31.12.16

(Ao som de "Wild World")

Te dei minhas asas para que aprendesses a voar.
Te dei minhas asas para que teus voos fossem mais longos, mais altos e mais perfeitos que os meus, sempre em zigue-zague, nunca tão altos, nunca tão longos.
Fui embelezando as plumas, ajeitando  as condições, reformando e refazendo tudo para que pudesses ver o mundo do alto.
Só não contava que, ao te dar minhas asas, eu fosse ficar presa à terra.
Achei que tu, pássaro mais forte e mais jovem, me levarias junto de vez em quando em tua recém-conquistada liberdade.
Achei que me verias lá de cima e pegarias minhas mãos levantadas ao ar, à espera do passeio.
Eu não contava com ganhares as minhas asas e descobrires que elas servem para nunca mais voltar.
Para abandonar o ninho e esquecer que, afinal, as asas ainda não são tuas. Que eram apenas emprestadas, como só quem ama poderia fazer por ti.
Logo, talvez descubras que as asas talvez não sejam do tamanho ideal. Que, no alto, também há predadores. Que, lá em cima, a chuva também cai e ventos fortes podem te derrubar. Que, quase alcançando as nuvens, ao olhares para baixo também há coisas feias e que não é possível pairar eternamente.
Quando pousares, estarei aqui.
Sempre.

28.12.16






Dentro de casa faz 32 graus, antes de eu me refugiar no ar condicionado para trabalhar.

Sem mais nem menos, sentindo o bafo pegajoso do calor, lembro de minha vovó por parte de mãe, a Dona Norma, que faleceu mais de vinte anos atrás por um motivo bobo (escorregou em um degrau pequenino, quebrou a bacia e nunca mais se recuperou).
Minha infância:
Pegar dois ônibus no verão tórrido com minha mãe e meus irmãos para ir visitá-la em Novo Hamburgo.
Descer do ônibus às vezes no meio do caminho para comprar remédio antienjoo pra mim, que tinha pavor do balanço do ônibus.
Ir sofrendo até lá, apenas para, ao chegar naquele chalé muito pequenino de madeira simples, encontrar a familharada toda já lá, espremida em volta da mesa com cadeiras que, exceto por uma cristaleira pequena e um balcão (de onde eu retirava livros policiais do meu avô pra ler e não morrer de tédio), era só o que cabia na sala muito pequenina, sem TV, sem sofá, sem abajur, sem conforto.
Durante o café fervendo e os bolos, pães, cucas, as tias fofocavam e as vozes iam se elevando em alegres histórias e risadas, muitas risadas.
Minha vovó (nunca a chamei de vó, só "vovó") não parava. Praticamente não sentava.
Da sala, ia para a minúscula cozinha pegar mais isto e mais aquilo, voltava à mesa e repetia, inúmeras vezes: "Mais café?" E eu tinha de botar a mão sobre a xícara para impedi-la de me servir mais.
O calor naquela sala era lendário, indizível, impossível, mas por carinho e consideração umas pelas outras, as irmãs da minha mãe faziam de conta que não o sentiam.
Eu, que já não gostava de bolo ou cuca, em pouco tempo me satisfazia e, já que as vozes femininas agudas e altas me deixavam cansada e o calor parecia que iria me consumir e assar, me refugiava na também pequena área coberta nos fundos, onde, em torno de uma mesinha apertada, meu vovô e seu irmão (meu tio-avô que me intimidava) e às vezes um ou dois tios, jogavam cartas e quase sempre escutavam futebol no radinho de pilha. Meu vovô me dava uma piscadinha, cúmplice da minha escapada, e eu ficava ali, lendo Ellery Queen e sentindo o cheiro do cigarro "Tufuma" sem filtro do meu avô.
Minha vovó não tinha absolutamente nenhum luxo e não os desejava. Praticamente no fim da sua vida, já sem meu vovô, ganhou um televisor. Nunca teve máquina de lavar (lavava roupa para fora, no "muque" mesmo), nem ventilador, ao que me conste. Suas roupas eram vestidinho retos, floreadinhos e com botões pequenos. Sempre o mesmo modelinho, com um casaquinho no inverno.
Era uma pisciana das mais típicas - generosa, mas mortalmente azeda e mal-humorada com crianças barulhentas e invasões na sua vidinha.
Acredito que aquelas visitas à minha vovó na infância moldaram meu pavor a ambientes abafados, lotados e com conversas altas, rápidas e confusas.
Mas a lembrança fica, com amor pela vó que por menos dinheiro que tivesse sempre dava um jeito de receber bem e me presentear em Natal, Páscoa e aniversário, e pelo vovô com cheiro de cigarro, de olhos verdes aguados que me chamava de "bonecra" e pelo qual - confesso - eu era apaixonada, já que foi o primeiro homem que me amou com cumplicidade, gestos e palavras (meu pai não demonstrava amor).

27.12.16

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Por um pouco mais que cinco anos eu abandonei este blog.
 Não sei dizer por que. 
Minha mãe faleceu, a vida nunca mais foi a mesma, mas não quer dizer que tenha sido ruim, neste período de cinco anos, só não foi a mesma.
Em cinco anos, aconteceram mais coisas na minha vida do que (exceto pelo ano em que minha mamãe faleceu) nos cinco anos anteriores, de 2005 a 2010.
Talvez eu tenha vivido mais para fora de mim mesma, não tanto nesta minha redoma de letras, sentimentos e emoções.
Talvez eu não tenha tido tempo. 
Não - eu sei que algum tempo eu tive, eu sei que escrevi algumas coisas no Facebook, mas por algum motivo, um desgosto com as dores até 2011, considerei este blog aqui morto.
Mas 2012 foi muito difícil, minha vida continuou muito ocupada com problemas (dos outros, refletindo em mim) em 2013, em 2014 não sei por que não escrevi e em 2015 havia uma ferida aberta nos meus sentimentos. Era melhor nem ter onde mostrá-la, não tocá-la, não vê-la, fugir.
De repente, me vejo disposta a recomeçar.
Em muita coisa, não apenas no blog.
Não há feridas, não há entraves, não há bloqueios.
Aqui é onde me solto e escrevo coisas que não escreveria no Face.
Aqui é onde eu não tenho barreiras.
Escrevo não para ter fãs. Não para ter um grande número de seguidores. Não para "causar".
Escrevo porque é o que faço.
No Face, eu falo com pessoas.
Aqui, eu falo comigo mesma.
Se olhos me bisbilhotarem, é consequência de eu escrever aqui e não me importo, mas escrevo porque é o jeito que tenho de esclarecer minha mente. Escrevo porque é meu modo principal de comunicação.

Vamos lá.