11.3.05

LEMBRANÇAS DE UM DIA DE CÃO I

Você sabe que está acordado há 36 horas quando...

Repete, a tudo que vê na TV: “Palhaçada, palhaçada!”

Ouve tudo como se seus ouvidos subitamente estivessem cheios d’água

Vê tudo como se seus olhos estivessem em chamas

Começa a chorar enquanto escuta algo supostamente alegre.

Começa a chorar quando nem escuta nada.

Começa a chorar como se nada mais no mundo tivesse cor, sabor, e você fosse o único ser vivo a perceber isso.

Sente-se carente, carente, carente, necessitado de alguém que te diga:

“Tu não és forte. Repete comigo: Tu não és forte. Repete comigo: Tu não és...”

Na verdade, desconfio que nada sou, reduzida a um computador que suga minha vida.

Por 36 horas.

Em 36 horas faz-se e se desfaz uma vida.

E eu continuo aqui.

Repete comigo: tu não és forte e um dia terás de mandar tudo isso às favas, mas enquanto isso, faz um exercício simples – fecha os olhos e DORME, criatura...

LEMBRANÇAS DE UM DIA DE CÃO II

...Então, um dia, te procuram e não te acham mais. Estás ali, aparentemente dormindo, mas já não abres mais os olhos. Esqueceste que pra fingires que estás viva é preciso abrir os olhos a cada manhã. Confundiste tudo – o lado de dentro e o lado de fora – e agora vives só no mundinho da tua cabeça, imersa em uma vida que, essa sim, te parece verdadeira. Teu corpo não sente necessidade de fingir com movimentos uma dinâmica que existe muito mais em teu cérebro do que jamais houve quando te levantas. Um dia te procuram, mas esquecem que já tinhas ido embora antes mesmo de ires dormir e nunca mais acordares sem que tivesses morrido. Apenas não queres ir, mas também não queres ficar.

LEMBRANÇAS DE UM DIA DE CÃO III

E aquela frase de Fight Club dizia que, sem horas decentes de sono, o mundo parece uma cópia de uma cópia de uma cópia.

Sei.

Sou uma cópia desbotadíssima, amarelada, ressecada e quebradiça de mim mesma.

LEMBRANÇAS DE UM DIA DE CÃO, IV

Uma vez dormi 19 horas seguidas. Sem motivo. Só dormi. Acordei achando que o mundo era novo. Tudo era mais brilhante, cheiroso, colorido. Lindo.

Outra vez, anos depois, dormi 23 horas seguidas (minha mãe, ao lado, só vinha conferir se eu ainda estava viva, mas ninguém jamais lhe disse que nunca estive, pobrezinha dela). Sem motivo. Apenas deitei e dormir. Idem, as sensações ao despertar.

Quero dormir 40 horas, agora.

BOA NOITE, mundo. Estou muuuuuuuuuuuito cansada e, francamente, não há nada melhor que, ao sentir-se assim, jogar-se de cara no nada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dayse, é por essas e outras que te adoro! :D Tô com saudade...

*Esqueceste que pra fingires que estás viva é preciso abrir os olhos a cada manhã.*

Qta gente faz isso, e nem sabe... Não é o teu caso.
E eu q pensei que dormia muito... Às vezes durmo bastante, pra esquecer da vida, fugir dela. E como me recriminam e julgam, meu Deus. Um monte de gente que só faz merda na vida, e só abre a boca pra falar merda tb. Boa noite. Qdo acordar, espero que as sensações sejam as mesmas, boas. Um gde bjo.