Para quem é louca por tecnologia e metida a técnica, como eu, nunca falta um cantinho da casa onde acumulam-se coisas do passado recente (tudo muda tão rápido!) -- cabos, extensões, conexões, aparelhos dos quais se podem aproveitar peças.
Vou ao balcão procurar um cabo de TV para trocar aqui no meu aparelho do quarto e, remexendo, encontro o tal cabo -- dois deles, até, e a minha velha secretária eletrônica. Está ali, e não lembro por que não a joguei fora. Exceto pelo adaptador, eu acreditava que não serviria para nada.
Por via das dúvidas, ligo na tomada e tudo acende. Inclusive o mostrador de mensagens gravadas que eu quis guardar um dia. Quatorze delas, supostamente importantes.
Vou voltando, da décima quarta até a mais antiga (todas de 2004). O primeiro contato da minha editora preferida que chegou até meu nome não lembro como; a voz da minha mãe dizendo "Hora de acordar!", meu anjo de Los Angeles ligando três vezes e reclamando, com sua voz grave, que primeiro só dá ocupado e quando finalmente acha que vai falar comigo, cai na secretária (tempos de conexão discada com a internet, baby); a voz da minha Letícia, então com 9 anos, me ligando da casa do seu pai para dizer "Mãe, só vou voltar depois do almoço, tá?" e então...
Aquela ligação sempre havia sido um mistério para mim.
Era um sussurro, apenas. Eu sabia quem era. Mas não entendia o que ele dizia, após o "Dayse, me liga." Era mais que sussurrado, o que ele subitamente suspirava no telefone, como se contasse um segredo medonho. Era dito de um modo que só poderia ser interpretado como "Tchau".
E hoje, ouvindo meia dúzia de vezes, em volume alto, subitamente entendi.
"Dayse, me liga.................. eu te amo".
Dekka, está aí o teu "E se". E se, em 2004, eu não tivesse bloqueado a minha mente e tivesse escutado o que H. realmente havia dito? E se, furiosa com ele, como sempre, eu não tivesse resolvido acreditar que era um "tchau" entrecortado, quase inaudível, como uma voz de espírito naquelas fitas horrorosas que circulam na Internet (transcomunicação, eles chamam)? Devo ter ouvido duas vezes apenas aquela mensagem, na época, e deixado para lá. Por que perderia meu tempo com aquele materialista que só pensava em comprar coisas e preferia mostrar objetos a mostrar seu interior? Devia ser um "tcha-au", a voz quase inexistente na gravação.
Não era. Era um "eu te amo", dito rapidamente, com medo até de pronunciar as palavras.
Que diferença faz isso agora?
Acho que nenhuma, como já te disse, Dekka. Porque se preferi não escutar a declaração na época, foi por não acreditar nela. E se é repetida agora por escrito, quase quatro anos depois, apesar de talvez ter sido real na época e ainda ser, agora.. os motivos para "não escutar" talvez sejam os mesmos.
Depois de manter minha boca aberta por uns 15 segundos, espantada, calei o fantasma do murmúrio eletrônico e joguei o aparelho de telefone fora, porque não carregou a bateria e, quando o abri, estava tudo enferrujado. Mas mantive a base com as mensagens "inesquecíveis". Talvez um dia eu esqueça por que pareciam inesquecíveis. Talvez um dia eu entenda por que dou tão pouca importância a esse fantasma de corpo bom, mas mente tortuosa, que me assombrou um dia e retorna sempre -- por músicas que escuto, por pequenas dores lembradas e por assaltos súbitos de desejo inoportuno.
A alma, meu demônio. A alma. Quando a entregares, talvez...
2 comentários:
Darling...
"...love is just e four letter word..."
When Angels Cry, Janis Ian
Gente, o E Se dá pano pra manga.
É interessante. Nunca, em momento algum, eu questiono E Se no passado. Não sou pessoa que se arrepende do que fez, não. Nem me preocupo com o E Se Eu Escolhi o Caminho Errado.
A gente sempre escolhe o certo, acredito nisso do fundo da alma.
O meu E Se é até eu chegar na escolha, entende? Sei que vou escolher o certo, mas E Se Eu For Por Este Caminho? E Se Eu For por Aquele? O que acontece aqui, e o que acontece ali? É como se tentasse eu mesma fazer a previsão do tempo da minha vida, pra tomar o caminho que tem mais sol.
Mesmo assim, mesmo escolhendo o caminho mais verdinho e ensolarado, a chuva vem de vez em quando pra testar a minha escolha: E Se Você Tivesse Tomado o Outro Caminho. Ah, amiga, mas aí eu visto minha capa de chuva linda de morrer, coloco umas galochas, dou uma sentadinha na beira da estrada e desafio a chuva: quem vai embora primeiro, hein chuva?
;-)
Beijo grande!
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