30.8.05

Guardei teus olhos verdes na gaveta e tua última carta também. Engraçado como se pode andar por aí com uma adaga enfiada no peito durante mais de três anos, sem ninguém perceber. De vez em quando, um suspiro – era só isso o que me permitia fazer, quando fechava até em cima os botões da roupa para que não vissem a chaga.
As fotografias provam que fomos felizes.
As imagens mostram que te amei.
Como nunca percebi, antes, que nas fotos tu prometias abandono e teu olhar não tinha o brilho do meu?
O Correio me traz notícias de quem nunca se interessou por mim. Meu Deus, que coisa antiga, uma carta!
“E não esquece que te amo, viu?” – dizes com letra caprichada e isenta de emoção (nem um tremorzinho sequer?!), depois do início com “Não quero brigar” e de, então, discorreres sobre ti mesma em quatro páginas, sem tocar uma vez sequer em qualquer coisa que me explique como é que alguém que se amou como se a uma filha durante praticamente a vida inteira de repente se afasta da gente, começa a tratar mal, sem explicação, absolutamente sem razão.
Não esquecerei que me amas. E tentarei ficar longe de quem quiser me amar assim. Com amores como o teu, é melhor não ter nenhum.
Hoje guardei meia-irmã, carta, sorrisos e o passado no arquivo.
Hoje tirei a adaga.
Tu estás bem. Na verdade, surpreendentemente bem (ter me machucado como ninguém mais conseguiu no mundo na verdade não te abalou e até parece que te fortaleceu).
Um dia, Viviane, talvez responda à tua carta em tom de comadre, como se nunca tivesses me matado, e também não perguntarei como estás, como tu nunca fizeste comigo. Se a ti só quem importa é tu mesma, para mim será difícil escrever uma carta na qual não pergunto de ti e não falo de mim.
Por isso levarei mais três anos e meio para responder tua carta. E quando a enviar, será uma folha em branco. Pela ausência de assunto, mesmo então.
Eu só queria uma explicação.
Eu só queria que me procurasses.
Se estás bem, fico feliz. Como a mãe que sempre fui, mesmo sendo apenas irmã, acho que é tudo o que posso desejar. Tu me mostras mais, a cada dia, que se deve amar sempre desinteressadamente.
Infelizmente sou muito humana e não estou tão perto do Céu quanto tu, com teus “irmãos” de religião e teu Deus que te ensina a ser cruel. Não gosto de amar sem retorno.
Tirei a adaga que andei carregando por três anos e meio só por pura raiva, hoje. Burra eu, andar por aí sangrando desse jeito como uma mártir, uma santa, quando nunca quis ser uma. Me recuso a esse papel.
Enquanto o ferimento cicatriza, tratarei de ser feliz e esquecer que te amei.

2 comentários:

Anônimo disse...

Assuntos de família, ninguém se mete. Só desejo que sejas feliz.

Anônimo disse...

Bela imagem a da adaga no peito... Muitas vezes é assim que nos sentimos, sem que ninguém perceba. Mas como pode ninguém notar?
Realmente amar assim não dá. Com isso tb tenho me afastado de muitas pessoas, e quase que fico só. Tem mesmo uma folha em branco. Falta de assunto, mas tb muita coisa a ser dita, escrita, pra preenchê-la, mas quem ama assim não quer.
Bjos, fica bem.