25.9.05

Diário de Uma Mulher Comum II


Assistindo a um filme bobo (sobre mãe, sobre mulheres) escutei um diálogo que me fez recordar um dia de minha vida.
Certos dias marcam para sempre. Seja porque alguém querido morreu, seja porque tivemos uma conquista inesquecível, seja porque nos separamos de um amor.
Pensei em perguntar, neste texto aqui, qual foi o dia mais cansativo de toda a sua vida.
Aí lembrei que esta pergunta talvez não seja válida para homens.
Talvez eu deva perguntar às mulheres, e provavelmente muitas delas recordarão um dia assim.
No dia em que me senti mais cansada em toda a minha vida, minha filha tinha 7 meses, estava com dor de ouvido, berrava sem parar, eu estava com uma tosse e congestão pulmonar que beirava a tuberculose, tinha trabalho atrasado, não havia conseguido sequer fazer uma refeição decente, a médica pensava que eu estava grávida novamente (porque eu estava com 47 quilos, parara de menstruar novamente e me transformava rapidamente em um não-ser – esquálida por puríssimo estresse quase mortal) e, quando chegou a noite, queria ao menos um banho, mas não podia me afastar da Letícia, tão doente quanto eu.
Nesse dia, liguei para o pai dela (que teoricamente morava comigo, mas não morava nem desmorava e residia mesmo era na rua, com sua mãe, com seus amigos e sabe-se lá com mais quem). Ele relutou em abandonar o que quer que estivesse fazendo e quando conseguiu aparecer na minha porta foi para dizer que não ia sequer entrar. Pedi-lhe que ficasse pelo menos 10 minutos para eu tomar um banho. Não podia. Disse-lhe que entrasse, sua filha já o vira e estendia os bracinhos. Não podia. Não olhou sequer para ela.
No dia em que me senti mais cansada em toda a minha vida, ouvi o pai da minha filha dizer que “Não posso ficar, já tenho compromisso, é sexta-feira, sou jovem e tenho o direito de me divertir.” E lá se foi. Pela janela, vi que alguém o esperava no carro.
Provavelmente esse dia durou umas 36 horas.
Não lembro como acabou.
Não lembro se tomei banho.
Não lembro se a dor de ouvido da minha filha e a minha tosse passaram. Acho que ambas acabamos desmaiando de cansaço e decepção.
Ninguém consegue sentir-se tão palhaça, tão cansada, velha e maltratada como eu me senti naquele dia.
Passou.
Provavelmente na mesma semana coloquei sacolas dele no corredor, troquei a fechadura, tratei de comer, passei a dedicar a energia que estava dando a um vampiro somente a mim e àqueles que ainda valiam minha vida. Engordei. Recuperei-me.
Como eu costumo dizer, sou uma “time-eater” e não vivo de dores passadas.
Apenas ocasionalmente um filme puxa um arquivo-morto da memória para lembrar que, se hoje me julgo feliz sem homem, sem julgá-los semideuses e sem precisar que um me faça feliz... Well, well, well, quem sobrevive a algumas coisas, sobrevive a praticamente tudo, e certos traumas se não nos matam, é claro que nos fortalecem. Está provado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de ainda não ter essa experiência de ser mãe, sou mulher, e qdo vc diz isso me identifico completamente. E tudo nessa vida nos fortalece né, incrível. Qtas vezes eu achei que não ia aguentar? Mas eu sobrevivi, e fiquei muito mais forte. Assim como vc. Sexo frágil?
Bjos.

Anônimo disse...

Nunca conseguiria me imaginar numa situação desta para comentar de maneira razoável. Digo apenas que, como homem sem filhos, eu não resistiria a uns bracinhos estendidos para mim. Vi as fotos da sua filhinha no orkut e ela é uma gracinha. Um orgulho para qualquer pai.