31.7.05

Time-Eater




















Algumas pessoas vivem no, para e pelo passado.
Referem-se a ele, sempre. Mencionam tempos gloriosos. Agruras. Frustrações. Recordações de amores. Parecem estar sempre apenas com um pé enfiado no agora e todo o resto (coração, mente) nos dias que já se foram.
Detesto o passado.
Não detesto o que passou, mas detesto lembrar o passado.
Eu não vivo o passado. Não escuto uma música e fico relembrando “um grande amor” e revivendo aquela época. Não vejo o nome de um antigo colega de trabalho no Orkut apenas para ficar horas discorrendo sobre “aquele tempo”.
Eu não suporto viver do que já passou.
Sou dez. Dez Dayses, dez fases de vida, dez mulheres em dez fases e tempos diferentes, e sempre preferirei a de agora e mais ainda a de amanhã.
Não ouço mais as mesmas músicas que ouvia dez anos atrás (pelo menos 90% delas enfiei na lata de lixo mental), não uso o perfume que usava dez anos atrás. Não tenho o mesmo homem que dez anos atrás. Não moro na mesma casa que dez anos atrás.
Se insinuam que sou uma fugitiva de mim mesma, posso sacudir os ombros e responder: “So what?” Não me importo com o que pensavam de mim há dez anos e não me importo com o que pensam hoje.
(Confesso que sou vergonhosamente independente, mental, financeira e emocionalmente)
Na minha vida, há uma única constante: a família
Acredito que nossos passos vão se apagando no tempo, nossas pegadas precisam sumir e jamais devemos repisá-las. O único caminho é em frente.
Não lamento nada. Engulo as lições, jogo fora os bagaços e assimilo os frutos da aprendizagem. E sigo em frente.
Creio que os dias são curtos demais, a vida é absurdamente pequena para tanto que se quer e o coração está sempre ansioso demais por bater, para que se perca tempo reprisando filmes (é, raramente assisto reprises), ouvindo milhares de vezes a mesma música com a mesma emoção (ouça-se, mas com emoções diferentes a cada vez), tentando acertar durante anos a fio com uma mesma pessoa que se mostrou a errada desde o início, apanhando na cara, metaforicamente, por tentar capturar uma sombra fugidia de quem já fomos.
Stephen King criou uma história na qual um monstro indizível, invisível, incrível, engolia com um ruído estrondoso tudo o que já havia passado, quando o dia anoitecia.
Sou assim.
Sou minha própria time-eater – eu devoro meu passado para que ele não acabe por me devorar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Também não tenho saudades do MEU passado, apesar de bom. Vejo cada dia como um degrau que se sobe, ou que se desce. Do passado ficaram só as lições de meus erros para não os cometer novamente hoje e tentar acertar o alvo amanhã. Penso que viver é como caminhar no deserto, as pegadas que ficaram atrás de mim o sopro do tempo apagou: não há como voltar, não há por que voltar. Tenho só que seguir em busca de meu próprio horizonte. O resto, como já disse alguém, é poesia.

Anônimo disse...

Rola, pedra.
Eu fico impressionada, todas as vezes em que aqui venho. Mas isso você já sabe.
Li todos os posts que ainda não havia lido. Eu poderia tê-los escrito. Mas isso você já sabe também.
Talvez você saiba it all, Daysoca.
É. Acho que você sabe.

Anônimo disse...

Lindo, lindo. Há dois meses, eu não concordaria com você, há dois meses eu acho que engolia as pedras erradas. Muito carinhoso e sensível seu comentário, ele é recíproco... Beijos.

Anônimo disse...

Pipocou um pedaço de música na minha cabeça: Bobby McGee. Nao sei por quê. A voz da Baez talvez, tao rasgada e do fundo da alma.

Coloquei muita coisa no porão da minha mente, mas adoro conversar com gente bem bem velhinha. Adoro história.
Agora como é que faço funcionar o 'filtro': o que quero lembrar e o que quero deixar no porão?
Arrisca a ficar tudo por lá.
beijocas - Su

Anônimo disse...

O que é que eu faço, querida Dayse, à noite, senão me lembrar do passado recente. Minha vontade é mergulhar no futuro, mas não consigo ser indiferente ao fatos ocorridos. ;) Beijos!