5.4.17

Breve Biografia Tosca




Dela dirão, um dia, que foi a moderna escrava de classe média. Que obrava como um Jó, mas era dura de dar dó e se iludia que isso era apenas um estado passageiro - tanto a penúria quanto o pesado fardo.

Que sentia mais falta, às vezes, dos livros que as pessoas.

Que queria ser santa, mas na primeira vez que riram da ideia, desistiu.

Que gostava de ser caridosa, mas na quinta vez em que a lograram, fechou a mão.

Que pensava ser sexy, mas na quinta década da vida descobriu que havia duas já não podia ser.

Dela dirão que era modesta, humana e sensível.

(Outros dirão que era dissimulada, santarrona e chorona).

Que gostava de palácios, mas seria feliz com a choupana.

Que invejava os viajantes, mas desejava mesmo era apenas um jardim.

Que se enternecia pelos amantes, mas foi sozinha - até o fim.


Dela, dirão que passou como todos passam, pensando que de algum modo poderia ser eterna.
Mas passou.
E rirão um risinho comísero, de lado, baixinho.
Dela brotaram poesias, transpirações ameaçando a inspiração,
E por fim a inação. A espera.
Contentou-se em passar.
(Entendeu que a vida, afinal, é só isso)

3.4.17

Kumbalawé

Fazia mais de um ano que eu não escutava Cirque du soleil, e ao escutar os temas dos seus espetáculos, lembro que existe beleza, serenidade e tranquilidade bem aqui, no íntimo da gente, se deixarmos.
Ao escutar Kumbalawé eu me reencontro comigo, como ocorre sempre que escuto Cafe del Mar, Incognito e coisas do gênero. É estranho escutar essas mesmas músicas que eu ouvia quando a vida era "outra". Antes da perda.
Quando a gente perde a mãe (e quando já não se tem pai, mind you), é como se aquele que fomos sofresse uma metamorfose. Como se minha cara já não fosse mais aquela que eu tinha "antes". A de antes não poderia supor que houvesse um sofrimento assim; a de antes era a filha, e hoje não é mais filha de ninguém; a de antes sentia-se responsável por cuidar de alguém mais velho (hoje só cuida de alguém mais jovem); a de antes parecia mais bonita, mais rica em todos os sentidos, mais cheia de futuro.
É esquisita, essa metamorfose.
Minha mãe nunca vai me ver mais velha, e eu nunca mais poderei vê-la. Ponto.
A vida é mais forte que a dor.
Se eu pudesse dar apenas um conselho para minha filha, ou para qualquer ser humano, seria:

"Seja boa."

Da bondade pura nós nunca nos arrependemos.

Nossa consciência nunca doerá, ante a iminência da perda de alguém que amamos, se soubermos que demos o melhor de nós, sempre.

Seja boa, seja bom. Com você mesmo, com os outros e com Deus, não culpando a Ele pelo que Ele não causou. Seja boa e entenda que a vida é feita de dor, de sorrisos e de amor, e que no fim, só o que resta é o bem que fizemos (o que nos fizeram pesa bem menos).

Pense nos outros, antes de pensar em você, porque ao fazer isso o seu próprio sofrimento se torna menor (não o contrário).

Pense em você, sim, apenas quando outros quiserem passar por cima dos seus direitos, mas pense em você como alguém que pode se defender sem que isso fira o outro ou a você mesmo.

Convença-se de que as palavras têm força, sim - muito mais que gritos sem sentido, gestos agressivos ou choro descontrolado.

Convença-se de que na maioria das vezes a voz calma e palavras sensatas, gestos mansos e o coração aberto para o outro aliviam todas as dores.

As suas.

E as do outro.

Seja bom, porque se a vida não for muito boa em retribuição à sua bondade, como será, se você for mau?

6.1.17

A raiz da bondade



Às vezes, as expectativas que tínhamos em relação a outras pessoas não eram, realmente, em relação a elas, mas a nós mesmos.
Como em: "Se fulano fizer isto e aquilo, eu poderei (preencha com o que você quiser).
Como em: "Se fulana (for, fizer, falar, me der), eu me sentirei (feliz, gratificado, recompensado, liberto, vingado).
Todo comportamento voltado para o outro é, de fato, um ato egoista.
Visa aumentar nosso amor próprio. Perpetuar nosso bem-estar. Prolongar nossa satisfação. Nos liberar de obrigações.
Nenhum ato de caridade é gratuito.
Nenhum.
Sempre há a expectativa de alegrar ou ajudar alguém, obviamente, mas a razão vai mais além. Fazemos o bem na esperança de que o ato gere réplica, alcance outras pessoas (não necessariamente aquela que ajudou), como em uma corrente. Fazemos o bem esperando, no mínimo, gratidão (não recompensa monetária, se não foi estipulado que haveria a devolução). No mínimo, um resultado que nos faça pensar: "Valeu a pena".
Quando se faz o bem, o que menos importa é a devolução, mas gratidão é de graça.
Gratidão significa: espalhar a bondade. Cumprir o prometido (ou se esforçar), utilizar o que se recebeu (um gesto, um valor, uma atitude, um conselho) para melhorar nossa alma, não nosso bolso.
Então: não há doação sem expectativa.
Me desculpem, mas não há.
Há, no mínimo, a expectativa de fazer alguém feliz - e se isto ocorre, nós também ficamos felizes, o que é o maior "egoismo", francamente, o dar para receber.
;-)