Dez horas.
Acordo espontaneamente. Não é tarde, para quem só foi dormir às 6. Além do mais, havia faltado luz e o rádio-relógio pisca-pisca com um horário incerto e duvidoso. Não é aquela, a hora, mas já é hora de levantar, quando vejo que o celular tem hora precisa (e precisa?, quase não o uso).
Aliás, desde o momento em que desperto eu já começo a gastar.
Antes do café:
Ligar computador. Limpar a caixa dos gatos. Botar ração. Botar água. Dar comida pra tartaruga. Varrer em volta da caixa dos gatos (eu havia esquecido). Escovar os dentes. Lavar o rosto. Torcer pra chover. Botar água para esquentar.
Escrever email cobrando com todos os argumentos o cliente da Tailância que me deve há 65 dias. Não creio em más intenções. Que las hay, las hay, pero...
Tomar café enquanto vejo que o cliente JÁ respondeu (dez minutos!). Pretende pagar parcialmente.
Lavar louca de ontem.
Resolver se mesmo com dúvidas e dívidas eu compro aspirador de pó. Cansei de ver belos tapetes de chochê grossos de pêlos (não tem mais acento em pêlo, né?) de gato.
Tomar banho e ir ao shopping comprar ingresso pro show da Alanis dia 10 de fevereiro (antes disso, trocar de roupa três vezes - nada me satisfaz, mas na verdade eu não estou satisfeita é com o corpo que antes dos cinco quilos que ganhei de um ano pra cá, ficava lindo em qualquer roupa).
A-há! Peguei vocês.
Não é pra mim. Não vou ver Alanis. Não vou a show nenhum. É pra um colega de Brasília que me pediu o favor.
Comprar aspirador e ter uma idéia financeira ótima.
Passar no banco pra ver se a idéia financeira pode se concretizar.
Nope. Pra tirar empréstimo, preciso atualizar meu cadastro. Pra isso, preciso comprovação de renda. Se tenho trocentos clientes, mas pouca comprovação, azar o meu. Pode ser uma declaração de contador.
Em casa, ligo pra contadora.
Suspiro. Se eu fosse pedir recibo dos muitos para quem trabalho para pedir o empréstimo, também morreria pagando I.R. Então, sem I.R. e sem empréstimo.
Quando a solução é mais trabalhosa que o problema, fica-se com o problema.
Aspirar o tapete, agora pensando que foi bobagem não poder conviver com pêlos (sem acento?) de gato, já que estou duzentos reais mais pobre só pra ter tapete limpo.
Ver que o cliente da Tailândia não depositou minha grana (parcial) no Moneybookers coisíssima nenhuma.
Descer, comprar mais terra de gato, mais ração de gato, e esquecer de comprar o café, que precisava tanto quanto.
Pensar em ligar pra filha em férias com seu pai, mas desistir porque ela deve achar que sou um pé no saco, ligando de dois em dois dias. Ela? Não liga nunca.
Passar café com o que resta de pó. Preguiça de voltar à rua pra comprar mais.
Pensar em como pagar o resto do atraso do colégio da filha (felizmente, minha única dívida -- mas COMO incomoda!!!!).
Raciocinar que trabalho eu tenho. Só tenho que trabalhar mais ainda.
Ler email de um moço perguntando onde é que eu ando, e se nunca penso em amor.
Hein?
Ãh?
Amor é um troço assim meio colateral, que aconteceria se eu tivesse dois minutos para pensar nisso e ao menos uma hora por dia para dedicar a alguém. Amor é um negócio que pode -- ou não -- acontecer comigo, mas altamente improvável.
Enquanto isso, meu gato preto quase despenca de cima do roupeiro da filha (já sei: o aspirador servirá pra limpar a boneca Emília, sobre a qual ele acampa há 5 dias). Ele me vê, fica alucinado de paixão e quase se atira pro meu colo.
Miau. Te amo.
Puxa.
Ainda bem.
Melhor que nada.
2 comentários:
Hmm, é uma descrição de um dia na vida da Dayse...um dia que parece ter uma melancolia constante, com alguns picos de pressa e ação e concretização e que termina com considerações sobre o amor...que apesar de ainda ser algo de melancolia, é um tanto "sábio" e sem resistência, deixando que o que é apenas seja...É assim que eu gostaria de levar minha vida o tempo todo: deixando o que já é simplesmente ser...e assim sendo também...quase me senti poético hehe, o que nunca fui.
Você é uma mulher incomum, aí que está a jogada. Beijos!
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