8.7.05
























Um dia te olhas no espelho e perguntas: “Onde foi parar aquela menina, aquela adolescente? Que fim levou aquela mulher jovem que ainda ontem tinha o rosto mais cheio, nenhum vinco na face e o corpo mais firme?”

Um dia te sentes triste.

Te perguntas onde foram parar os dias, e todas as aventuras que querias viver, e todos os teus amores – olha só, todos casaram, separaram, sumiram no mundo, eles que te amaram, foram deixados ou te deixaram – cadê?

Um dia pensas que eles também se perguntam onde foram parar os cabelos. Como é que essa barriga indecente apareceu. Quando foi que as pernas musculosas viraram obras já não tão admiráveis da Mãe Natureza?

Um dia, te olhas no espelho e, no meio da lamentação, tu paras.

Teu olho esbarra numa mulher.

Dos teus lábios que já foram mais cheios, vem surgindo um sorriso. E o sorriso safado e esperto não estava ali, vinte anos atrás. Não poderia estar, porque a mulher que te olha no reflexo não podia existir.

Essa mulher que te olha andou muitos caminhos, interiores e externos. Percorreu trilhas de vontades insatisfeitas, decorou o corpo com lágrimas de amantes entre seus seios – estão lá, escondidas –, percorreu mundos imaginários e se deliciou com possibilidades, imaginou projetos disparatados, prometeu a si mesma ser feliz.

Um dia, essa mulher linda e mais velha te sorri no espelho, e seus olhos têm uma luz que não havia anos antes. Ela sabe que seu corpo agora é conhecedor de todos os segredos do amor, possuído e dono dos desejos alheios, mestre na arte de domar a febre para redobrar a paixão.

Nesse dia, essa criatura de cabelos vermelhos e crespos te encara e tu a olhas, finalmente, de frente e sem medo. Te descobres apaixonada por ela. Adoras seus traços, não sentes mais medo, porque as piores rugas que poderiam ter surgido – as da miséria, ganância, ruindade e mau-caráter – nunca apareceram. São adoráveis as linhas deste rosto que ainda guarda uma agradável suavidade e uma lembrança da menina bonita que já existiu neste corpo maduro e nessa cara lavada.

Ali, bem na tua frente, descobres a mulher que sempre quiseste ser. Te orgulhas do que ela conquistou, sabes que sentirias inveja se não fosses tão íntima dela. Vês o que desejavas ver quando sonhavas em ser ela, mas não imaginavas possível.

Um cisne nunca deixa de ser um cisne, ainda que mais velho.

E tu cumprimentas essa mulher do espelho com um “olá” divertido e faceiro, sussurrando bem pertinho dela, cara-a-cara, olho no olho:

“Keep that fire burning, baby. Never, never forget that flame.”

Enquanto o fogo arder e tu mantiveres a chama, essa mulher que te olha em qualquer reflexo te amará também.

6 comentários:

Anônimo disse...

Li seu último texto - simplesmente o
máximo!
Faço minhas as tuas palavras, com muita honra! Eu mesma me sinto desse mesmo
jeito!
Parabéns!
Um abraço,

Anônimo disse...

Lindo, Dayse. Simplesmente genial.
Olhar-se com ternura e contentamento é pura felicidade!

Anônimo disse...

Excelente, lindo e texto e linda V. Obrigado.
Abraço.

Anônimo disse...

Dayse, sempre que olho no espelho procuro pensar "você é a pessoa mais importante do mundo"!Lendo o seu texto só fiz confirmar esse pensamento. Gostei demais! Um abraço amigo, Lúcia.

Anônimo disse...

Temos que nos amar em 1º lugar, sempre. Mas às vezes é difícil né.
Bjos.

Anônimo disse...

Pat:

Não é difícil, não (se fosse eu não teria escrito o post). Se estás crescendo, fazendo o possível para viveres plenamente, amando aos teus, perdoando, te enriquecendo emocionalmente (até com as dores), daqui a vinte anos poderás te olhar no espelho e te amar assim. Escrevi o post pensando em mim quando tinha a tua idade ou menos. Então, só me amo assim de uns anos para cá (três ou quatro).