28.12.16






Dentro de casa faz 32 graus, antes de eu me refugiar no ar condicionado para trabalhar.

Sem mais nem menos, sentindo o bafo pegajoso do calor, lembro de minha vovó por parte de mãe, a Dona Norma, que faleceu mais de vinte anos atrás por um motivo bobo (escorregou em um degrau pequenino, quebrou a bacia e nunca mais se recuperou).
Minha infância:
Pegar dois ônibus no verão tórrido com minha mãe e meus irmãos para ir visitá-la em Novo Hamburgo.
Descer do ônibus às vezes no meio do caminho para comprar remédio antienjoo pra mim, que tinha pavor do balanço do ônibus.
Ir sofrendo até lá, apenas para, ao chegar naquele chalé muito pequenino de madeira simples, encontrar a familharada toda já lá, espremida em volta da mesa com cadeiras que, exceto por uma cristaleira pequena e um balcão (de onde eu retirava livros policiais do meu avô pra ler e não morrer de tédio), era só o que cabia na sala muito pequenina, sem TV, sem sofá, sem abajur, sem conforto.
Durante o café fervendo e os bolos, pães, cucas, as tias fofocavam e as vozes iam se elevando em alegres histórias e risadas, muitas risadas.
Minha vovó (nunca a chamei de vó, só "vovó") não parava. Praticamente não sentava.
Da sala, ia para a minúscula cozinha pegar mais isto e mais aquilo, voltava à mesa e repetia, inúmeras vezes: "Mais café?" E eu tinha de botar a mão sobre a xícara para impedi-la de me servir mais.
O calor naquela sala era lendário, indizível, impossível, mas por carinho e consideração umas pelas outras, as irmãs da minha mãe faziam de conta que não o sentiam.
Eu, que já não gostava de bolo ou cuca, em pouco tempo me satisfazia e, já que as vozes femininas agudas e altas me deixavam cansada e o calor parecia que iria me consumir e assar, me refugiava na também pequena área coberta nos fundos, onde, em torno de uma mesinha apertada, meu vovô e seu irmão (meu tio-avô que me intimidava) e às vezes um ou dois tios, jogavam cartas e quase sempre escutavam futebol no radinho de pilha. Meu vovô me dava uma piscadinha, cúmplice da minha escapada, e eu ficava ali, lendo Ellery Queen e sentindo o cheiro do cigarro "Tufuma" sem filtro do meu avô.
Minha vovó não tinha absolutamente nenhum luxo e não os desejava. Praticamente no fim da sua vida, já sem meu vovô, ganhou um televisor. Nunca teve máquina de lavar (lavava roupa para fora, no "muque" mesmo), nem ventilador, ao que me conste. Suas roupas eram vestidinho retos, floreadinhos e com botões pequenos. Sempre o mesmo modelinho, com um casaquinho no inverno.
Era uma pisciana das mais típicas - generosa, mas mortalmente azeda e mal-humorada com crianças barulhentas e invasões na sua vidinha.
Acredito que aquelas visitas à minha vovó na infância moldaram meu pavor a ambientes abafados, lotados e com conversas altas, rápidas e confusas.
Mas a lembrança fica, com amor pela vó que por menos dinheiro que tivesse sempre dava um jeito de receber bem e me presentear em Natal, Páscoa e aniversário, e pelo vovô com cheiro de cigarro, de olhos verdes aguados que me chamava de "bonecra" e pelo qual - confesso - eu era apaixonada, já que foi o primeiro homem que me amou com cumplicidade, gestos e palavras (meu pai não demonstrava amor).

2 comentários:

Jonas Bloque disse...

Dayse Baptista.
Falas contigo mesma, como costumavas fazer nos cadernos, teus amigos diários.
Onde andas?
Há amigos que se desgarraram dos caminhos que trilhaste.
Entendo tuas dores.
Teu amigo quer falar contigo, se permitires.
Teu amigo, Michelotti.
Vamos conversar?
Just get in touch if you will.

Jonas Bloque disse...

Dayse Baptista.
Falas contigo mesma, como costumavas fazer nos cadernos, teus amigos diários.
Onde andas?
Há amigos que se desgarraram dos caminhos que trilhaste.
Entendo tuas dores.
Teu amigo quer falar contigo, se permitires.
Teu amigo, Michelotti.
Vamos conversar?
Just get in touch if you will.
jbloque@gmail.com