25.8.05



Recebo a notícia de que ela morreu em dezembro.
Eu mesma, tendo herdado um genezinho esquisito dessa que morreu, já sabia de sua partida antes mesmo que me contassem, de modo que não foi surpresa.
Em dezembro do ano passado passei por um período de luto sem morto – os que me conhecem intimamente sabem como é. Eu sou a mulher que anuncia: “Vai morrer alguém, logo”, ou “Fulano está muito doente, mas vai se recuperar”, ou “Vem coisa ruim por aí”. São bem específicos meus pressentimentos. Eu sou o urubu da família (e dos amigos mais próximos, né Paulo P.?), anunciando que está na hora de se despedir porque o trem ‘tá chegando e alguém tem de partir. Desde que me conheço (na verdade, desde os 12 anos), sou eu quem anuncia e vela os mortos quando nem eles mesmos sabem que já morreram, a partir do momento em que (sei lá por que meios) eu soube que para eles não é “vou morrer em um dia qualquer do futuro distante”. Para esses com quem sonho, é pra já. Sou eu quem descobre que fulano está com um problema sério no fígado, ao olhar para seus olhos. Que sicrana nem sabe ainda, mas está com o HIV... Que meu irmão se despede de mim três vezes, que aquilo está doendo, que já sinto saudade e sei que nunca mais o verei, e ele morre uma hora depois, macrobioticamente saudável, se é que isso é possível.
Para não parecer louca, direi apenas que em dezembro eu estava de luto, mas como em geral só sinto o luto, mas nem sempre sei por quem, escrevi no blog “Às vezes, a felicidade é saber que a próxima tragédia ainda não chegou”.
E descubro, no fim da semana passada, que ELA se foi. Em dezembro minha vó morreu louca.
Em agosto (pelo menos desta vez) não preciso mais anunciar que ela morreu. Nem que ninguém vai morrer tão cedo, como anunciei num agosto em que levei minha câmera no Dia dos Pais e avisei em casa: “Vou levar, porque será a última foto do meu pai”. Já falei sobre isso no post “Fotofobia”, aqui no blog.
Não sei para que serve esse conhecimento inútil de tragédias. Não me pergunto mais (já perguntei e só sei que serve para preparar a mim mesma, mais ninguém). Não questiono. Aceito, já que não se foge disso exceto enlouquecendo.
Ninguém receberá, jamais, a notícia de que eu morri louca. De qualquer coisa, menos de medo de enfrentar o mundo de lá e de cá.

P.S. 1 – Para os que não acreditam nisso, apenas ignorem-me que não levarei a mal. Isto não é brincadeira nem palhaçada, para mim.

P.S. 2 – Percebo, cada vez mais, que estou me tornando mais verdadeira neste meu blog, como um dia prometi ao Muso que faria. Também não sei se isso é bom ou ruim, nem aonde isso me levará. Não tenho (mais) medo de me revelar. A lucidez não depende de calar. Nem a loucura vem se falamos. Se minhas verdades às vezes são doloridas, se alguns se “queixam” que meus posts são “muito triiiiiissstessss”, que procurem risadas.
As minhas andam escassas. Meu senso de humor é outro, nem sempre compreendido por alguns na ironia de alguns posts, nos trocadilhos, no fundinho de um poema.

Que seja.

6 comentários:

Anônimo disse...

Acredito, sim! E respeito muito esses "feelings".
Um mês antes de meu pai morrer, no Dia da Criança, ele veio me visitar e eu, que sempre amei de paixão o perfume que ele usou a vida inteira, fiquei absurdamente nauseada, tive repulsa mesmo pelo cheiro. Achei estranho, senti uma angústia enorme dentro de mim. Lembro de ficar olhando a tarde inteira para ele em silêncio, tentando entender aquela angústia. Ele não estava doente. Não tinha nada. Um mês depois ele se foi. Ainda tenho "problemas" em sentir o cheiro do Eau Sauvage.
Lindo texto, querida. Incrível como a cada texto você se supera!

Anônimo disse...

Dayse, levei mais de dois anos para conseguir me relevar por meio de um post. Muitas vezes me retraio. Não suporto ser eu mesmo.

Anônimo disse...

Marcinho:

E eu estou acabando de tirar minhas roupas, meus disfarces, porque resolvi despir minha alma.
Não me importa se a "audiência" do blog cair.
Acredito mais em ser sincera comigo mesma (e com os outros) do que em parecer super-qualquer-coisa.
(na verdade, sem falsa modéstia, já me acho supertudo. Nunca foi fácil ser eu mesma, mas é mais fácil ser do que tentar não ser).

Anônimo disse...

Oi, Dayse.
Soubeste descrever muito bem esses sentimentos premonitórios. Às vezes também acontecem coisas parecidas comigo, mas acho que em menor proporção.
Na semana em que minha avó materna morreu eu estava muito tenso, tentando encontrar um jeito de levar a minha filha até Blumenau para que bisavó e bisneta se conhecessem. Por algum motivo que eu ainda não consegui entender, a minha filha acabou indo com a mãe dela em uma excursão até lá. Minha avó e minha filha se conheceram dois dias antes de a minha avó morrer num acidente de carro.
E, acredita se quiseres, alguns dias antes daquele 11 de setembro de alguns anos atrás, eu vinha sonhando por várias noites seguidas que um avião tinha caído atrás do prédio onde eu morava. Cheguei a dizer a mim mesmo: não quero mais sonhar isso. Não houve mais sonhos...
Ah! E quando falaste que ias sair da Trad-Prt, eu não duvidei. Imaginei que os apelos não iam adiantar. :-)
Abraço.
Gilson

Anônimo disse...

Quanto aos pressentimentos, ignoro.
Quanto ao humor, me divirto muito neste blog, mesmo em textos tristes. Me sinto bem próximo ao humano. E isso é bom!

Anônimo disse...

Tenho medo disso. Sinto muitas coisas, mas nada com relação tão direta à morte.... Fiquei assustada, não pensa em mim! :(