31.8.05

Aqui estava eu, sábado à noite, com traduções urgentes (como sempre) e de ouvidos atentos aos preparativos para a chegada do furacão Katrina pela Fox News.
Resolvi conferir o que vira na TV – as webcams de New Orleans.

Por que é que fui fazer isso?

Quando alguém procura, acha.
Como qualquer pessoa normal, estava e continuo aflita, muito aflita por tudo o que vejo.

Entretanto, em meio a tudo isso, apenas uma cena está fixada em meu cérebro.

Uma da madrugada, horário do Brasil. Eu de olho na câmera instalada no alto de um prédio do qual se avistava o “W Hotel”, outros prédios altos e o céu, muito céu. Eu cuidava o céu, vigiando as nuvens, quando as imagens se embaralharam. Lá fora tudo ainda aparecia, mas estava turvo, com interferências.

De repente, percebi: três pessoas, certamente funcionários daquela sala onde a câmera da web estava instalada, haviam se grudado uma à outra atrás da câmera e seus reflexos se mostravam no vidro da janela onde, supostamente, deveria haver só a vista lá de fora.

Durante mais de meia hora os três lá olhando a rua, eu olhando a tela do micro, a câmera olhando o furacão que vinha, eu olhando para os reflexos daqueles três que olhavam o que a câmera via.

Cheguei a sussurrar: “Saiam daí, até quando vão ficar vigiando?” (claro que em algum momento a câmera teria de sair do ar, e eu sabia disso).

Ficamos nós cinco – os três no reflexo, o olho da câmera e eu, olhando o furacão que chegava, mas achei que meu corpo pedia sono e fui dormir.

Domingo de manhã não havia mais nenhuma imagem. Nada de câmera.

Até agora me pergunto se eles desceram. Se ficaram porque o prédio era alto e agora não conseguem sair porque um ou dois pisos estão cheios de água. Quem se importa com a câmera?

Preocupo-me com eles, que tiravam fotos (e os flashes de suas máquinas pipocavam no vidro da janela aumentando a perturbação na imagem que se via na tela do computador) e esperaram.

Tudo isso é muito surreal. E entre tanta catástrofe, fico aqui pensando em três reflexos que me fizeram companhia na noite de sábado.

Espero que estejam bem.




30.8.05

Guardei teus olhos verdes na gaveta e tua última carta também. Engraçado como se pode andar por aí com uma adaga enfiada no peito durante mais de três anos, sem ninguém perceber. De vez em quando, um suspiro – era só isso o que me permitia fazer, quando fechava até em cima os botões da roupa para que não vissem a chaga.
As fotografias provam que fomos felizes.
As imagens mostram que te amei.
Como nunca percebi, antes, que nas fotos tu prometias abandono e teu olhar não tinha o brilho do meu?
O Correio me traz notícias de quem nunca se interessou por mim. Meu Deus, que coisa antiga, uma carta!
“E não esquece que te amo, viu?” – dizes com letra caprichada e isenta de emoção (nem um tremorzinho sequer?!), depois do início com “Não quero brigar” e de, então, discorreres sobre ti mesma em quatro páginas, sem tocar uma vez sequer em qualquer coisa que me explique como é que alguém que se amou como se a uma filha durante praticamente a vida inteira de repente se afasta da gente, começa a tratar mal, sem explicação, absolutamente sem razão.
Não esquecerei que me amas. E tentarei ficar longe de quem quiser me amar assim. Com amores como o teu, é melhor não ter nenhum.
Hoje guardei meia-irmã, carta, sorrisos e o passado no arquivo.
Hoje tirei a adaga.
Tu estás bem. Na verdade, surpreendentemente bem (ter me machucado como ninguém mais conseguiu no mundo na verdade não te abalou e até parece que te fortaleceu).
Um dia, Viviane, talvez responda à tua carta em tom de comadre, como se nunca tivesses me matado, e também não perguntarei como estás, como tu nunca fizeste comigo. Se a ti só quem importa é tu mesma, para mim será difícil escrever uma carta na qual não pergunto de ti e não falo de mim.
Por isso levarei mais três anos e meio para responder tua carta. E quando a enviar, será uma folha em branco. Pela ausência de assunto, mesmo então.
Eu só queria uma explicação.
Eu só queria que me procurasses.
Se estás bem, fico feliz. Como a mãe que sempre fui, mesmo sendo apenas irmã, acho que é tudo o que posso desejar. Tu me mostras mais, a cada dia, que se deve amar sempre desinteressadamente.
Infelizmente sou muito humana e não estou tão perto do Céu quanto tu, com teus “irmãos” de religião e teu Deus que te ensina a ser cruel. Não gosto de amar sem retorno.
Tirei a adaga que andei carregando por três anos e meio só por pura raiva, hoje. Burra eu, andar por aí sangrando desse jeito como uma mártir, uma santa, quando nunca quis ser uma. Me recuso a esse papel.
Enquanto o ferimento cicatriza, tratarei de ser feliz e esquecer que te amei.

25.8.05



Recebo a notícia de que ela morreu em dezembro.
Eu mesma, tendo herdado um genezinho esquisito dessa que morreu, já sabia de sua partida antes mesmo que me contassem, de modo que não foi surpresa.
Em dezembro do ano passado passei por um período de luto sem morto – os que me conhecem intimamente sabem como é. Eu sou a mulher que anuncia: “Vai morrer alguém, logo”, ou “Fulano está muito doente, mas vai se recuperar”, ou “Vem coisa ruim por aí”. São bem específicos meus pressentimentos. Eu sou o urubu da família (e dos amigos mais próximos, né Paulo P.?), anunciando que está na hora de se despedir porque o trem ‘tá chegando e alguém tem de partir. Desde que me conheço (na verdade, desde os 12 anos), sou eu quem anuncia e vela os mortos quando nem eles mesmos sabem que já morreram, a partir do momento em que (sei lá por que meios) eu soube que para eles não é “vou morrer em um dia qualquer do futuro distante”. Para esses com quem sonho, é pra já. Sou eu quem descobre que fulano está com um problema sério no fígado, ao olhar para seus olhos. Que sicrana nem sabe ainda, mas está com o HIV... Que meu irmão se despede de mim três vezes, que aquilo está doendo, que já sinto saudade e sei que nunca mais o verei, e ele morre uma hora depois, macrobioticamente saudável, se é que isso é possível.
Para não parecer louca, direi apenas que em dezembro eu estava de luto, mas como em geral só sinto o luto, mas nem sempre sei por quem, escrevi no blog “Às vezes, a felicidade é saber que a próxima tragédia ainda não chegou”.
E descubro, no fim da semana passada, que ELA se foi. Em dezembro minha vó morreu louca.
Em agosto (pelo menos desta vez) não preciso mais anunciar que ela morreu. Nem que ninguém vai morrer tão cedo, como anunciei num agosto em que levei minha câmera no Dia dos Pais e avisei em casa: “Vou levar, porque será a última foto do meu pai”. Já falei sobre isso no post “Fotofobia”, aqui no blog.
Não sei para que serve esse conhecimento inútil de tragédias. Não me pergunto mais (já perguntei e só sei que serve para preparar a mim mesma, mais ninguém). Não questiono. Aceito, já que não se foge disso exceto enlouquecendo.
Ninguém receberá, jamais, a notícia de que eu morri louca. De qualquer coisa, menos de medo de enfrentar o mundo de lá e de cá.

P.S. 1 – Para os que não acreditam nisso, apenas ignorem-me que não levarei a mal. Isto não é brincadeira nem palhaçada, para mim.

P.S. 2 – Percebo, cada vez mais, que estou me tornando mais verdadeira neste meu blog, como um dia prometi ao Muso que faria. Também não sei se isso é bom ou ruim, nem aonde isso me levará. Não tenho (mais) medo de me revelar. A lucidez não depende de calar. Nem a loucura vem se falamos. Se minhas verdades às vezes são doloridas, se alguns se “queixam” que meus posts são “muito triiiiiissstessss”, que procurem risadas.
As minhas andam escassas. Meu senso de humor é outro, nem sempre compreendido por alguns na ironia de alguns posts, nos trocadilhos, no fundinho de um poema.

Que seja.

19.8.05

Dos sorrisos que me fazem chorar, o teu é o que mais recordo.
De todos os meus mortos, tu me fazes a maior falta.
Tapo com as mãos meus olhos. Não quero mais te ver, irmão-fantasma.
Tapo com as mãos meus ouvidos. Não quero mais saber.
Tapo a boca. Nem vou mais contar a ninguém que me assombras.
Cubro a mente com um véu de delírio.
Ninguém mais vai morrer no meu mundo.
Está decretado.

14.8.05


Prefiro as mil mentes dos amigos etéreos,

Hidras e Medusas, leões e dragões

(sou o que mais assusta, no meu Argos)

Que teu corpo sem cabeça,

Sem paixão nem compaixão.

Não mordo tua isca

por perversões banais.

(minha perversão eu invento,

e prefiro sempre aquelas

que nunca ousaste sonhar)

12.8.05

A dor pode até inspirar
Mas só o amor nos faz respirar

Hoje eu queria ser mulher-tocha
e me incendiar todinha
e me consumir , arder
e desaparecer.

Combustão espontânea.

Solução instantânea.




10.8.05

Diário de Uma Mulher Comum I


Alguém me disse ontem, que sentirá falta da minha cabeça pensante, quando afastei-me justamente por repensar minha participação em uma lista que, supostamente, deveria manter a elite dos profissionais das letras por sentir que simplesmente não me ajusto.

Recordo esse “precisamos de cabeças pensantes como a sua” enquanto junto cocôs de cachorro do meu gramado úmido ainda, cedinho.

Penso nisso enquanto jogo aquela bosta de saco plástico (ou saco plástico de bosta?) na lixeira da calçada, com o cuidado para amarrar bem as três sacolas para que o lixeiro não precise hesitar nem se sujar, ao levá-lo.

Penso nisso enquanto entro, vou até os fundos do meu quintal e observo minha mudinha de árvore – misteriosa, já que não sei o nome e a ganhei de crianças desleixadas cujo clubinho visava justamente cultivar o verde, mas que deixavam as plantinhas morrendo e criando mato no pátio da escola. A arvorezinha perdeu suas poucas folhas e, agora, exibe uma exuberância de novos brotinhos, verdes e tenros, anunciando que vingou. Um dia saberei se a árvore dá fruto ou flor.

Penso nisso enquanto escuto um “replay” dos acontecimentos da CPMI que assisti até meus olhos arderem e até o “Está encerrada a sessão”irritado e impaciente de seu presidente às 2h18m desta madrugada. Penso nisso enquanto sorrio, recordando o “E eu ia fuder minha vida pelo PT?” de um ex-empresário charmoso e salafrário, inconseqüente, que só lembrou da honra da família quando descoberto. O arrependimento dos sacanas nunca vem enquanto roubam, só ao serem flagrados. Mas sua espontaneidade, o “fuder” pelo qual desculpou-se imediatamente e que arrancou um sorriso dos que o inquiriam, me fazem sorrir.

Eu penso nas cabeças pensantes que, aparvalhadas, vêem os ratos todos a correr, esgotos abrindo-se, podridão escorrendo pelas veias deste país.

Cabeça pensante, eu?

Caro João, sou apenas uma tradutora de jeans velho que insiste em usar batom até limpando cocô de cachorro, uma mulher que passou dos quarenta e adora tomar Nescau fervendo com bastante leite Ninho, que pedala sua bicicleta na marcha pesada no delírio de que isso combata um pouco os efeitos das horas-bunda na frente do micro para defender esse mesmo leitinho Ninho da mãe e da filha.

Sou aquela que, após discutir com a filha e a mandar para a escola, chora, chora, chora e se sente miseravelmente coitadinha. Essa mesma que se julga inútil frente aos intelectuais grosseiros de uma lista de tradutores e prefere sair a quebrar as tamancas na cabeça de alguém.

Limpar cocô, sim. Perder a elegância, jamais.

Eis aqui a patética ilusão de uma cabeça pensante, João. E talvez te iludas apenas porque não estás aqui para ver que minha cama ainda está desarrumada e minhas plantas precisam ser regadas, enquanto minhas idéias mal-alinhavadas ocupam grande parte do meu dia sem jamais serem costuradas em definitivo, minhas palavras andam escassas e cada vez uma porção menor delas sai de minha boca. Um dia, se Deus quiser, ficarei muda.

Cabeça pensante, eu?

Em muitos dias, eu acho que já perdi a cabeça.

E se penso, é porque não dá para evitar.

8.8.05


Adiam a aterrissagem do ônibus espacial. Mais um dia lá em cima.
E a administradora da missão, ao ser indagada na Fox News acerca do ânimo dos astronautas, responde (traduzido livremente -- mas fielmente -- por mim):
-- Ah, estão com um dia totalmente livre hoje. Sabe, será divertido, já que terão o dia inteiro para tirar fotos, descansar com gravidade zero...

ARRÃÃÃÃHN......

Então tá. Gravidade zero dá barato? Só assim.


P.S. - Cliquem na foto para ver que beleza.

7.8.05

Flor


“Bom dia, cara amiguinha.

Como é que eu vou viver sem ler suas mensagens??? Como? Me diz???

Mas quero você de volta!!! Ou ao menos por aqui... ai, meu Deus, acho que vou ter que entrar naquele seu blog e no orkut para ter sua companhia... (é???) mas eu não dou conta de mais internet...

Ah, tô com saudades. É isso.”

Recebo esse e-mail aí, coisa mais linda, coisa mais fofa, coisa mais amorosa. Se fosse de um homem, eu já me sentiria feliz.

Mas foi de uma amiga.

Isso me deixa mais feliz ainda.

Amo você, Cláudia Santi.

(Quanto ao homem, fez com que várias lágrimas que teimaram em escorrer por meu rosto ante-ontem à noite virassem sorriso e eu, que me sentia feia desde o início do dia, me senti linda, flor, querida e limpa – o que em se tratando de um homem, é mais do que muitos me dão! J)