29.3.09

Às vezes,
tudo o que se precisa
é que o outro saiba
que tudo que se precisa
é que o outro caiba
naquilo que se precisa.

Às vezes,

tudo o que se quer
é que o outro queira
o que a gente quer
que ele queira
o que a gente der
e queira se dar
se puder.

22.3.09

Damn you, copycat! (The chronophage)

Em 2005 eu criei um post chamado time-eater e, hoje, procurando por ele no google (que me levou até o Sisifo's Curse, que eliminei, mas ainda consta no cache), encontrei uma coisa que me deixou de boca aberta.
Inspirei meu post da época em um conto do Stephen King, em que um monstro de grandes dentes comia literalmente o tempo que ficava para trás (o Stephen King chamava "a coisa" de Langoliers, em Four Past Midnight, uma coletânea de quatro histórias fascinantes).
Agora (na verdade, no fim do ano passado), vêm o Stephen Hawkins e John C. Taylor com a novidade que mescla essas idéias.
Fascinante e assustador.
O site da BBC e outros chamam o chronophage de Time-Eater, a tradução literal do nome do bichinho. Um relógio que come o tempo e, pelo menos para mim, faz pensar no horror que é não aproveitá-lo direito.
Vou ter de pedir direitos autorais :-)

9.3.09


Tu me encontrarás nas palavras, na penumbra que te descrevi, nos poemas que não te escrevi (tudo já estava lá - os desejos, a vontade, a ânsia do inesperado - até que chegaste).
Tu me verás (ponto de interrogação), aparentemente me aceitarás, nunca entenderás.
Eu sou aquela que puxa fios de marionetes invisíveis e arma um teatro de ilusões e fantasmas para te agradar. Sou quem se despede curvando-se em mesura ante a tua beleza e, já na porta, ainda olha para trás - tu, miragem, continuas na minha frente (o tempo todo na mente) enquanto a porta se fecha.
Sou a mulher-menina, que cora ante a descompostura, pede desculpas sempre, rói as unhas e sente lágrimas nos olhos - mas puxa o vestido, incerta, dá um sorriso vacilante e se levanta, esconde-se e espera que tu a procures (se vieres, quando vieres, se quiseres, se te deres).
Sou a dos desencontrados desejos (por minúcias, às vezes), minutos contados de tua ânsia satisfeita - a minha, desatenta, se deixa levar por mais sonhos, pra te fazer suspirar.
Sou aquela que ajeitarás no meio dos teus pertences, misturada a tantos outros sussurros que não ouves. Tu fecharás a gaveta e me esquecerás, sem suspeitares que minhas letras sempre foram tuas (eu não sabia - sentia) e que me escorro líquida em teu corpo, minhas palavras expulsas no teu prazer.

19.1.09

Diário de Uma Mulher Comum - Capítulo XVI

Dez horas.
Acordo espontaneamente. Não é tarde, para quem só foi dormir às 6. Além do mais, havia faltado luz e o rádio-relógio pisca-pisca com um horário incerto e duvidoso. Não é aquela, a hora, mas já é hora de levantar, quando vejo que o celular tem hora precisa (e precisa?, quase não o uso).
Aliás, desde o momento em que desperto eu já começo a gastar.
Antes do café:
Ligar computador. Limpar a caixa dos gatos. Botar ração. Botar água. Dar comida pra tartaruga. Varrer em volta da caixa dos gatos (eu havia esquecido). Escovar os dentes. Lavar o rosto. Torcer pra chover. Botar água para esquentar.
Escrever email cobrando com todos os argumentos o cliente da Tailância que me deve há 65 dias. Não creio em más intenções. Que las hay, las hay, pero...
Tomar café enquanto vejo que o cliente JÁ respondeu (dez minutos!). Pretende pagar parcialmente.
Lavar louca de ontem.
Resolver se mesmo com dúvidas e dívidas eu compro aspirador de pó. Cansei de ver belos tapetes de chochê grossos de pêlos (não tem mais acento em pêlo, né?) de gato.
Tomar banho e ir ao shopping comprar ingresso pro show da Alanis dia 10 de fevereiro (antes disso, trocar de roupa três vezes - nada me satisfaz, mas na verdade eu não estou satisfeita é com o corpo que antes dos cinco quilos que ganhei de um ano pra cá, ficava lindo em qualquer roupa).
A-há! Peguei vocês.
Não é pra mim. Não vou ver Alanis. Não vou a show nenhum. É pra um colega de Brasília que me pediu o favor.
Comprar aspirador e ter uma idéia financeira ótima.
Passar no banco pra ver se a idéia financeira pode se concretizar.
Nope. Pra tirar empréstimo, preciso atualizar meu cadastro. Pra isso, preciso comprovação de renda. Se tenho trocentos clientes, mas pouca comprovação, azar o meu. Pode ser uma declaração de contador.
Em casa, ligo pra contadora.
Suspiro. Se eu fosse pedir recibo dos muitos para quem trabalho para pedir o empréstimo, também morreria pagando I.R. Então, sem I.R. e sem empréstimo.
Quando a solução é mais trabalhosa que o problema, fica-se com o problema.
Aspirar o tapete, agora pensando que foi bobagem não poder conviver com pêlos (sem acento?) de gato, já que estou duzentos reais mais pobre só pra ter tapete limpo.
Ver que o cliente da Tailândia não depositou minha grana (parcial) no Moneybookers coisíssima nenhuma.
Descer, comprar mais terra de gato, mais ração de gato, e esquecer de comprar o café, que precisava tanto quanto.
Pensar em ligar pra filha em férias com seu pai, mas desistir porque ela deve achar que sou um pé no saco, ligando de dois em dois dias. Ela? Não liga nunca.
Passar café com o que resta de pó. Preguiça de voltar à rua pra comprar mais.
Pensar em como pagar o resto do atraso do colégio da filha (felizmente, minha única dívida -- mas COMO incomoda!!!!).
Raciocinar que trabalho eu tenho. Só tenho que trabalhar mais ainda.
Ler email de um moço perguntando onde é que eu ando, e se nunca penso em amor.

Hein?

Ãh?

Amor é um troço assim meio colateral, que aconteceria se eu tivesse dois minutos para pensar nisso e ao menos uma hora por dia para dedicar a alguém. Amor é um negócio que pode -- ou não -- acontecer comigo, mas altamente improvável.

Enquanto isso, meu gato preto quase despenca de cima do roupeiro da filha (já sei: o aspirador servirá pra limpar a boneca Emília, sobre a qual ele acampa há 5 dias). Ele me vê, fica alucinado de paixão e quase se atira pro meu colo.

Miau. Te amo.

Puxa.

Ainda bem.

Melhor que nada.

10.1.09

Minha mãe ao telefone falando com meu irmão, enquanto eu escuto bem distraída. Diz ela:


- Ah, dona Maria está mal, é? E o que vão fazer?

Após uma pausa, ela diz:

- Mas por que tu não amarra bem apertado? De pé mesmo! Amarra bem, enfia num saco preto desses bem grandes e joga num canto, tu tem espaço, não vai atrapalhar ninguém!

Eu pergunto:

- Pra que fazer isso com a velha?

Ela cai na gargalhada. Como eu conheço bem os papos caóticos da nossa família, nem preciso perguntar nada, mas ela explica mesmo assim:

-- Ele diz que a dona Maria foi pro hospital e que está atrapalhado desmontando a árvore de Natal, que é grande demais e não sabe o que fazer com ela.

(pano rápido)

7.1.09


Eu tenho uns sonhos guardados em um baú.
Estão amarelando.
Tentei escrever diário -- em um caderno.
Doeu-me a mão.
Queria ter o cheiro do papel, o rolar da caneta, a tinta, minha letra.
O pensamento ficou confuso.
A mão, vagarosa.
A letra, trêmula.
A tinta, falha.
O papel, longo demais para pouco tempo e tanto a contar.
Como é que ponho um link na folha?
Como vou transmitir o sorriso sem um smiley?
Ah, cadê o copiar e colar?
Delete?
Puxa, vou ter de imprimir aquela foto pra colar ali. Com cola!
Oh, Deus, minha mão só tem uma fonte e é sempre em itálico!
"Bold" só tendo a coragem de escrever três vezes por cima da palavra.
Como é que minhas letras, todinhas iguais, sem recursos do teclado, conseguiam transmitir minha emoção, tempos atrás? Minha vida era feita de uploads maciços de sentimento, não de downloads de programas.
Os programas, eram os da TV. Que eu não via. Tinha muito a viver.
Audazes escritores de antigamente.
Mas também, não precisavam responder 50 e-mails por dia.
Nem deletar spams.
Nem tentar ignorar papo-furado no MSN.
(Nem pagar a banda larga e a conta de luz)
A vida anda acelerada demais para saudosismo.
Bom dia, notebook -- feito de componentes eletrônicos, não de polpa de árvore.