29.12.05

Come Softly to Me (ao som desta música, com Del Vikings ou Astrud Gilberto)

Entra, mas devagar, suavemente, anunciando-te com a sutileza de um abraço de brisa.
Entra, mas não machuca.
Não me tirarás nada que eu já não tenha perdido muito tempo atrás.
Vem, mas prefiro que não prometas nada e apenas repitas as bênçãos que tive com o “ex”. Não promete, mas me traz esperança de que serás bom, serás gentil, serás carinhoso com meu coração.
Vem, me deixa ficar contigo, inteirinha. Deixa que meus amigos, minha filha, minha família te conheça inteiro também, do princípio ao fim.
Te aproximas, e já sinto tua vibração. Tudo de novo, repito minha ânsia por envolver-te e levar minha vida contigo, novo, novinho em folha pra mim, como já fiz com outros, mas mesmo assim meu desejo de te usar completamente é sincero.
Desejo que me dês tuas melhores partes. Não me mostra mau-humor, não me traz insegurança, não me deixa no meio do caminho.
Nem precisas ser o melhor de todos. Se não fores semelhante aos piores que já tive, te amarei.
Toma posse de mim e vem com tudo, 2006.

P.S. para o post abaixo

Já que eu disse que detesto o Crowe e já havia dito que detesto o Tom Cruise e também o George Cloney, as mulheres devem achar que tenho um péssimo gosto para homens e para atores.

Não.

Admito que o Cruise e o Crowe são bons atores. O Clooney é um pateta, digo e repito. E não gosto de nenhum deles como homem, esteticament falando. Outro que vai para a minha lista do mais detestado é o Kevin Costner. Argh, que não suporto o cara.

Agora, se me perguntarem sobre meus atores preferidos (que também são atraentes para mim como homens):

Kevin Spacey
Morgan Freeman
Cuba Golding Jr.
John Malcovitch
Anthony Hopkins
Gabriel Byrne
Gael García Bernal
Guy Pierce
Sean Connery
Johnny Depp
Tommy Lee Jones
Samuel L. Jackson
Tom Hanks - Tom Hanks - Tom Hanks!!!!!!!!!!!

E em categoria "gostoso-mas-não-sei-se-é-bom-ator":

Brad Pit
Ryan Phillipe
Matthew McConaughy
Jude Law
(esquisito, são todos loiros...)

Esquizofrenia

Ok, boys and girls, vamos falar sério.

Primeiro -- estou revendo o genial "Uma Mente Brilhante" (com som sap para não perder a atuação do besta do Crowe que, afinal, ainda que eu o deteste, é um ator perfeito).
Segundo -- Sempre fui e serei fascinada pelas teorias do John Nash, o matemático que o Crowe encarna no filme. Sempre me encantaram teorias como a dos jogos não-cooperativos e outras, da matemática. Eu, que até meus vinte e poucos anos não suportavaver nenhum numero na minha frente, fui me tornando uma adoradora dos números, a ponto de pensar que deveria ter me esforçado mais e estudado matemática, em vez de letras, se tivesse mais bom-senso.
Terceiro -- conheço a esquizofrenia de perto, em teoria e na prática (não por eu sofrer da doença, mas por ter traduzido sobre ela durante 10 anos e ter tido amigos geniais que tinham este diagnóstico).

Sobre o John Nash, relendo sua autobiografia ao ganhar o Nobel, vi sua frase inesquecível:

"Tive a doença por viver em um nível ultra-lógico, respirando um ar raro demais para os simples mortais. E se ser 'curado' significasse não ser mais capaz de realizar qualquer trabalho original, uma remissão poderia não valer a pena, afinal."

E, depois, encontro esta frase preciosa:

Great wits are sure to madness near allied,
And thin partitions do their bounds divide.
(John
Dryden, Absalom and Achitophel, 1681)

Eu nunca acreditei em "loucura". Acredito em níveis de sensibilidade e na impossibilidade de adaptação ao mundo normal. Acredito na ruptura do reconhecimento entre o interno e o externo, quando um ser humano é subjugado pelo sofrimento ou quando o "real" é demais e supera suas capacidades de manejo.

Quando minha filha estava com sete meses, eu morava em um apartamento de primeiro andar. No segundo andar, morava uma família de mãe, filha e filho. Este era esquizofrênico.

Lembro-me que no dia em que se mudaram para lá, a irmã veio à minha porta pedir que não me abalasse se percebesse algo estranho (como gritos, xingações e tagarelice incessante de seu irmão), já que era esquizofrênico. Tomava medicamentos, mas se esquecesse... bem, shit happens.

Suportei extravagâncias do moço do andar de cima, mas compreendia muito bem sua doença. Ao encontrá-lo no corredor (raramente), ele era a pessoa mais educada do universo, de uma delicadeza e inteligência incomuns.

Minha tolerância foi testada em um dia em que, sem mais nem menos, sem que sequer me visse ou tivesse ouvido um "ai" de minha filha bebê, ele começou a ameaçá-la, de sua janela de segundo andar, dizendo barbaridades irreproduzíveis para ouvidos bem-educados. Só então pedi que sua irmã revisasse os medicamentos, porque havia algo claramente errado com o L.

Resumo da ópera: L. (o moço esquizofrênico) internou-se em um sítio, seus medicamentos foram ajustados, eu mudei-me (obviamente não por causa dele) e, cerca de um ano depois, quando eu já estava na casa nova, ele ligou-me. Sua voz educada e gentil disse-me que tivera dificuldade para me encontrar, porque ninguém queria lhe dar meu telefone novo. Ligava para pedir desculpas, para dizer que jamais pretendera me magoar, que me admirava imensamente por eu compreender sua situação, etc., etc., etc. Ele jamais precisaria ter pedido desculpas, mas o fato de se preocupar em se justificar significou muitíssimo para mim. Significou que ele compreendera que não podia viver naquele nível da sua realidade particular (a doença) e aceitara medicar-se para poder usar sua mente para coisas mais benéficas que ameaçar a humanidade e se ver perseguido pelos atores das novelas e pelos locutores de noticiários.

Esquizofrenia não é material para riso. Nem transtorno obsessivo-compusivo (conheço gente assim também). Nem pessoas bipolares são apenas "malucas" (às vezes desconfio que sou bipolar, com fases de mundo cor-de-rosa e outras de nuvens negras alternando-se com freqüência). Déficit de atenção. Hiperatividade. Compulsão alimentar. Transtorno anti-social, Jogo patológico, Ciúme obsessivo... nada disso é apenas um diagnóstico. Cada um desse rótulos tem a ver com o sofrimento de alguém. Mas especialmente na esquizofrenia, tem a ver com mentes que, em algum momento, começaram a perder o fio da meada e se enroscaram, confundindo o real e o imaginário (quem sabe ao certo se é imaginário mesmo, quem pode dizer quantos níveis de realidade existem realmente?) e invertendo o de dentro com o de fora, rompendo os limites do socialmente aceitável e do "normal" (normal = norma, média). Nenhum "louco" precisa ser temido. O "maluco" precisa, no mínimo, ser respeitado.

28.12.05

Pepys


Diários são coisas incríveis.
Quando lemos relatos em forma de diário, parece-nos que o tempo parou. Isso aconteceu quando reli meus diários (foi difícil me ver depois, passados 20 anos, porque minha capacidade de mergulhar nas letras levou-me de volta à época dos meus escritos como se todas aquelas pessoas -- reais -- também tivessem congelado naquele ano em que escrevi e descrevi tantos acontecimentos que transformaram minha mente -- e meu coração).
Tenho "perdido" horas de sono lendo apaixonadamente o diário de alguém fascinante, e tenho me transportado para seu mundo.
Sempre que fecho o livro, que me conquistou sem que eu tivesse chance de fugir, vejo-me presa ao mundo de Samuel Pepys, da Londres da década de 1660.
Samuel Pepys (1633-1703) escreveu (se não me falha a memória) doze diários, à luz de velas, tarde da noite, e só parou seus relatos por medo de ficar cego (lendo e escrevendo à luz bruxuleante das velas, o astigmatismo a pronunciar-se, ele, tão temente sempre a qualquer problema de saúde que naquela época de medicina precária poderia levá-lo à morte, decidiu então parar com seus diários...).
Filho de pais humildes, o quinto entre onze filhos, ele ascendeu posições e durante o reinado de Charles II manteve cargos de confiança, conquistou fortuna, manteve amantes, divertiu-se muito com todas as peças teatrais que pudesse assistir, leu muito e manteve princípios morais estranhos, mas fascinantes.
Ele, por exemplo, não deixava passar a chance de lucrar algumas libras em um negócio com fornecedores de cordas ou madeira para navios, mas então fazia uma promessa a Deus de não gastar mais do que já gastava em roupas... E um mês depois gastava uma fortuna em um terno de seda. Prometia a Deus não beber mais vinho, orava e cantava salmos, ia a até dois cultos em sua igreja em qualquer domingo, mas ao passar por vielas não resistia e entrava nos cabarés, onde qualquer beldade o atraía e, mesmo quando não "fazia tudo o que desejasse" (em suas palavras), ainda que beijando apenas os seios das damas, gozava sozinho por suas próprias mãos e lá se ia para casa, alegre e feliz.
Samuel Pepys não tinha pena de chicotear um moleque e ainda se queixava de que, ao fim do dia, seus braços estavam doídos pelo esforço...
Era um homem interessado por tudo -- por gente, por dinheiro, prazeres e conhecimento --, tendo frequentado a Royal Society e conversado com Boyle e outros "filósofos" (palavra da época para "cientista" ou "físico") eminentes. Ele regozijava-se com suas conquistas materiais, mas ao mesmo tempo confessava que não conseguia aprender nada nas aulas particulares de multiplicação e matemática "avançada" que tomava, sendo incapaz de calcular corretamente quantidade de cordas ou madeira necessária para a construção de um navio, ainda que os carpinteiros lhe explicassem até cansar. E ao prestar contas sobre suas compras, fazia cálculos básicos mentais, aproximados -- e vibrava quando conseguia, de algum modo, obter lucro, o que não acontecia sempre, já que se enrolava em suas contas e em suas explicações. A prática de lucrar como atravessador é antiga e a corrupção não era novidade.
Samuel Pepys passou para a história, mas ao ler suas palavras transcritas de suas anotações taquigráficas, vemos um homem simples que, ao galgar posições e conhecer personalidades da nobreza inglesa, ainda deixa transparecer no diário seu deslumbramento, suas fraquezas, seus preconceitos e sua ignorância sob sua capa de cavalheiro. Entretanto, ele tentou, fez e venceu na vida, tendo como única frustração o fato de não ter tido filhos (apesar dos conselhos de uma rodinha de mulheres, em um batizado, para que levantasse os pés do leito, mantivesse a barriga quente e as costas arejadas, usasse cuecas folgadas e outros detalhes que facilitariam a concepção). De um modo geral, é um homem (foi, melhor dizendo -- é fácil esquecer que, 300 anos depois, não há mais nada dele) fascinante, apaixonante, que jamais imaginaria que uma mulher num país que mal começava a existir em sua época, hoje usaria um meio "mágico" de comunicação à distância para contar a outros que o conheceu e partilha, todas as noites, daquilo que ele viveu nas madrugadas gélidas da Londres de 1660-1669.
Descobri seu diário por acaso em um sebo e eu, que jamais tinha ouvido falar em Samuel Pepys, agora vejo-me envolvida com Lord Sandwich, The King, Ms. Lane, e seus inúmeros amigos.
Agora, tento imitá-lo anotando meus gastos, controlando despesas, fazendo balanço de dívidas e promessas a mim mesma de aumentar minha "fortuna" (fortuna = dinheiro em mãos, porque se há algo que jamais terei é dinheiro guardado em abundância...).
Seus diários começaram a ser publicados na década de 70, e o livrinho que leio é uma compilação de "melhores momentos". Com sua sede por livros, Pepys completou pouco antes de morrer sua meta de ter 3.000 livros em sua biblioteca particular. Que foi parar no Magdalene College, em Cambridge, intocada por muitos anos e ainda nas estantes originais até hoje.
Pepys só há em inglês, infelizmente, mas descobri seu diário na Internet, em
http://www.pepysdiary.com/. Eu ainda prefiro ler o livro em papel, mas quem se interessa por outras eras, outras culturas, outros hábitos (como a dama que visita Pepys fazer cocô em uma bolsinha sob o vestido e ser flagrada pelo dono da casa ao perceber o rubor nas faces da visitante), e quer "ouvir" relatos em primeira mão sobre fatos históricos (como o Grande Incêndio de Londres e a Peste), o diário de Pepys é um prato cheio.
Divirtam-se.

26.12.05


O que fazes, quando um cãozinho te ama, mas precisas deixá-lo?
O que fazes, se amas uma cadelinha vira-lata chamada Docinho, mas não podes levá-la para um apartamento quando te mudas?
O que fazes, quando perdes um gato que amavas na mudança, mas ainda te sentes conformada, porque pelo menos deste a cadelinha linda para tua mãe, que promete cuidá-la?
O que fazes, quando no dia de Natal beijas tua cachorrinha feliz, que te ama, ama, ama, e parece rir de alegria quando te vê, e tu a abraças como se a um ser humano terno, quentinho e carinhoso...
Apenas para no dia seguinte ao Natal ganhares a notícia de que tua mãe deu a cadelinha para estranhos?
O que fazes, quando perdes, perdes, perdes, ainda que sejam apenas bichinhos?
O que fazes, se não consegues te consolar com palavras como "mas são só bichos, não são gente"?
O que fazes, se teu coração dói por bichinhos como se por gente?
O que fazes, quando amas tua mãe, mas sabes que nunca a perdoarás por contabilizares mais uma perda em tua vida porque ela te traiu?

16.12.05

Quando Eva irritou Deus

... Naquele dia, Eva tagarelou tanto, tanto, tanto, mas tanto, que não apenas Adão, mas a serpente e o próprio Deus encheram-se de vez e resolveram criar algo para calá-la.

Quando Eva O irritou, Deus resolveu criar uma coisinha miúda, pequenina mesmo, escura como a desgraça, rápida como o vento, silenciosa, inofensiva, mas aterrorizante.

Deus criou a barata. La cucaracha. The roach. Vingou-se.

Hoje os vizinhos ouviram meu grito pela primeira vez, em 28 dias desde que me mudei. Devo ter-lhes congelado o sangue, apesar do calor africano que assola Porto Alegre.

Eu, na minha noite de madame (o primeiro dia em que minha filha vai com seu pai, porque depois perde a graça estar sem ela). Eu, comendo jantinha chinesa e, depois, esticadona no sofá da sala, assistindo um filme. Sinto uma coisiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinhaaaa, uma tênue sensaçãoziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinhaaaa no meu braço e casualmente é UMA BARATA!!!!!!!!!!!!!!!!!

(o pavor ainda me consome e ainda estou completamente arrepiada).

Corro em busca do Chapolim Colorado (o SBP). Na embalagem, diz que mata mosquitos, sei-lá-o-que mais e BARATA. Mas não mata é nada, exceto se jogar a lata no bicho.

Quando penso que a encurralei, seu exército manda reforços e uma ajudante igualmente parruda surge ao seu lado.

Mas meu Deus, eu ***não tenho** baratas em casa. Essa é uma realidade que preciso negar. Eu não vi aquela barata. Aliás, não vi uma, menos ainda duas. Eu não vi, não vi, não vi.

Fujo, depois de consumir meio tubo de veneno. Acho que intoxiquei minha gata que me surge de língua de fora, coitada, nem tenta pegar os imundos insetos que finalmente estão estrebuchando sobre o piso branco da cozinha. Pra completar a tragédia, dou com a cabeça em um banco (!!!, é, cmigo tudo é possível), quando me abaixo para verificar sob ele, em pânico. Dói pra burro e não vou poder ir à cozinha pegar uma aspirina.

Deus inventou amigas traiçoeiras. Deus inventou liquidações de grife. Deus inventou os saltos altos (well, não, mas inventou quem inventou). Deus inventou TPM. E para acabar de vez com a felicidade de nascermos mulher, inventou a barata. Pra provar que somos sim o sexo frágil. Pelo menos quando confrontadas com baratões que ainda ousam baixar e levantar arrogantemente suas cabeças, quando nos olham. Uuuuuuuiiiii, que nooooojoooooo...

Já sei que amanhã vou ao supermercado fazer rancho de soluções antibarata. E já sei que morrerei sufocada aqui, no verão. Mas janela aberta depois que escurecer, não mais. E já sei que não vou dormir hoje. E se o resto do exército recém estiver chegando?

12.12.05

Diário de uma Mulher Comum VII

É fácil supersimplificar tudo, dizendo "isso é menopausa". Não é -- nem cronológica, nem geneticamente estou nela.
Meu coração começa a descansar (os pés já descansaram e cansaram novamente, mas agora por bons motivos). Donde se supõe que meu problema todo era o mesmo de sempre (mas por que eu nunca o reconheço?)
Meu problema todo era o afastamento das pessoas. Estou me curando.
Tudo começa com Iuri, que com seus anéis de prata fabulosos vem me ver pela primeira vez, sendo minha primeira visita oficial. Pensando nele, recordo os Secos & Molhados, na letra que dizia "Eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto!". Sua mente é tão clara, suas idéias tão lógicas e coordenadas, que passo uns dois dias pensando como grandes Homens vêm em vários matizes -- às vezes, eles são até multicoloridos, como ele. Iuri tem um arco-íris no coração e veludo nas palavras que derrama com tanta sabedoria.
Deslumbro-me com este meu novo amigo, que ao ler aqui sobre minha depressão, me liga e convida pra coisas inocentes e doces -- uma volta na rua, uma ida ao brique.
Felizmente (ou infelizmente, por adiar vê-lo novamente), meu L.H. chega do Paraná e mais uma vez também me faz sentir que EXISTO.
Por aquelas coisas que não se explicam, de repente eu o descubro leve -- e descubro-me assim também, sem aquela tensão chata que roubava um pouco da alegria que eu sentia em suas últimas visitas. Vimo-nos como vinte anos atrás, rindo com malícia, brincando (eu não lhe conto que mais uma vez nos confundiram com marido e mulher no barzinho, quando o cara comenta que "seu marido foi ali ao lado e já volta" -- isso sempre aconteceu conosco. Deve ser porque aparentamos enorme intimidade, sem que estejamos a nos abraçar e beijar em público, como os casais já há muito acostumados um com o outro. Não é nem o caso de sermos casal, nem o caso de não sermos. Eu nunca soube o que somos, na verdade).
O fato é que ele me devolve toneladas de auto-estima (A cada ano que passa, estás melhor, me diz ele, lindo, leve e solto como não o percebia há tempos). O fato é que suas idéias são sempre as minhas, e chegamos a rir quando ele emite uma opinião, eu digo que penso o contrário e, depois de um piscar de olhos de confusão, ele exclama: De, eu quis dizer o contrário, eu é que troquei as bolas!, e então mais uma vez concordamos, o que não nos impede de manter conversas muito estimulantes.
Sendo ele mais jovem que eu, ainda assim age de um jeito adoravelmente protetor (como sinto falta de proteção, meu Deus...). E antes de ir embora, me pede: Na próxima vez em que eu vier, poderíamos andar de barco pelo Guaíba? Eu me comovo. Claro que sim, Luís Henrique. Nunca me pedes nada, acho que reservo todo aquele barco que faz os passeios turísticos só pra ti, pra que possas dar tuas risadas altas, me abraçar daquele jeito, colocando o corpo e a alma inteiros no abraço, para que possas ser tu, comigo, sem barreiras, como te senti hoje.
Por um momento, quase lhe digo besteiras. Por instantes, percebo que andei fazendo muita, muita, muita bobagem no passado (e ele também), quando nada precisaria ter sido assim. Mas se todos passaram e ele continua, decerto não deveríamos ter mudado nada em nossa história, mesmo. Continuamos amando um ao outro sem a mínima intenção de mudar isso com um upgrade ou um downgrade. Deixe-se como está. Assim é que se entrega um coração (não pedindo, não exigindo, não prometendo nada -- só vivendo).
Vinte anos atrás, descobri (tardiamente) que eu o amava. Continuo amando meu Guri, mas jamais será algo convencional. É alma-para-alma (muitíssimo mais do que corpo-a-corpo). Se bem que um pouquinho mais de corpo não nos faria mal nenhum.

Voltando ao trilho do assunto (tenho o triste hábito de descarrilar), é fácil supersimplificar as coisas, atribundo a TPM, menopausa, falta de sono ou outro desastre natural qualquer uma depressão de derrubar.
Mas no meu caso, sei a causa e conheço a cura. E ela veio. A cura é esse algo indefinível, essa energia, essa aura que vem de pessoas amadas para mim. Só pessoas me curam, mais que remédio, mais que conselhos, mais que qualquer outra coisa.

E se alguém me perguntar: "Ué, mas só tens amigos homens???!", responderei que não -- tenho amigas mulheres, mas como preciso sempre um braço forte quando estou carente e confusa (metáfora, baby, metáfora!, o braço pode ser até fraquinho), geralmente meus amigos homens me amparam porque estão um pouquinho mais disponíveis e mulheres, às vezes, não conseguem me entender (em geral os homens entendem bem melhor). Eu não sei chorar na frente de uma mulher. Fico constrangidíssima, e apenas uma vez em que não pude evitar recebi um abraço inesquecível de uma amiga-anja. Mas em geral, mulher não abraça outra, quando a outra chora. Homem sim. E sinto uma sinceridade de doer, nesses abraços.

(agora me veio uma dúvida crudelíssima -- estarei sendo preconceituosa com minhas amigas? Ou demasiadamente exploradora com meus amigos?

O fato é que não gosto de chorar na frente de ninguém *mesmo*. Se for pra chorar, que seja sozinha. Mas se for pra ser vista chorando, que seja por alguém que me abrace.

8.12.05

P. S. para o post aí de baixo

O preço de a gente levar (tentar, ao menos) a vida light é que passamos por cima de coisas que, depois, passam por cima de nós.
Eu sofro de amnésia seletiva.
As piores coisas de minha vida, eu apago. De tal modo que esqueço, simplesmente, que aconteceram (não é força de expressão, não, eu esqueço mesmo).
Esqueci-me como havia sido o final de um dos dois grandes amores que tive na vida. Ao ler num desses diários, exclamei, de boca aberta: "Mas isso aconteceu? Jura que foi assim? Jura que eu o encontrei ainda uma vez e só então tudo terminou?" -- porque eu havia eliminado completamente o capítulo dolorosíssimo do fim daquela história de amor que me consumiu durante três anos. Só espantei-me com o que li no diário, mas a verdade é que não consegui recordar nadinha além daquilo que estava escrito. Aquele trauma ainda está bem escondido no meu inconsciente, de modo que provavelmente nunca mais recuperarei diálogos, a discussão brutal (se é que houve, porque não tenho certeza).
Num dado momento, eu disse: "Vou esquecê-lo". E esqueci. De tudo.
Só que também me esqueci que quando a gente enterra mal as coisas, elas ficam fedendo e enfeiando o nosso jardim, ainda que tentemos enchê-lo de flores cheirosas.
Por que será que fiquei imune ao amor?
Hein??
Hein???
Hein????!
Valha-me Deus. Queria, bem agora, uma superinjeção de paixão. Já nem digo "amor". Isso eu sinto pelos amigos. Mas paixão, paixão, assim, aquela coisa que faz doer o coração.
Para não nos matarmos, precisamos, às vezes, matar recordações. Mas depois, como cadáveres podres saindo das tumbas, elas tentam nos pegar.
Tem um limpador cerebral aí? Um "Easy-Off Bang" pra eliminar as memórias?
Queria acordar amanhã tabula rasa. Zerada.

When Wonder Woman cries


Oh, okay, eu sei que sou uma maravilha, realmente boa em tudo, tudinho o que eu faço.
Quando cozinho, cozinho bem. Quando faço amor, ninguém esquece. Quando traduzo, exceto por missões impossíveis, sou bem competente, crio minha filha admiravelmente (para quem precisa assumir tantos papéis simultâneos).
Admito que sou uma maravilha de mulher, um ser humano legal.
Agora, ultimamente, dei prra ler diários antigos, e dou risada sozinha, tarde da noite, e pergunto em voz alta, para as paredes: "Did I really do that?" Fui realmente tão incrível? Tudo aquilo realmente aconteceu?
Ah, tá. Admito que nos desafios que me propús a enfrentar, me dei bem. Sempre.
Siiiiimmmm, fui (sou?) sexy, taradona e desejada, e só isso deveria manter-me acesa para o resto da vida (tanto fogo não poderia nunca apagar-se).
Agora, uma coisa inexplicável é que esta mulher maravilha anda chorando.
Ela chora de manhã, chora de tarde, chora de noite.
Com e sem motivo.
Ela só sabe chorar, essa mulher maluca que se põe numa estrada diferente de vida, de repente, e quando dá de cara com os pedágios do caminho, vê que certas viagens custam caro.
Viagens emocionais e seus pedágios têm me matado, aos pouquinhos. Minha impressão é que não tenho grana bastante para passar por todos esses postos de cobrança e estou sempre voltando um pouco, dando meia-volta e retrocedendo.
O que anda acontecendo com a força da mulher-maravilha (esse era, inclusive, o modo como um "admirador" meu de antigamente me chamava)? O que anda acontecendo com os olhos dessa mulher, que atualmente andam inchados e fundos?
O que ocorre com seu sono, que ou não vem ou vem demais, e sempre fora de hora?
Depressão.
De vez em quando as heroínas arrancam suas capas e, longe do público, se trancam no banheiro, soluçando, berrando mesmo, sem conseguirem sequer descobrir o porquê de tantas lágrimas.
Nem sempre é so easy se viver, como já dizia o Lulu Santos.