16.7.06


Um dia, alguém que era somente um rosto mostra-se para ti. O rosto adquire um coração. Agora, vês o homem e te sentes privilegiada por perceberes sentimentos por ti. Por ti.
Um dia o rosto que tinha apenas um nome agora tem três. O primeiro e, depois, meu amor. Já não é o fulano. É ele e ele é especial.
O que era um corpo agora assume em tua mente uma dimensão toda especial.
Não são os poros. Não é a barba. Não são simplesmente olhos.
São os poros suados depois do amor, que imaginas.
É a barba pela manhã, roçando em ti.
É o olhar de carinho, de compreensão, de prazer por estar contigo. E só contigo.
Uma pessoa não é somente alguém, mais um, um ser humano, quando te apaixonas. Uma pessoa é o receptáculo dos teus anseios, teu pequeno paraíso, aquele para quem desejas voltar no fim do dia, aquele para quem corres para contar uma novidade, aquele sem cujo beijo não dormes.
Apaixonar-se é lançar-se precipício abaixo. É transformar-se em instrumento musical, no qual todas as notas são altas, vibrantes e agudas.
É deixar-se assustar pela fragilidade e medo constantes, pelo arrepio de susto com qualquer palavrinha atravessada, qualquer tom mal-humorado, qualquer humor azedo.
Um dia, descobres que fizeste da paixão um tapete mágico -- que o teceste meio às pressas, na ânsia de voar. Fizeste das tuas mãos asas e do teu peito abrigo.
Subitamente, teu tapete se esfiapa, tuas asas quebram, teu peito arde em chamas e já não é abrigo – antes, o inferno onde tua alma pode consumir-se.
Desapaixonar-se é escalar o precipício de volta, enrolar novamente os fios do tapete roto, colocar cadeados nas portas de tuas emoções, jogar água fria constantemente na alma para aplacar o braseiro que queima ali, andar de pés nus sobre cacos de vidro para aprender o que é dor.
O rosto que te fazia suspirar precisa tornar-se menos que um rosto. De preferência, algo que se perdeu numa amnésia.
E o corpo...
Ah, o corpo...
Esse, preferivelmente, precisa transformar-se em cadáver-lembrança, enterrado fundo para que não te assombre mais enquanto esperas o sono.

O instrumento do corpo torna-se desafinado e emite notas ásperas quando já ninguém o afina.
E tentas, ainda assim, construir uma ponte, qualquer ponte que te leve de volta ao teu amor, sabendo agora que todas as pontes se partem com o peso que trazes em ti.

2 comentários:

Anônimo disse...

Magnífico. Magistrais as imagens que vc usa. Só quem nunca se apaixonou pode não se identificar. Sabe, pode ser que aconteça agora. Depende de como as coisas vão se desenrolar. Mas como estado muito perturbada, não sei se será bom, se saberei lidar, sei lá. Queria que só ele me atormentasse antes do sono, mas meus fantasmas voltaram a me assombrar. Tô assustada...
Obrigada por escrever traduzindo mais que línguas, sentimentos em palavras.
Bjo.

Anônimo disse...

"Apaixonar-se é lançar-se precipício abaixo."

Pois é... Ah, se eu soubesse...
O pior é que a gente sabe que é assim. E fica ali, na pontinha dos pés, na beiradinha do precipício, pula-não-pula.

Você disse que amor era pros outros e não pra você. E agora se descobriu não imune a ele.

Eu disse, paixão nunca mais.

E o maldito do precipício...