estão um pouquinho mais disponíveis e mulheres, às vezes, não conseguem me entender (em geral os homens entendem bem melhor). Eu não sei chorar na frente de uma mulher. Fico constrangidíssima, e apenas uma vez em que não pude evitar recebi um abraço inesquecível de uma amiga-anja. Mas em geral, mulher não abraça outra, quando a outra chora. Homem sim. E sinto uma sinceridade de doer, nesses abraços.

(agora me veio uma dúvida crudelíssima -- estarei sendo preconceituosa com minhas amigas? Ou demasiadamente exploradora com meus amigos?

O fato é que não gosto de chorar na frente de ninguém *mesmo*. Se for pra chorar, que seja sozinha. Mas se for pra ser vista chorando, que seja por alguém que me abrace.

8.12.05

P. S. para o post aí de baixo

O preço de a gente levar (tentar, ao menos) a vida light é que passamos por cima de coisas que, depois, passam por cima de nós.
Eu sofro de amnésia seletiva.
As piores coisas de minha vida, eu apago. De tal modo que esqueço, simplesmente, que aconteceram (não é força de expressão, não, eu esqueço mesmo).
Esqueci-me como havia sido o final de um dos dois grandes amores que tive na vida. Ao ler num desses diários, exclamei, de boca aberta: "Mas isso aconteceu? Jura que foi assim? Jura que eu o encontrei ainda uma vez e só então tudo terminou?" -- porque eu havia eliminado completamente o capítulo dolorosíssimo do fim daquela história de amor que me consumiu durante três anos. Só espantei-me com o que li no diário, mas a verdade é que não consegui recordar nadinha além daquilo que estava escrito. Aquele trauma ainda está bem escondido no meu inconsciente, de modo que provavelmente nunca mais recuperarei diálogos, a discussão brutal (se é que houve, porque não tenho certeza).
Num dado momento, eu disse: "Vou esquecê-lo". E esqueci. De tudo.
Só que também me esqueci que quando a gente enterra mal as coisas, elas ficam fedendo e enfeiando o nosso jardim, ainda que tentemos enchê-lo de flores cheirosas.
Por que será que fiquei imune ao amor?
Hein??
Hein???
Hein????!
Valha-me Deus. Queria, bem agora, uma superinjeção de paixão. Já nem digo "amor". Isso eu sinto pelos amigos. Mas paixão, paixão, assim, aquela coisa que faz doer o coração.
Para não nos matarmos, precisamos, às vezes, matar recordações. Mas depois, como cadáveres podres saindo das tumbas, elas tentam nos pegar.
Tem um limpador cerebral aí? Um "Easy-Off Bang" pra eliminar as memórias?
Queria acordar amanhã tabula rasa. Zerada.

When Wonder Woman cries


Oh, okay, eu sei que sou uma maravilha, realmente boa em tudo, tudinho o que eu faço.
Quando cozinho, cozinho bem. Quando faço amor, ninguém esquece. Quando traduzo, exceto por missões impossíveis, sou bem competente, crio minha filha admiravelmente (para quem precisa assumir tantos papéis simultâneos).
Admito que sou uma maravilha de mulher, um ser humano legal.
Agora, ultimamente, dei prra ler diários antigos, e dou risada sozinha, tarde da noite, e pergunto em voz alta, para as paredes: "Did I really do that?" Fui realmente tão incrível? Tudo aquilo realmente aconteceu?
Ah, tá. Admito que nos desafios que me propús a enfrentar, me dei bem. Sempre.
Siiiiimmmm, fui (sou?) sexy, taradona e desejada, e só isso deveria manter-me acesa para o resto da vida (tanto fogo não poderia nunca apagar-se).
Agora, uma coisa inexplicável é que esta mulher maravilha anda chorando.
Ela chora de manhã, chora de tarde, chora de noite.
Com e sem motivo.
Ela só sabe chorar, essa mulher maluca que se põe numa estrada diferente de vida, de repente, e quando dá de cara com os pedágios do caminho, vê que certas viagens custam caro.
Viagens emocionais e seus pedágios têm me matado, aos pouquinhos. Minha impressão é que não tenho grana bastante para passar por todos esses postos de cobrança e estou sempre voltando um pouco, dando meia-volta e retrocedendo.
O que anda acontecendo com a força da mulher-maravilha (esse era, inclusive, o modo como um "admirador" meu de antigamente me chamava)? O que anda acontecendo com os olhos dessa mulher, que atualmente andam inchados e fundos?
O que ocorre com seu sono, que ou não vem ou vem demais, e sempre fora de hora?
Depressão.
De vez em quando as heroínas arrancam suas capas e, longe do público, se trancam no banheiro, soluçando, berrando mesmo, sem conseguirem sequer descobrir o porquê de tantas lágrimas.
Nem sempre é so easy se viver, como já dizia o Lulu Santos.

27.11.05

Diário de uma Mulher Comum VI

Então:
Sexta-feira, 18 de novembro: amanheço cansada e contente. Os homens da mudança chegam às 8:30 e curto meu momento de madame, tomando cafezinho na casa da mãe, vizinha (agora ex-vizinha) enquanto eles se encarregam de tudo. Preferi gastar mais com uma empresa confiável que ter de eu mesma cuidar de tudo. Virgem santa, eles são organizadíssimos, tanto que às 11:30 está tudo dentro do caminhão (e eu fico pensando o que não fariam se quisessem *roubar* uma casa -- em 15 minutos aqueles rapazes poderiam carregar um montão de coisas).
Almoço com Letícia pela última vez na mãe, como vizinha, e saímos à 1 da tarde, ansiosamente, rumo ao apartamento novo -- isso depois de eu ter de catar os dois gatos, a Lana e o Preto (seu nome oficial, embora eu às vezes o chame de Mousier Bombom).
Chegamos à Lima e Silva, depois de temermos uma revolução felina dentro do carro de minha mãe, já que os gatos não entraram nas caixas de transporte, estacando com quatro patas grudadas à portinha e endurecendo o corpo. Não houve revolução, e até se comportaram bem durante o trajeto, mas depois que a Letícia pega a Lana e eu pego o Preto e descemos, o caos desaba sobre mim, com um gatinho dengoso transformado no Rei do Pânico, berrando e largando arranhões na coisa mais próxima que encontra pela frente -- eu.
Escapa. Foge como uma lebre alucinada e dobra na primeira rua que vê. Some e me deixa ali, perplexa, sem saber direito o que me atropelou.
Entramos no prédio, minha filha com a Lana tranqüila em seu colo. A Letícia conta 23 arranhões bem feios em mim -- unhas cravadas fundo no meu pescoço, braços e "colo" -- pra não dizer pertinho dos seios. Sangram tanto que pareço uma figura de filme de terror. Mas nem sinto ardência, porque choro como uma abobada, porque meu gato preferido escafedeu-se.
Passo sexta com minha filha que vai com seu pai no sábado. Mesmo com a ajuda de minha mãe, a casa é um pesadelo de 60 caixas mais ou menos identificadas, tapetes enrolados, coisas sobre coisas e nada de caneca, de escova de dentes, nada de encontrar coisa nenhuma.
Assim, no domingo eu acordo impossibilitada de caminhar, já que passei a sexta e o sábado andando tanto dentro do apartamento que devo ter coberto dezenas de quilômetros, para meus pés incharem daquele jeito esquisito -- nas laterais dos calcanhares, calombos avermelhados e quentes, muito doloridos, algum nervinho inflamado, algo assim. Mas mesmo com o pé esquerdo inutilizado e toda ardida dos arranhões, ainda sobra o pé direito, de modo que passo até segunda à noite arrumando tudo.
Ao som de Bohemian Raphsody eu completo com fecho de ouro a arrumação e só me dou por satisfeita quando acabo de arrumar a sala tão direitinho que parece que moro aqui há anos. Finalmente, na terça eu começo a me sentir em casa, mas ainda choro que nem uma imbecil, com direito a caretas, beiço e buááááá, à noite, com saudade do Preto.
Trabalho terça. Trabalho quarta, e na quinta alguém da rua de trás me diz que viu meu Preto pela manhã. Inconfundível, com seu naco de pescoço pelado, fruto de muitas guerras com o siamês-peste que deixei com minha mãe. Encho-me de esperanças e já não choro mais, porque prometi uma recompensa à mulherzinha simpática, se ela atrair o Pretão e o mantiver em sua casa até eu aparecer para pegá-lo.
Em resumo, foi isso.
Na quinta, descubro que preciso fechar a janela à tardinha, porque uma turma de moleques faz um curso qualquer no prédio próximo ao janelão do meu quarto e a primeira coisa que ouço ao sentar na frente do micro é: "Ei, gostosa, qual é o teu e-mail???". Descubro, também, que meus vizinhos têm roupas muito limpinhas, já que é um festival de máquinas de lavar ligadas dia e noite sem parar. E alguém escuta a Rádio Guaíba, que só toca Muzak ("música de elevador") o dia todo, das 6 da manhã em diante, em dose suficiente para deixar qualquer um lobotomizado.
All in all, sobrevivi, o tempo todo com uma questão premente, de foro íntimo, a me incomodar, que vem a ser:
"Ligo pro H., que mora a meia quadra em linha reta, e cujo prédio eu poderia ver, não fosse a presença de um edifício mais alto a escondê-lo? Ligo, já que (coisa mais incrível o destino) agora sou sua vizinha? Ligo ou não ligo pro ogro, pra esse homem que nenhuma mulher com juízo procuraria?"
Até aqui, consegui resistir à tentação, mesmo porque ele só veria um móvel no meu apartamento, e este não seria a estante cheia de livros ou o rack cheio de CDs. Como alguém viciado em álcool (como ele mesmo, então), todos os dias eu adio o primeiro dígito de seu número de telefone, porque no momento em que o discar, estarei perdida. Certas pessoas são o ingrediente perfeito para um desastre sentimental, quando se aproximam de nós. Quero crer que não preciso dele, já que sou perfeitamente capaz de enlouquecer sozinha, se for o caso, sem precisar de sua depressão mórbida e de seu sexo seco e atrapalhado.
Como recém terça consegui terminar a arrumação e de quinta pra sexta virei a noite trabalhando e não consegui dormir durante o dia, eu diria que recém hoje estou perfeitamente à vontade em minha casa nova, mais de uma semana após a mudança. A partir de hoje, verei se finalmente Fernando e eu encontramos tempo para bater um papo, se visito a Fabi ou vice-versa, e se o Iuri deixa de ser tonto e percebe que não gostar do que lhe dei pra ler não é nenhum pecado e não me abala nem um pouco. Passei da fase de ter de ver meus materiais aprovados por amigos que os lêem. Tanto faz. Escrevo porque preciso. Nem penso mais em publicar coisa nenhuma.
Finalmente amanhã começarei a curtir o Brique, o Olaria, os cinemas, qualquer pizzaria, o shopping, algumas caminhadas (ai, como adoro caminhar), qualquer coisa que me coloque com os dois pés em um pouco de turbulência, depois de 7 anos de pasmaceira.
(nota para mim mesma: lembra-te de que um dia disseste que não podes estar solta na vida, porque só aprontas confusões por onde passas, com tua personalidade impulsiva. Lembra-te de colocar uma mordaça na boca e um cinto de castidade, quando saíres à rua, por favor.)

15.11.05


Se eu não tenho medo de mudar radicalmente tudo na minha vida?
Se não tenho medo de carregar a casa nas costas, a responsabilidade pela decisão, de assumir drásticas alterações no dia-a-dia e no futuro da filha, da mãe, do irmão?
Se não tenho medo de tudo dar errado?
Se não temo ser a única responsável pelas decisões que tomo?
Tenho.
Medo, pânico, paura, pavor, terror, ansiedade.
Mas isso não me impede de seguir em frente.

E as chances são de que eu esteja mudando não apenas a minha rotina, mas a de todos à minha volta, para melhor.

Aaaaaai, que meeeeeeeddddooooo.... Não consigo mais nem dormir.

Mas à frente é o único caminho.

12.11.05

Diário de Uma Mulher Comum V (Túnel do Tempo)

Estou de mudança.
No jardim, plantas mudam de lugar. Lá vai minha mãezinha, aos 65 anos (aparência e vigor de 55), cavando e tirando para ela as arvorezinhas que plantei. O pé de chuchu (é com ch ou x?) não vai chegar a dar nenhum para mim, só para os vizinhos no outro lado da cerca. A goiabeira, essa só dá frutas bichadas mesmo, e branca. Ai, que nojo de goiaba branca (apesar de eu sempre ter chamado minha filha de "bichinho da goiaba branca"). Roseiras juntam-se a outras no outro lado da cerca, onde minha ex-vizinha (minha mãe) tenta criar espaço. O abacateiro plantado por minha Letícia, com suas mãozinhas de 6 anos de idade, nem chegou a dar frutos ainda e não dá pra mudar de lugar. Meus jasmineiros desta vez florirão sem mim, e parecem adivinhar algo, já que mesmo carregadinhos, ainda não desabrocharam. Estão atrasados para que eu sofra menos.
Coisas, coisinhas e coisões. Tem de haver um destino para tudo.
Quase desanimo frente à missão terrível de limpar tudinho, deixar tudo novinho em folha para chegar como se fosse eu também nova no apartamento novo onde desde já depositamos nosso sonho de felicidade pelos próximos 7 ou 8 anos.
Sou cigana, admito. Amo mudanças.
Esta não estava prevista, 7 anos atrás. Achei que envelheceria aqui, mas sonhos frustrados no terceiro mês após minha mudança para a minha casinha linda, meu chalé de madeira planejado e pensado por mim, me tornaram um pouquinho amarga demais para poder curtir aquelas ilusões tão doces que tinha ao mudar para cá.
Mudo-me porque quero.
Ninguém me força. Meu irmão quer me amarrar à figueira da minha mãe, e já acorda de manhã dizendo, ao chegar ainda grogue à cozinha da mãe: "Não deixo ela ir. Não deixo." I'm sorry, bro, vais ter de ser ajuizado sem mim pra te puxar as orelhas.
Mudo-me porque há outros sonhos esperando por mim e por minha filha, e como eu não vivo sem sonhos e sem planos, deixo de lado a falsa segurança na qual vivi nos últimos sete anos.
Resolvo limpar meu balcão do escritório. Pequeno, 1.20m no máximo. Mas meu Deus!!! Minha vida está ali, e em nenhum outro lugar da casa (ah, sim, há mais um pedaço de mim na lavanderia, escondido em caixas há 7 anos, diários e livros).
Depois de 3 horas, não cheguei nem à metade da limpeza que deveria fazer, porque simplesmente não resisto a olhar cada papel, cada envelope no qual não tocava há muito tempo.
Álbuns de fotos com saquinhos plásticos vazios, de onde tirei todas as fotos onde aquele que prometia ser meu homem para sempre costumava estar. Vejo-me mais jovem, descubro que era linda e me achava feia (no news, here). Vejo-me em fotos de outras mudanças. Ali, mudando-me do apartamento que adorava, porque depois da morte do meu irmão não consegui mais sobreviver lá, sabendo que minha mãe precisava de apoio (e eu também). Fotos de minha chegada ao apartamento novinho, com o pai da Letícia -- ah, seríamos tãããooo felizes! --, eu com sorrisos gigantescos. Eu nem sabia que conseguia sorrir tão amplamente naquela época. Mas parece que fui feliz -- o sorriso era real.
Gatos siameses me olham, nas fotos. Ah, esse era o número um, o Kadish. Morreu de leucemia, como meu pai. Como meu outro siamês, Sean, como minha outra siamesa, Nikita. Aqui parece que se morre muito de leucemia.
CD-roms que não servem pra nada e que um dia foram preciosos. Manuais de equipamentos que nem tenho mais. Fios, cabos, tomadas, sacos plásticos enormes que "um dia" poderiam ter uma finalidade. Agora têm. Guardar todo o lixo que sobrou da tecnologia em rápida transformação.
Meus diários.
Eu tinha 25 anos e aquele ano marcou o resto da minha vida. Naquele ano, vivi tantos, tantos, mas tantos amores que, após isso, enjoei. Depois daquele ano, a vida nunca mais foi a mesma e nunca mais amei igual. No meio dele, uma depressão das maiores, na qual escrevi que minha inútil vida não estava levando a nada e nunca levaria. Que eu jamais teria um filho (o que sempre quis mais em minha vida).
E ali, ao lado do diário, dois exemplares de jornais. Sei o que há neles. Notícias banais de um dia da criança em 1995. Acontece que jamais colocarei fora esses jornais. 12 de outubro de 1995, a data que consta neles, é o dia em que a filha que achei que nunca teria, e da qual sempre senti saudade, nasceu. Bem depois dos 25.
Eu tinha 25 anos e amava com delicadeza, generosidade de intenções, muita paixão e completa devoção um uruguaio que voltou apenas mais uma vez e frustrou toda a minha alegria naquele ano. Sem emails, sem telefone (só no trabalho), dependia de cartas. E ele levava séculos para escrever. Um dia, escreveu para dizer que estava desistindo e que nunca viria de vez. Acabou.
Eu tinha 25 anos quando conheci meu mosquito elétrico, o Luís Henrique, meu amigo mais antigo (meu amor mais bonito). No diário, consta: "Volto a trabalhar após minhas férias e vejo dois olhos brilhantes me olhando fixamente cada vez que interrompo a digitação. Um cara magrinho, elétrico, cheio de idéias, tagarela e inteligente." Nunca namorei o LH. Acho que naquele ano não conseguia esquecer dois olhos muito negros, cabelos também negros e encaracolados e pele morena de um cara muito alto e muito, muito lindo que me dizia com voz grave e suave que me "estrañava", mas não teve ousadia para deixar seu emprego de funcionário público (suspiro) e acabou engravidando uma mocinha, casando sem alegria e tendo uma vida de cão (pelo menos durante os anos em que o acompanhei de longe, sabendo dele através de amigos).
Eu tinha 25 anos quando me decepcionei com um amor estrangeiro, chorei como louca pelo Luís Henrique (ah, sim, eu o amava, mas como eu o odiava!!!!, e era recíproco, o amor e o ódio entre nós, já que cada um mantinha um amor idealizado por outra pessoa e víamos um ao outro mais ou menos como algo a fazer enquanto o outro não vem). Hoje, sobrou algo doce disso. Somos amigos. Não sei se ainda sabemos amar. Eu não sei mesmo. Acho, sinceramente, que não consigo mais amar.
Descubro-me, dentro de um balcão. Choro comigo mesma, por quem fui.
No fim, levanto-me rindo, chorando e rindo. Como é que, afinal de contas, consegui ser feliz, pelo menos tanto quanto eu posso ser, pelo menos muito mais do que julgava ser capaz de ser, quando tinha 25 anos?
Naquela época, eu não ria. Hoje sou a própria Dona Sorriso. Aos 25, eu era a maior narcisista-egoísta-depressiva-inconstante-volúvel do planeta inteiro. A mais frágil das mulheres, que muitos queriam proteger por considerar até meio louquinha. Insegura, confiava apenas na minha aparência, porque no resto -- Virgem Santa, que desastre era minha vida. Ser louquinha não é mais charmoso. Perdi a insegurança. Sei bem o que eu quero (na época queria tudo e todos, todas as sensações, por falta de um senso de futuro. O futuro pra mim era um buraco negro e cheio de monstros com dentes afiados).
Melhorei muito. Já consigo suportar minha própria companhia -- com mucho gusto -- e não preciso mais ter dez paixões simultâneas para achar que valho alguma coisa. Descobri que meu valor não está no número de caras que me desejam, fingem me amar ou realmente me querem. Não que eu não goste de homens, aiaiai. Continuo tão tarada por eles quanto sempre fui. Mas não preciso deitar com todos os que gosto. Prefiro não, para falar a verdade.
Na verdade, o processo que começou naquele ano só terminou mesmo dois anos depois, quando tentei me matar tomando champanhe com Reativan (excitante) e quando senti o mundo escurecendo corri pra vomitar. Acho que vomitei tudo o que havia de errado em mim e criei coragem de mudar tudo às favas -- homens, emprego estável -- e cair com vontade em um sonho -- ser tradutora. Deu certo, jogar tudo pro alto. Amadureci só aos 27 anos. Mas valeu a pena ser tão tarde, porque não me arrependo de nada. Nadinha. Vivi todas as paixões que desejava viver em minha vida e não preciso mais provar nada -- nem a mim mesma, nem a um homem, nem a ninguém.
Daqui a vinte e cinco anos, acho que, pelo rumo das coisas, serei a perfeição em pessoa, se chegar até lá ;-)
Vou me mudar. Por dentro e por fora. De novo.
E gosto muuuuuuuuito disso.
Desejem-me sorte, e que eu consiga sobreviver aos preparativos da mudança, sem ser tragada pelo Túnel do Tempo. Mesmo porque não consigo queimar meus diários. Sou minha time-eater, mas preciso dos diários pra provar que o passado existiu.
Ouvir Simone cantando uma versão chinfrim de "The Blower's Daughter" na nova novela das oito...

NINGUÉM MERECE!!!!

Te larguei, Fernanda Montenegro. Te larguei, Glória Pires. Nem vocês me salvam da raiva. No more soap operas para mim. Nem que a vaca tussa vou agüentar meses de versão ruim na voz de uma chatonilda oportunista.

(esqueci de dizer, naquele post sobre coisas que odeio, que depois da Alcione vem a Simone, que só se salva cantando "O Amanhã").

9.11.05

O Nome da Rosa



Escolhi o nome para este "post" pensando num poema (Shakespeare?) que diz que, não importando o nome que possamos dar a ela, "uma rosa é uma rosa é uma rosa".

Diálogo absurdo, ocorrido dois dias atrás, na cozinha de minha mãe, enquanto tomamos café e eu leio (tento, com minha incrível capacidade de tomar café, ouvir minha mãe, responder, ler notícias e ainda comentá-las...):

-- Acho que o Fulano alugou, não vendeu, aquela onde mora a família morena.

-- Como assim? Tu queres dizer a casa da família negra, mas poderias dizer "a terceira casa à direita".

Ela rola os olhos. Acho que é mais ou menos a quinquagésima vez que temos este tipo de conversa.

-- Mãe, a raça é negra. A minha raça é branca, e nem branca eu sou, estou mais pra cor-de-rosa ou baunilha. Chamá-los de "morenos" é um disfarce que, inclusive, os confunde com alguém da raça branca, muito bronzeado, com olhos e cabelos escuros.

-- Mas "negro" é feio.

-- Não é. Se os chamas de "morenos", é como dizer que o mundo tem quatro raças: os amarelos, os vermelhos, os rosados e os morenos.

Parece que ela está começando a assimilar a idéia de que não é feio alguém ser negro, mas ainda vai levar algum tempo. Talvez o próximo passo seja tentar saber seus nomes, em vez de sua cor -- e mais adiante ela deixará de se preocupar se a casa onde moram é deles ou alugada. Futuramente, se viver para isso, passará a vê-los apenas como pessoas em pé de igualdade, sequer cogitando imaginar qualquer coisa sobre eles. Eu não imagino, sobre meus vizinhos. Pra quê?

No último emprego (emprego, porque sou autônoma), muitos anos atrás, eu trabalhava em um setor (fotocomposição de um jornal) com mais de 30 funcionários. Um dia alguém (graças a Deus esqueci quem) me perguntou:

-- Por que tu sempre andas com aquela negra?

Achei a pergunta tão, mas tão esquisita que perguntei:

-- Quem?

-- A Elisa.

Respondi que jamais tinha parado para pensar qual era a cor da Elisa.

Até hoje sou assim. Não marco as pessoas por "Aquele careca", "Aquela gorda", "Aquele negro", "Aquele baixinho". Não consigo rotular ninguém, e nunca precisei me preocupar com a COR das pessoas.

Há, sim, uma coisa que me chama muito a atenção, e não me venham os engraçadinhos com acusações de preconceitos. Por uma questão estética, como já escrevi aqui, acho lindíssimo homens e mulheres muito, muito negros, retintos. As belezas africanas legítimas são apaixonantes.

Quando eu tinha uns doze anos, comprei uma revista National Geographic que trazia na capa uma moça de Angola, com seus trajes muito coloridos, lábios muito grossos, olhos muito negros, penteado extravagante, múltiplos colares. Tirei a capa e colei na parede do meu quarto.

Acho que fui negra em outra encarnação.

E por falar nisso, também fui gay, também fui judeu perseguido, também fui deficiente... Também fui mulher... Tenho dentro de mim, entranhada na minha alma, todos os perseguidos. Tenho em mim todos os sofrimentos carregados por essa gente desde que o mundo é mundo. Sinto-me em sua pele. Sou, não *como* eles. Sou eles. Porque eles também são eu. Como diz a letra de uma música da Jewel, são pedaços de mim (Pieces of You)

JEWEL - Pieces Of You Lyrics She's an ugly girl, does it make you want to kill her?
She's an ugly girl, do you want to kick in her face?
She's an ugly girl, she doesn't pose a threat.
She's an ugly girl, does she make you feel safe?
Ugly girl, ugly girl, do you hate her
'Cause she's pieces of you?
She's a pretty girl, does she make you think nasty thoughts?
She's a pretty girl, do you want to tie her down?
She's a pretty girl, do you call her a bitch?
She's a pretty girl, did she sleep with your whole town?
Pretty girl, pretty girl, do you hate her
'Cause she's pieces of you?
You say he's a fagg*t, does it make you want to hurt him?
You say he's a fagg*t, do you want to bash in his brain?
You say he's a fagg*t, does he make you sick to our stomach?
You say he's a fagg*t, are you afraid you're just the same?
Fagg*t, Fagg*t, do you hate him
'Cause he's pieces of you?
You say he's a Jew, does it me that he's tight?
You say he's a Jew, do you want to hurt his kids tonight?
You say he's a Jew, he'll never wear that funny hat again.
You say he's a Jew, as though being born were a sin.
Oh Jew, oh Jew, do you hate him
'Cause he's pieces of you?

Compreendo as pessoas.

Não entendo o preconceito, nem os disfarces.

3.11.05


Admiro homens que andam descalços, riem (não muito alto), usam jeans sem camisa, choram baixinho, massacram neurônios em busca do verso perfeito, amam frio, chuva, vendaval, temporal, lama, terra, mato, bicho, criança.
Adoraria nunca saber o que vai na cabeça de um amante das letras que convivesse comigo (pois a falta de poesia não assassina o mistério?).
Adoraria um homem criativo, que visse em cada folha em branco as possibilidades, em cada olho humano a loucura e a bondade, em cada colo de fêmea um amor de verdade em teoria, mas que no fim do dia sempre voltasse para mim.
Queria amar um poeta (sua carne, sua mente)
... concluo, tardiamente, que nunca fui musa de ninguém -- existe insight mais triste do que saber que se foi querida por fora, mas que por dentro ninguém quis nos abrir?

Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais

(Atenção: post politicamente incorreto)

Se existe uma expressão mais vazia do que essa, aí em cima, eu não conheço.
Parada na fila do banco, vejo o anúncio no caixa: "Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais).
Primeiro que ninguém "porta" uma necessidade. Que tamanho ela tem? Está embrulhada? Passa na porta giratória? O detector de metais não vai barrar? Será que é perigosa a necessidade especial que estou portando?

Eu posso ter uma necessidade especial. Portá-la é quase impossível.

E o que é uma necessidade especial?

A minha, é de voar. Vai dizer que não é uma necessidade muito especial?
Ou me tornar mundialmente conhecida porque casei com o Brad Pitt. Mais especial que essa, é difícil...

Para outros, a necessidade especial pode ser fechar a boca e parar de comer. Ou de beber.

Mas eles não a portam. Eles têm essa necessidade especial de fazer dieta, ou ficar sóbrios.

Por que, simplesmente, não podemos dizer "Pessoas deficientes"?

Ah, é feio. Ui, que horror. Elas não são deficientes. Podem ser até bem eficientes.

Mas por que raios de repente a palavra "deficiente" se tornou tão repulsiva? Deficiente = com déficit. Ou não é um déficit auditivo? Um déficit de locomoção? Um déficit da visão? Qual é o problema em ter uma deficiência? Minha filha tem deficiência de atenção por ser hiperativa, e eu admito com todas as letras. Sua atenção é deficiente. Eu é que tenho uma necessidade especial de muita paciência extra para lidar com isso.

Aliás, ninguém mais usa "indivíduo" para "pessoa". Indivíduo agora é meliante. Houve um tempo em que indivíduo era qualquer ser humano. Mas agora, todo deficiente é uma pessoa, nenhum é um indivíduo. Graças a Deus. ;-)

Conheço pessoas com carências especiais -- aquelas que precisam de uma cadeira de rodas e não têm, precisam de aparelho auditivo e não têm. São paraplégicas e não esqueceram que existe sexo, mas a sociedade acha que paraplégico teve também a libido paralisada... Claro que essas também são necessidades especiais, mas eu as vejo mais como carências. A surdez não é uma necessidade especial, e sim uma deficiência, uma carência auditiva que leva à necessidade especial pelo uso de aparelho auditivo.

Entendem?

Tenho horror a essas expressões brandas, delicadíssimas que, no fundo, não querem dizer é nada. O desrespeito pelas "pessoas portadoras de necessidades especiais" sempre existirá, e o respeito de quem as vê como indivíduos com deficiências não as diminuirá.

27.10.05

Seguindo a onda de outros blogs, faço também:

Eu não sei:

1. Dirigir
2. Montar brinquedos tipo "Kinder-Ovo"
3. Cumprimentar decentemente alguém no aniversário
4. Dar pêsames
5. Cantar um homem pessoalmente (nunca, nunquinha tive coragem)
6. Bordar
7. Tocar violão (sou canhota, ninguém se animou a superar minhas tortices)
9. Conversar com estranhos em locais públicos
10. Caminhar devagar
11. Organizar festas


Eu sei:
1. Estralar todas as articulações possíveis do corpo, incluindo virilha, pulso, cotovelo, tornozelos, pescoço, tudo)
2. Dançar
3. Cantar
4. Fazer arroz de carreteiro
5. BEIJAR (e outras coisinhas mais)
6. Fazer tricô (well, mais ou menos)
7. Desenhar figuras humanas
8. Inglês
9. Cair no sono em 5 minutos ou menos
10. Escrever de cabeça pra baixo (não eu, o papel -- só escrevo assim, nem adianta tentar fazer como os destros)
11. Dar conselhos
12. Ouvir
13. Fazer 10 coisas ao mesmo tempo e todas direitinho (sou hiperativa, mais mental que fisicamente)
14. Enrolar meu corpo como uma mulher-elástica
15. Cuidar de uma criança
16. Cuidar de um homem
17. Cuidar de mim mesma

Tenho medo de:

1. Ter uma doença no cérebro
2. BARATAS
3. Perder mais alguém que eu ame para a morte
4. Ficar sem trabalho

Não tenho medo de:

1. Aranhas
2. Ratos
3. Morcegos
4. Solidão
5. Escuro
6. Alturas
7. Velhice
8. Temporais e raios
9. Pessoas

Detesto:

1. Fofocas
2. Gente fútil
3. Café frio
4. Alcione
5. Arroz esquentado
6. Gente bêbada
7. Falta de desafios
8. Lugares lotados
9. Espaços pequenos
10. Cama ruim
11. Banho frio
12. Gente pegajosa
13. Homens e mulheres vulgares
14. Gente lerda
15. Receber ordens
16. Verão
17. Gente muito formal
18. Pintar as unhas

Sou tarada por:

1. Homens
2. Sapatos
3. Perfumes
4. Sabonetes
5. Música
6. Espelhos

Eu nunca:

1. Viajei para o exterior
2. Andei de helicóptero
3. Entrei em coma
4. Fiquei bêbada
5. Usei drogas
6. Fiz aborto
7. Transei com mais de uma pessoa (ao mesmo tempo)
8. Discriminei ninguém por preferência sexual, cor, situação financeira, etc. etc. etc.
9. Passei dos 55 quilos de peso (atualmente estou com 55, meu recorde)
10. Transei com uma mulher

Eu já:

1. Fui atropelada (por um espelho retrovisor de uma Kombi, à beira da estrada onde eu pedia carona)
2. Desmaiei (no mesmo atropelamento aí em cima)
3. Estive numa capotagem
4. Estive num acidente de moto
5. Estive em vários acidentes de carro
6. Saí do corpo durante o sono
7. Tive sonhos premonitórios
8. Encenei peças teatrais
9. Coreografei danças
10. Fui líder disso e daquilo e daquilo outro
11. Fui caluniada barbaramente
12. Fui assaltada (e saí batendo no assaltante com a sombrinha)
13. Perdi muito dinheiro em maus negócios
14. Fui convidada para ser modelo (ai, essa foi atroz -- faz tempo!)
15. Escrevi um livro
16. Tive uma filha
17. Plantei muitas árvores
18. Traí
19. Fui traída
20. Tive dois ou três namorados ao mesmo tempo
21. Fui estuprada
22. Apanhei de homem
23. Bati em homem

26.10.05

Diário de uma Mulher Comum IV (Siga os links para que eu não precise me repetir!)


De repente, sinto-me cheia de vida.
Está certo. Novembro vem chegando e os jasmins logo abrirão. Como não ser feliz com dois jasmineiros carregadinhos no jardim?
Está bem. Admito que quando os amigos me procuram me sinto gente. Um email lindo de alguém recente, que me intriga por seu carinho por mim e que surgiu do nada (mas nada surge do nada. Eu sou fatalista, embora incoerentemente também creia que devemos batalhar para que o destino se cumpra da melhor maneira possível). Um papinho virtual com meu mosquito preferido, meu LH que conheci 20 anos atrás e era magrinho como um palito e que misturava em mim sensações de raiva profunda por ser tão perfeitamente parecido comigo em tudo e um dos maiores amores que já tive por alguém (ia além, muito além, tão além da paixão física que perdurou -- e só perdura assim mesmo, não é, LH?) Meu lindinho guri inspirador de personagens da ficção e para quem escrevi "Reel Around the Fountain", aqui. Ele vive para o trabalho e para seus filhos, hoje em dia. Esqueceu-se dele mesmo. Esqueceu-se de viver um pouquinho. E me encontra no micro e descobrimos (de novo, e de novo, e de novo e sempre) como nos gostamos. Me aquece o coração com sua vontade de simplesmente andar num barco no Rio Guaíba na minha companhia, caminhar e conversar, estar junto, apenas. Eu lhe digo que, quem sabe, quando estivermos ambos com uns 70 anos, ainda estejamos andando de mãos dadas por aí. Quer coisa melhor?
Bem pode ser que eu me sinta assim tão cheia de vida porque meu amigo-irmão-pai-tudo Fernando reapareceu. Tem o dom de me ignorar, mas diz que lê meu blog. Não basta, Fernandinho, tem que me escutar também (mesmo assim, me sinto em casa, satisfeita da vida, com todo o seu apoio, seus conselhos racionais e até com sua mania de fingir que tenta me seduzir. Um dos homens mais cavalheiros e gentis que já conheci na vida, um dos poucos homens românticos de verdade, mais em atos que em palavras, que já cruzaram por meu caminho).
Talvez minha amiga doida, A., tenha me lembrado do que já deixei para trás, quando um lance do destino faz com que, por meu intermédio e por puro "acaso" (claro que acaso não existe) acabamos descobrindo que seu ex estava recebendo aluguel há meses por um imóvel alugado, embolsando tudo quando deveria dividir com ela. Essa mulher tem uma força e uma coragem de viver que me fazem sentir vergonha dos meus problemas (que problemas, meu Deus?). Ela me faz lembrar que ainda sou capaz de ajudar alguém, ainda posso colocar um brilho nos olhos de alguém. E me recorda que sou livre para fazer o que quiser com minha vida, quando tantas mulheres ainda vivem acorrentadas às vontades de parceiros e ex-parceiros.
E aquela grande poeta (não vou usar a palavra "poetisa", eu a abomino) me escreve dando dicas de como comprar seu livro. Sinto-me honrada. Se eu tivesse metade de seu talento, já não estava mais aqui. Tudo na Márcia é agudo, acentuado, seu lirismo vai ao extremo, mas de um modo tão sutil e comovente que, em geral, nem sei como comentar seus posts em seu blog
Talvez eu tenha descansado um pouco de tanta tradução, desde domingo em ritmo mais tranqüilo. Três dias rebobinando meu cérebro e colocando o sono em dia podem ser a explicação.
Não. Acho que me sinto tão viva porque depois de escutar tanta notícia, enchi do Shepard Smith e da FoxNews, desliguei a TV e me inundei de música. Ah, tá certo que ouvir Grace Jones cantanto "I've Seen that Face Before" às nove da manhã me parece meio esquisito, mas antes eu estava ouvindo "Leaving on a Jet Plane"e tudo que a Jann Arden canta, batucando sobre a mesa com o Jamiroquai e reescutando um dos tantos e tantos CDs de MP3, porque já havia enjoado deles. Desenjoei.
Agora Grace Jones canta "Victor Should Have Been a Jazz Musician". Arrã. Eu acrescentaria: Steven, my dear, you too.
Mando uns escritos para meu amigo que ama um urso. Aí, quando me ponho a revisar o texto de ficção que escrevi tanto tempo atrás, a mesma magia volta a acontecer: cada vez que pego aquele texto, algo estala, clica e se acende em meu cérebro e, de repente, transcendo minha realidade ou a vejo com novos olhos e tudo se transforma. Volto a ser feliz.
Esquisito é que nada do que preenche meu espírito, minha alma e meu coração diz respeito a dinheiro. Nada do que me faz feliz depende de qualquer objeto material, roupa nova, corte de cabelo, celular de alta tecnologia, novidades eletrônicas ou viagens fantásticas (exceto ao mundo da minha imaginação).
Poucos dias atrás falei aqui no blog que eu parecia ter praticado bem demais meu joguinho de me esconder do mundo para fingir que era invisível, já que todos pareciam ter me esquecido.
Então todos ressurgem.
Tenho um anjo da guarda muito atento, sem problemas de audição e bem eficiente.
Sabe de uma coisa?
Preciso lembrar com mais freqüência de me pegar de volta, quando me jogo ali no cantinho, quando largo a Dayse cantora, a Dayse da libido a mil e das fantasias intensas, quando me ignoro e me esqueço que, afinal, sem música e sem seus amigos-anjos, a Dayse não vive, apenas sua casca sobrevive e fica minguando e fazendo de conta que ela existe.
I'm fine. Hope I can stay afloat with a little help from my friends. Always.

21.10.05

Descafeinado, por favor (vá até ele clicando no texto abaixo)

Eu tinha essa mania de me esconder no porão e fingir que ninguém sentiria minha falta porque eu nunca havia existido.
Tinha esse hábito de me calar sob a casa ouvindo os passos e querendo não-ser.
Desejava saber como seria, se ninguém se lembrasse de mim.

...Acho que pratiquei bem demais.

20.10.05


Querendo me apaixonar, mas sem tempo.

Quando a paixão vem chegando, eu já passei correndo.
Será que isso só acontece comigo,
de não conseguir me encontrar nem comigo mesma,
menos ainda com qualquer outro coração?
Cadê, cadê, cadê de eu conseguir completar a burocracia necessária até o primeiro beijo?
Ai.
Dói.
O pior é que isso mata. Mas bem aos pouquinhos.

18.10.05

Diário de uma Mulher Comum III

Ok, vamos falar sério?
Nunca fui uma puritana, para começo de conversa – se fosse, não teria traduzido um manual de sexo hiperliberal, chamado “Prazer & Emoção” (editora Leganto) porque a editora me achava “apropriada” para isso depois de ler um livro meu (que acabou não publicando e ainda está inédito, mas isso é uma outra história) que classificava como “sensual sem ser vulgar”.
Well, então fui conferir a afamada (melhor dizendo “infamous”) gravação da transa da vazia Paris Hilton.
Para quem não sabe, a bonequinha artificial, herdeira dos hotéis Hilton, resolveu “ficar” com um cara qualquer numa determinada noite e o carinha gravou tudo. Ela sabia. Só não sabia que ele pretendia ganhar uma fortuna vendendo a fita. Ganhou uma fortuna e teve de dividir os lucros com a indignada Paris que, depois, amansou e levou tudo na boa. O dinheiro teve o poder de fazer com que um vexame se transformasse apenas em um negócio.
Negócio ou não, eu tenho a dizer uma coisa (antes de todo o resto):
Se é pra fazer, por que não fazer bem feito?
Parênteses.
Um namorado recente (repetindo o que amigos e outros já haviam me dito) comentou que é impressionante o número de mulheres que transam sem nem saberem por quê. Não sentem nada e só dão prazer porque, obviamente, têm uma parte desejada pelos homens e isso basta.
Oh?
Isso basta?
Para eles, sim. Mas para elas, o que acontece? Como alguém vai para a cama para servir de boneca de borracha?
Fecha parênteses.
Paris Hilton, magricela e peituda, sem bunda nem charme, faz sempre as mesmas caras, sempre as mesmas bocas – mas na cama esquece das caras, esquece das bocas e tem cara de nada.
Vi, revi e vi outra vez sua “sessão de sexo” mulher-vinil. Fez de graça (naquele dia, porque depois recebeu os dividendos) e parecia que o cara estava pagando, por que, de outro modo, para que sujeitar-se a algo que obviamente não está lhe dando nenhum, repito, nenhum prazer?
Primeiro, ela parece uma puritana, recusando-se a tocar no cara. Depois, submete-se.
Cara, sexo não é submissão.
Algo está errado com a cabeça de uma mulher, se acha natural tirar a roupa, abrir as pernas e outros orifícios e se deixar ser penetrada enquanto pensa sei lá em quê (mas a cara sem expressão, a boca sem um gemido, a respiração inalterada e o olhar vazio me levam a crer que ela só calcula quanto tempo aquilo ainda vai levar), sem sentir nada.
Algo também está errado com a cabeça desses homens que pensam que à simples visão de um pênis ereto qualquer mulher sai dando gritinhos e têm orgasmos múltiplos.
Eu morreria de vergonha se me filmassem e o resultado fosse aquele. Também morreria de vergonha se me filmassem e eu agisse como uma dominadora (que sou), como alguém que está prestes a morrer de prazer. Mas ainda assim, minha vergonha seria menor do que se me vissem parecendo uma mulher de borracha, na cama.
Surpreendi-me demais com a Paris Hilton. Acho que nem deveria, mas me surpreendi mesmo. Alguém com todos os recursos do mundo à disposição, com possibilidades imensas de ter experiências fantásticas, que tem à disposição todas as novidades da estética, da moda, todos os bons perfumes, viagens e homens à mão, sempre... Alguém assim não conseguiu, nunca, tocar a si mesma. Não encontrou jamais meia hora para olhar-se no espelho, conhecer-se, vasculhar-se, experimentar-se, ir até onde possível sozinha, treinar, descobrir-se e verificar onde dói, onde coça, onde é que atiça, onde lateja, onde parece explodir algo, uma bomba de prazer interna, onde é que se morre de êxtase.
Acho que falta vergonha na cara, a muitas mulheres. E quando digo isso, falo que deveria ser vergonha ser mulher e não agir como fêmea. Fazer de conta que se é sexy, sem saber ser sensual e sem ter nem idéia do que é sentir prazer, deveria ser uma vergonha.
Parece que é algo muito natural, segundo meus amigos, alguns ex-namorados e segundo a Paris Hilton, que em uma entrevista disse, com sua cara plástica congelada em um simulacro de expressão maliciosa: “Vergonha de quê? Fizemos tudo o que um casal jovem e saudável faz.”
No caso dela, uma mulher saudável e jovem faz tudo. Menos sentir prazer.

17.10.05

Eu devo estar por aí, em algum lugar.
Se me encontrares, me traz de volta.
Sinto saudade de mim.

7.10.05

C U I D A D O
Mulher Faminta
(de tudo)

5.10.05

Jorge,

Hoje acordei pensando no dia em que perdemos tantas horas e, em vez de fazermos amor, discutimos sobre McCartney ou Lennon, argumentando sobre o nosso preferido, escutando horas e horas e horas de Beatles para tentarmos convencer um ao outro de que um era mais digno de nossa admiração que o outro.
Não posso evitar a sensação de que deveria te catar por um dos cantos deste mundo (não que eu não tenha tentado – simplesmente não te encontro mais), fazer-te sentar novamente – agora não numa cadeira de vime, uma das duas únicas que eu tinha na sala do meu primeiro apartamento – para que ouvisses comigo as bobagens que o McCartney andou aprontando.
Jorge, será que estamos todos ficando velhos demais, inclusive o Paul, bem mais que a gente e mais afastado da realidade musical?
Quando varamos a noite, eu e tu, e fomos até as três da tarde sem fazer amor, sem almoçar e sem mais nada, hipnotizados pela gigantesca afinidade que tínhamos, eu defendia o McCartney e tu dizias que ele era banal. O gênio era o Lennon – e contigo praticamente todo mundo concordava.
Agora concordo eu.
Será que o Paul está precisando de grana?
Não creio.
Mas como explicar que seu “Chaos and Creation” tenha quase nada de caos e quase nada de criação? Quase que apenas “Too Much Rain” passa pelo crivo de qualquer coisa. A voz já vacilante do Paul vem cantando todos, todinhos os bordões com mais de trinta anos de idade. Onde estão arranjos incríveis como os de “Band on the Run” (tudo bem, o George não está tocando mais nada na Terra, Ok, impossível querer sua guitarra mesmo)? Onde estão, ainda assim, as letras que, embora simples, eram tão lindas?
A última coisa mais ou menos nova que ouvi do McCartney e gostei nos últimos anos foi “Vanilla Sky”. Depois disso, o cara internou-se em sua poltrona preferida, não ouviu mais música e agora, não sei por que, achou que precisava lançar um álbum descartável com todas as baboseiras batidas que não convencem mais.
Pensando bem, Jorge, acho que faríamos melhor se desligássemos o McCartney das nossas vidas e usássemos aquelas horas todas para fazermos o que precisávamos ter feito tantos anos atrás (mas também, eu não estaria lembrando de ti se apenas tivéssemos feito amor, não é não?). Desta vez acho que precisaríamos esquecer os Beatles para sempre.
Eu nem te perguntaria por que, afinal de contas, nunca explicaste nada quando disseste que eu deveria ter te dito que era canhota desde o primeiro momento em que nos vimos, já que isso mudaria totalmente a tua maneira de me ver. Nunca entendi e talvez eu continue tão lelé da cuca quanto naquele tempo. Mas juro que não tanto quanto o Paul e já não perderia mais tempo discutindo música contigo. Contigo, não.

3.10.05

Queria tanto, tanto, tanto ser tua amiga...
Não apenas leitora de teu blog.
Não apenas admiradora.
Não apenas imaginar teu rosto.
Não apenas querer sondar teu cérebro.

Queria imensamente encontrar-te.

Tenho a impressão que, ao te encontrar, eu me encontraria em ti.

Não como amor.

Amiga.

Eu te entenderia (quem mais poderia entender-te tanto quanto eu?),
e minha pretensão seria percebida por ti, mas perdoarias,
porque teu coração é imenso.

Se tu te permitisses,
Se numa rua de nossa cidade chovesse
e um vinho nos esperasse,
Se houvesse como (o por que já existe),
Se pudesses me interpretar
como eu sei te traduzir,

Seríamos lindos um pro outro.

E seria lindo fazer de conta que te importas comigo.

25.9.05

Diário de Uma Mulher Comum II


Assistindo a um filme bobo (sobre mãe, sobre mulheres) escutei um diálogo que me fez recordar um dia de minha vida.
Certos dias marcam para sempre. Seja porque alguém querido morreu, seja porque tivemos uma conquista inesquecível, seja porque nos separamos de um amor.
Pensei em perguntar, neste texto aqui, qual foi o dia mais cansativo de toda a sua vida.
Aí lembrei que esta pergunta talvez não seja válida para homens.
Talvez eu deva perguntar às mulheres, e provavelmente muitas delas recordarão um dia assim.
No dia em que me senti mais cansada em toda a minha vida, minha filha tinha 7 meses, estava com dor de ouvido, berrava sem parar, eu estava com uma tosse e congestão pulmonar que beirava a tuberculose, tinha trabalho atrasado, não havia conseguido sequer fazer uma refeição decente, a médica pensava que eu estava grávida novamente (porque eu estava com 47 quilos, parara de menstruar novamente e me transformava rapidamente em um não-ser – esquálida por puríssimo estresse quase mortal) e, quando chegou a noite, queria ao menos um banho, mas não podia me afastar da Letícia, tão doente quanto eu.
Nesse dia, liguei para o pai dela (que teoricamente morava comigo, mas não morava nem desmorava e residia mesmo era na rua, com sua mãe, com seus amigos e sabe-se lá com mais quem). Ele relutou em abandonar o que quer que estivesse fazendo e quando conseguiu aparecer na minha porta foi para dizer que não ia sequer entrar. Pedi-lhe que ficasse pelo menos 10 minutos para eu tomar um banho. Não podia. Disse-lhe que entrasse, sua filha já o vira e estendia os bracinhos. Não podia. Não olhou sequer para ela.
No dia em que me senti mais cansada em toda a minha vida, ouvi o pai da minha filha dizer que “Não posso ficar, já tenho compromisso, é sexta-feira, sou jovem e tenho o direito de me divertir.” E lá se foi. Pela janela, vi que alguém o esperava no carro.
Provavelmente esse dia durou umas 36 horas.
Não lembro como acabou.
Não lembro se tomei banho.
Não lembro se a dor de ouvido da minha filha e a minha tosse passaram. Acho que ambas acabamos desmaiando de cansaço e decepção.
Ninguém consegue sentir-se tão palhaça, tão cansada, velha e maltratada como eu me senti naquele dia.
Passou.
Provavelmente na mesma semana coloquei sacolas dele no corredor, troquei a fechadura, tratei de comer, passei a dedicar a energia que estava dando a um vampiro somente a mim e àqueles que ainda valiam minha vida. Engordei. Recuperei-me.
Como eu costumo dizer, sou uma “time-eater” e não vivo de dores passadas.
Apenas ocasionalmente um filme puxa um arquivo-morto da memória para lembrar que, se hoje me julgo feliz sem homem, sem julgá-los semideuses e sem precisar que um me faça feliz... Well, well, well, quem sobrevive a algumas coisas, sobrevive a praticamente tudo, e certos traumas se não nos matam, é claro que nos fortalecem. Está provado.

7.9.05

A menina que tinha vergonha de falar



Macy Gray, para mim, é preciosa.
Sua voz me arrepia, sempre. Tem um "quê" de Billie Holiday, é sensualíssima, quente.
Não é porque "I Try" marcou provavelmente a última grande paixão que tive. Não :-). Amo Macy Gray porque ela é surpreendente.
Movendo-se, parece uma boneca desconjuntada.
Quando abre a boca, nós abrimos também, de espanto com sua voz de marionete, impossível, estranha, curiosa.
Essa mulher, quando menina, percebeu um dia que todos riam quando ela falava e passou a não falar mais. Quer dizer, falava o mínimo possível. Até o dia em que escreveu umas letrinhas para um amigo ou amiga cantar, alguém não apareceu e ela cantou. E estourou.
Gal Costa também tem uma voz muitíssimo esquisita, quando fala. Mas quando canta...
Algumas mulheres (e homens) têm voz de botequim. Parece que passaram a vida inteira na noite, na fumaça de cigarros e dentro da garrafa. Parece que acordaram agora.
Outras vozes são monótonas, dão sono. Outras, gritam. Algumas são tão metálicas que metem medo.
Eu detesto minha voz. Não é tanto que a considere feia. Não. É que engana. Não suporto me ouvir em gravações e reluto em falar ao telefone (se o assunto for sério, não tenho credibilidade nenhuma com esta voz de "princesinha". Quero trocar minha voz pela voz de qualquer uma das minhas amigas). Tenho voz de menininha. Mas quando canto, canto lindamente, senhoras e senhores.
Nunca se deixem enganar por vozes. Sou uma tigresa, apesar da voz de gatinha.
Macy Gray é uma diva, apesar da voz de fantoche.
I love her. I really love her.

Se eu sou tua fadinha,

por que escondes a varinha?

5.9.05

Uma Visão do Inferno (para quem entende inglês)

(tudo é bem pior quando visto "de dentro". O que nos chega aqui no Brasil é lavado, esterilizado, podado e bem liquidificado para ser assimilado pelas massas. O texto é longo, mas narra uma visão do inferno em que se transformou o Superdome -- um cenário medieval, nas palavras de um dos que saíram de lá para o Astrodome, no Texas.)

The dispossessed of New Orleans tell of their medieval nightmare
By David Usborne inside the Houston Astrodome

Published: 04 September 2005


A brand new city has arisen inside the Astrodome in Houston, Texas, population 15,000. Not the best address in America - they gave it its own postal code, 77230 - but it offers some benefits to its residents. It is almost clean, more or less safe and entirely dry. No longer are these people clinging to the roofs of houses above swirling waters or squatting on elevated roadways in the sun unsure if they will live or die.
And, happily, they are no longer cowering in the New Orleans Superdome, a place that turned mad with murders, rapes, suicide, abortions and the ammonia fumes of human waste. Or imprisoned in the convention centre without food or water, in the company of corpses. Those two places of sanctuary became hell-holes of a kind unthinkable in the United States of America. Until last week.
No doubt, the new arrivals in the Astrodome are among the blessed of New Orleans. But most are nowhere near the end of their ordeal. Their faces have that blank, glazed look of people mentally overwhelmed. Thousands have another anguish: loved ones are missing. Some vanished during the chaotic bus transfer from New Orleans to here. They will probably be found - eventually. Others have not been seen or heard from since the first hours of the storm.
Gabrielle Benson, 40, has to think for a second. It is five, she says, the number of her family who are unaccounted for. "I don't know where my mum and dad are and I have three kids of mine who are missing." Two other children are with her. Ms Benson is calm about the missing kids. They survived the storm and were with her in the New Orleans Superdome all last week. They got lost in the pandemonium of boarding the buses. Quite likely, they are in a different city by now.
It is the mess with the buses that makes Ms Benson most angry. She and her family had abandoned their home in the projects last Sunday and fled immediately to the Superdome. The stampede for the buses began on Thursday. She described soldiers of the National Guard barking orders - "Make a hole, make a hole, that was their favourite order," she says - and making no effort to keep parents and children together. "They treated us like dirt, like dirt. They wouldn't even help my kids when they got lost. 'Ma'am, you've got to stay behind the barricade' is all they said." The soldiers did at least give them water while they waited - throwing bottles into the crowd. "Just popping people on the head with them."
But if getting on the buses was hard, what came before was far worse for many among these evacuees. Thousands never made it to the Superdome or to the convention centre. Some now are saying they are glad of it, like Ruby Taylor.
Ms Taylor was not a looter exactly, but the looting helped save her life. She is tall and proud, and 62 years old. Eating a Red Cross dinner here on Saturday of rice, beans and diced beef steak, she describes fleeing her first-floor apartment on Monday, when the water had risen almost to her shoulders, and wading to the local school. "We were fortunate because we had the school kitchens, so we got all the food they was looting and cooked it," she recalls with a brief smile. Surrounded by water on all sides and eventually forced to the third floor of the school, she and everyone else watched in frustration as their SOS signs went unheeded by circling helicopters for two days. "I know they saw our signs," she says. "I know they did." Finally, on Wednesday, boats arrived and they were taken to an interstate causeway just west of the city. There they remained - without food or shelter - for 30 hours, until the first buses arrived.
Many people here described similar hours of desperation in the open air - on elevated roadways, beneath bridges, even in mosquito-infested fields - before the buses arrived. Many had hopped from one location to the next over several days, fleeing the water - from their own home, to homes of friends that were still above the water level, to roofs, and to the elevated roads that are all around the city. Some, like Linda Bertoniere, clung to lampposts to stay alive. Others had to leap from rooftop to rooftop.
Yet, it is the testimony of those who did as they were told and responded to government appeals to take refuge in the New Orleans Superdome and the convention centre who are now coming forth, here and in other evacuee shelters, with stories of deprivation and danger almost too awful to fathom.
Devan Allen is 11 years old. Here with his dad, he gingerly approaches to tell what he saw in the Superdome. They were things no child should witness. Like the moment on Tuesday - or was it Wednesday? The days have blurred together for everyone here - when a man stood on one of the balconies and screamed so everyone could hear that he had lost everyone in the storm and now he would die also. He dived headfirst on to the playing field below, his head bursting open. Devan shouldn't have seen that. Nor should he have heard the gunshots. Nor the whispers of the girls who were raped and stabbed to death, right there with him in the Superdome. Or of the boy who was raped.
"I was scared," says Devan. "I knew that there was rapes going on and they said they were men snatching the boys." He recalls the suicide: "He just jumped right off." Like so many of the adults, he also remembers the ordeal of boarding the buses. "It was a big old crowd all right. It was terrible."
James Allen, his father, is among those boiling with anger with what they found when they fled to the Superdome. "We went there because we thought we would be safe, but instead we were more inmates than anything." James, 31, was born in New Orleans. After what happened in the Superdome, he says, he will never, ever, go back to the city. "I can't go back there after what we've been through." By the last night, he says, the soldiers of the National Guard had given up even patrolling the inside of the arena, leaving it to succumb to its own ugliness and anarchy.
The details of the stories from inside the Superdome vary slightly depending on who is telling them. The accuracy of some of the details cannot yet be proven. It will be one of the elements of the bungling of the rescue effort that will be a subject of official investigations. But Gaynell Farrell, 56, who has worked for the Whitney National Bank in New Orleans for 27 years - her husband rode the storm out in a suburb of New Orleans and has survived - says she is certain of what she saw and heard. If there is an official investigation of events in the arena, Ms Farrell might want to testify.
"You don't want to know what it was like. We had killings, abortions, babies born, toilets stacked up and it was hot, hot, hot." Pressed for details, she doesn't hesitate. She speaks of two girls being raped and murdered inside the dome, one aged seven. The other was 16 and was "slit open" by a knife after she was raped in the woman's bathroom, she says. Much of what she tells is similarly described by several other dome evacuees. A boy aged seven was also raped by two men. (Mr Allen says the rapist was chased down by other men and beaten before being handed over to the soldiers. He claims they also beat him and then threw him from a terrace outside the Superdome to the asphalt, killing him.)
"There was babies born and put in the garbage," Ms Farrell continues. Apparently, someone else found one infant alive and took it to the small clinic they had inside. Almost everyone talks of gunshots in the night, including one shooting of a National Guard soldier. Ms Farrell says the soldier died, others spoke of him being wounded in the leg and surviving. Meanwhile, she adds, a black-market trade flourished in marijuana cigarettes, crack cocaine, guns and alcohol, in plain view of the authorities. Men were flashing their penises at the women, who dared only go to the bathroom in groups of five. When the bathrooms became so foul that going into them was impossible, people began squatting down just anywhere to relieve themselves. "Human beings don't live like that, people in the street don't live like that," she says.
All this weekend, federal officials will interview the heads of each family group in the Astrodome to give them money and some guidance on what to do next. The same process was getting under way at other evacuee centres here in Houston and in several other cities across Texas, including Dallas and San Antonio, and in other southern states. It's everyone's hope that as many people as possible here will somehow find the means to get alternative shelter, maybe in cheap apartments or with relatives in Texas. Some will end up staying in Texas, others will eventually return to Louisiana. Yesterday, announcements would occasionally come over the loudspeakers or on the electronic message boards that used to carry sporting results with the good news for some that friends or family had arrived to pick them up.
But it won't be so easy for most of the souls in here. Many of them are exhausted and quite obviously traumatised by their experiences over the days since Hurricane Katrina hit. "I'm not moving," Ms Benson says flatly. "This is going to be my home. My home for me and my kids." She just prays first that the three children who are missing can be found and brought to her here.
VOICES FROM THE STORM
"None of us have any place to go."
Julie Paul, 57, in a poor area last Sunday, watching New Orleans empty.
"The water's rising pretty fast. I got a hammer and an axe and a crowbar, but I'm holding off on breaking through the roof until the last minute. Tell someone to come get me please. I want to live."
Chris Robinson, Monday, calling from New Orleans.
"There are lots of homes through here worth a million dollars. At least they were yesterday."
Fred Wright, surveying Mobile's Eastern Shore
"I don't treat my dog like that. I buried my dog. You can do everything for other countries but you can't do nothing for your own people. You can go overseas with the military but you can't get them down here."
Daniel Edwards, pointing at a dead woman parked in a wheelchair outside the convention centre.
"I do think the nation would be responding differently if they were white elderly and white babies actually dying on the street and being covered with newspapers and shrouds and being left there."
David Billings of anti-racist organisation, The People's Institute.
"I don't want to see no more water unless I'm taking a bath."
Anona Freeman,before being air-lifted out.
A brand new city has arisen inside the Astrodome in Houston, Texas, population 15,000. Not the best address in America - they gave it its own postal code, 77230 - but it offers some benefits to its residents. It is almost clean, more or less safe and entirely dry. No longer are these people clinging to the roofs of houses above swirling waters or squatting on elevated roadways in the sun unsure if they will live or die.
And, happily, they are no longer cowering in the New Orleans Superdome, a place that turned mad with murders, rapes, suicide, abortions and the ammonia fumes of human waste. Or imprisoned in the convention centre without food or water, in the company of corpses. Those two places of sanctuary became hell-holes of a kind unthinkable in the United States of America. Until last week.
No doubt, the new arrivals in the Astrodome are among the blessed of New Orleans. But most are nowhere near the end of their ordeal. Their faces have that blank, glazed look of people mentally overwhelmed. Thousands have another anguish: loved ones are missing. Some vanished during the chaotic bus transfer from New Orleans to here. They will probably be found - eventually. Others have not been seen or heard from since the first hours of the storm.
Gabrielle Benson, 40, has to think for a second. It is five, she says, the number of her family who are unaccounted for. "I don't know where my mum and dad are and I have three kids of mine who are missing." Two other children are with her. Ms Benson is calm about the missing kids. They survived the storm and were with her in the New Orleans Superdome all last week. They got lost in the pandemonium of boarding the buses. Quite likely, they are in a different city by now.
It is the mess with the buses that makes Ms Benson most angry. She and her family had abandoned their home in the projects last Sunday and fled immediately to the Superdome. The stampede for the buses began on Thursday. She described soldiers of the National Guard barking orders - "Make a hole, make a hole, that was their favourite order," she says - and making no effort to keep parents and children together. "They treated us like dirt, like dirt. They wouldn't even help my kids when they got lost. 'Ma'am, you've got to stay behind the barricade' is all they said." The soldiers did at least give them water while they waited - throwing bottles into the crowd. "Just popping people on the head with them."
But if getting on the buses was hard, what came before was far worse for many among these evacuees. Thousands never made it to the Superdome or to the convention centre. Some now are saying they are glad of it, like Ruby Taylor.
Ms Taylor was not a looter exactly, but the looting helped save her life. She is tall and proud, and 62 years old. Eating a Red Cross dinner here on Saturday of rice, beans and diced beef steak, she describes fleeing her first-floor apartment on Monday, when the water had risen almost to her shoulders, and wading to the local school. "We were fortunate because we had the school kitchens, so we got all the food they was looting and cooked it," she recalls with a brief smile. Surrounded by water on all sides and eventually forced to the third floor of the school, she and everyone else watched in frustration as their SOS signs went unheeded by circling helicopters for two days. "I know they saw our signs," she says. "I know they did." Finally, on Wednesday, boats arrived and they were taken to an interstate causeway just west of the city. There they remained - without food or shelter - for 30 hours, until the first buses arrived.
Many people here described similar hours of desperation in the open air - on elevated roadways, beneath bridges, even in mosquito-infested fields - before the buses arrived. Many had hopped from one location to the next over several days, fleeing the water - from their own home, to homes of friends that were still above the water level, to roofs, and to the elevated roads that are all around the city. Some, like Linda Bertoniere, clung to lampposts to stay alive. Others had to leap from rooftop to rooftop.
Yet, it is the testimony of those who did as they were told and responded to government appeals to take refuge in the New Orleans Superdome and the convention centre who are now coming forth, here and in other evacuee shelters, with stories of deprivation and danger almost too awful to fathom.
Devan Allen is 11 years old. Here with his dad, he gingerly approaches to tell what he saw in the Superdome. They were things no child should witness. Like the moment on Tuesday - or was it Wednesday? The days have blurred together for everyone here - when a man stood on one of the balconies and screamed so everyone could hear that he had lost everyone in the storm and now he would die also. He dived headfirst on to the playing field below, his head bursting open. Devan shouldn't have seen that. Nor should he have heard the gunshots. Nor the whispers of the girls who were raped and stabbed to death, right there with him in the Superdome. Or of the boy who was raped.
"I was scared," says Devan. "I knew that there was rapes going on and they said they were men snatching the boys." He recalls the suicide: "He just jumped right off." Like so many of the adults, he also remembers the ordeal of boarding the buses. "It was a big old crowd all right. It was terrible."
James Allen, his father, is among those boiling with anger with what they found when they fled to the Superdome. "We went there because we thought we would be safe, but instead we were more inmates than anything." James, 31, was born in New Orleans. After what happened in the Superdome, he says, he will never, ever, go back to the city. "I can't go back there after what we've been through." By the last night, he says, the soldiers of the National Guard had given up even patrolling the inside of the arena, leaving it to succumb to its own ugliness and anarchy.
The details of the stories from inside the Superdome vary slightly depending on who is telling them. The accuracy of some of the details cannot yet be proven. It will be one of the elements of the bungling of the rescue effort that will be a subject of official investigations. But Gaynell Farrell, 56, who has worked for the Whitney National Bank in New Orleans for 27 years - her husband rode the storm out in a suburb of New Orleans and has survived - says she is certain of what she saw and heard. If there is an official investigation of events in the arena, Ms Farrell might want to testify.
"You don't want to know what it was like. We had killings, abortions, babies born, toilets stacked up and it was hot, hot, hot." Pressed for details, she doesn't hesitate. She speaks of two girls being raped and murdered inside the dome, one aged seven. The other was 16 and was "slit open" by a knife after she was raped in the woman's bathroom, she says. Much of what she tells is similarly described by several other dome evacuees. A boy aged seven was also raped by two men. (Mr Allen says the rapist was chased down by other men and beaten before being handed over to the soldiers. He claims they also beat him and then threw him from a terrace outside the Superdome to the asphalt, killing him.)
"There was babies born and put in the garbage," Ms Farrell continues. Apparently, someone else found one infant alive and took it to the small clinic they had inside. Almost everyone talks of gunshots in the night, including one shooting of a National Guard soldier. Ms Farrell says the soldier died, others spoke of him being wounded in the leg and surviving. Meanwhile, she adds, a black-market trade flourished in marijuana cigarettes, crack cocaine, guns and alcohol, in plain view of the authorities. Men were flashing their penises at the women, who dared only go to the bathroom in groups of five. When the bathrooms became so foul that going into them was impossible, people began squatting down just anywhere to relieve themselves. "Human beings don't live like that, people in the street don't live like that," she says.
All this weekend, federal officials will interview the heads of each family group in the Astrodome to give them money and some guidance on what to do next. The same process was getting under way at other evacuee centres here in Houston and in several other cities across Texas, including Dallas and San Antonio, and in other southern states. It's everyone's hope that as many people as possible here will somehow find the means to get alternative shelter, maybe in cheap apartments or with relatives in Texas. Some will end up staying in Texas, others will eventually return to Louisiana. Yesterday, announcements would occasionally come over the loudspeakers or on the electronic message boards that used to carry sporting results with the good news for some that friends or family had arrived to pick them up.
But it won't be so easy for most of the souls in here. Many of them are exhausted and quite obviously traumatised by their experiences over the days since Hurricane Katrina hit. "I'm not moving," Ms Benson says flatly. "This is going to be my home. My home for me and my kids." She just prays first that the three children who are missing can be found and brought to her here.
VOICES FROM THE STORM
"None of us have any place to go."
Julie Paul, 57, in a poor area last Sunday, watching New Orleans empty.
"The water's rising pretty fast. I got a hammer and an axe and a crowbar, but I'm holding off on breaking through the roof until the last minute. Tell someone to come get me please. I want to live."
Chris Robinson, Monday, calling from New Orleans.
"There are lots of homes through here worth a million dollars. At least they were yesterday."
Fred Wright, surveying Mobile's Eastern Shore
"I don't treat my dog like that. I buried my dog. You can do everything for other countries but you can't do nothing for your own people. You can go overseas with the military but you can't get them down here."
Daniel Edwards, pointing at a dead woman parked in a wheelchair outside the convention centre.
"I do think the nation would be responding differently if they were white elderly and white babies actually dying on the street and being covered with newspapers and shrouds and being left there."
David Billings of anti-racist organisation, The People's Institute.
"I don't want to see no more water unless I'm taking a bath."
Anona Freeman,before being air-lifted out.