23.1.06

Pingos luzentes
Na luz artificial
-- Choro natural

Chuva noturna
Molhando nosso quintal
-- Um ponto final

21.1.06


JACK BAUER alimenta-se de luz (que vem, certamente, das centenas de disparos de armas de fogo durante uma temporada).
De acordo com meus cálculos, ele está há mais de 15 horas usando manga comprida, correndo como louco, suando, cansando-se, gastando energia e, até agora, não tomou um golinho sequer de água e não comeu uma migalhinha sequer de pão.
Vá ser supermacho assim lá em casa...

19.1.06

Prece para hoje

Meus desejos são pequeninos. Minhas ambições, modestas.
Só peço a Deus que eu abra os olhos amanhã.
Que quando eu abri-los, logo depois ouça a voz de minha mãe ao telefone.
Que minha menina retenha seus defeitos e aumente suas qualidades, que ninguém perfeito é charmoso.
Que, longe, me ligue e eu ouça seu boa-noite sonolento.
Que a temperatura nunca mais chegue a 40 graus mormacentos.
Que os cupins das portas resolvam comer outra coisa.
Que minha gata aprenda a roer as unhas, já que não sabe cortá-las.
Que meu fogão auto-limpante aprenda a se auto-limpar.
Que a cera repelente a pó me deixe o piso impecável.
Que meu poder mental me regenere e me leve de volta aos 26 anos.
Que um raio cósmico elimine as baratas do mundo.
Que não falte comida (nem veneno de barata).
Que minhas contas não aumentem.
Que se aumentarem, eu dê conta.
Que se não der conta, tenha paciência.
Que se não tiver paciência, alguém me console.
Que se ninguém me consolar, eu não perca a fé..
Que haja café, cigarro e água mineral em noites insones.
Que um dia eu largue o café e o cigarro e não tenha mais noites insones.
Que meus amigos precisem de mim e não me deixem por namoradas ciumentas.
Que suas namoradas ciumentas aprendam a ser elegantes.
Que, sendo elegantes, ensinem a outras a também serem.
Que eu não me sinta desvalorizada, porque sou abandonada quando os amigos têm namorada.
Que os homens aprendam que isso fere.
Que, quando eu abrir os olhos amanhã, ainda tenha o dom de perdoar.
Que, amanhã, todos os que estavam vivos agorinha mesmo cheguem ao fim do dia ainda respirando.
E só isso já basta.
Amém (de coração, Deus, só isso já basta).

8.1.06

Você não gosta de mim,
mas seu marido gosta.
Ele não tem motivo para gostar,
Nem você para desgostar de mim.
Se me conhecer, verá que sou inofensiva.
Que canto porque sei e porque gosto. Que danço muito, mas fecho a janela que dá para a sua.
Que não saio para a rua quando todos saem, durante o dia, mas não há macho me sustentando e só não a vejo mais porque estou trabalhando e não há necessidade de lhe explicar que meu trabalho se faz com música alta e no quarto sim, mas é honesto e nada tem a ver com suas fantasias.
Você não gosta de mim, mas seu marido sim.
Não gosto de seu marido, nem do marido de ninguém. Na verdade, minha próxima chance de me apaixonar provavelmente será na outra encarnação. Nesta anda difícil.
Vizinha, meus saltos altos, meu batonzinho, meu perfume e meus cachos, meu vestido e minha voz não querem dizer nada. Eu uso desses artifícios para não me esquecer que ainda sou mulher (juro que em grande parte do tempo nem chego a me perguntar se sou, tão ocupada estou sempre com questões mais urgentes). No fundo, não sou feminista, mas nem sou tão feminina, e nem sei o que sou. Provavelmente não sou nada do que outros vêem, nem sou aquilo que penso ver em mim. Você não gosta de mim, mas seu marido não compreende que prefiro ter amigas que admiradores sorrateiros que me espiam do cantinho da sala na frente da minha janela. Prefiro, vizinha, conquistá-la, e ser um pé no saquinho de seu homem.
Esqueça-me.
Nem moro aqui.
Habito, apenas, porque algum lugar há de ter o corpo para largar a si e às suas tralhas -- mas em noventa por cento do tempo em que não me alugo às palavras (essas sim, minhas comandantes tiranas e soberanas), minha alma sai pelas janelas, sobrevoa as árvores, mete-se em becos e vive paixões inventadas e conquista amores reais enquanto meus olhos estão fechados.
Como você vê, vizinha, vivo entre a palavra e o sonho (sono, pouco). Não me sobra, entre os dois, tempo sequer para planejar paixões obscuras.
Deixe-me.
E se meu canto lhe incomodar, ligue sua máquina de lavar barulhenta, seu liquidificador, seu aspirador, e vá torcer seu narizinho para a louça suja (e não ligue, se seu genro comentar "Mas como canta bem essa mulher!" - não escute, prefira o som do programa dominical na TV. Afinal, você é apenas normal.).
Não me perturbe. Já tenho muito o que fazer, tentando me prender ao chão.