27.11.05

Diário de uma Mulher Comum VI

Então:
Sexta-feira, 18 de novembro: amanheço cansada e contente. Os homens da mudança chegam às 8:30 e curto meu momento de madame, tomando cafezinho na casa da mãe, vizinha (agora ex-vizinha) enquanto eles se encarregam de tudo. Preferi gastar mais com uma empresa confiável que ter de eu mesma cuidar de tudo. Virgem santa, eles são organizadíssimos, tanto que às 11:30 está tudo dentro do caminhão (e eu fico pensando o que não fariam se quisessem *roubar* uma casa -- em 15 minutos aqueles rapazes poderiam carregar um montão de coisas).
Almoço com Letícia pela última vez na mãe, como vizinha, e saímos à 1 da tarde, ansiosamente, rumo ao apartamento novo -- isso depois de eu ter de catar os dois gatos, a Lana e o Preto (seu nome oficial, embora eu às vezes o chame de Mousier Bombom).
Chegamos à Lima e Silva, depois de temermos uma revolução felina dentro do carro de minha mãe, já que os gatos não entraram nas caixas de transporte, estacando com quatro patas grudadas à portinha e endurecendo o corpo. Não houve revolução, e até se comportaram bem durante o trajeto, mas depois que a Letícia pega a Lana e eu pego o Preto e descemos, o caos desaba sobre mim, com um gatinho dengoso transformado no Rei do Pânico, berrando e largando arranhões na coisa mais próxima que encontra pela frente -- eu.
Escapa. Foge como uma lebre alucinada e dobra na primeira rua que vê. Some e me deixa ali, perplexa, sem saber direito o que me atropelou.
Entramos no prédio, minha filha com a Lana tranqüila em seu colo. A Letícia conta 23 arranhões bem feios em mim -- unhas cravadas fundo no meu pescoço, braços e "colo" -- pra não dizer pertinho dos seios. Sangram tanto que pareço uma figura de filme de terror. Mas nem sinto ardência, porque choro como uma abobada, porque meu gato preferido escafedeu-se.
Passo sexta com minha filha que vai com seu pai no sábado. Mesmo com a ajuda de minha mãe, a casa é um pesadelo de 60 caixas mais ou menos identificadas, tapetes enrolados, coisas sobre coisas e nada de caneca, de escova de dentes, nada de encontrar coisa nenhuma.
Assim, no domingo eu acordo impossibilitada de caminhar, já que passei a sexta e o sábado andando tanto dentro do apartamento que devo ter coberto dezenas de quilômetros, para meus pés incharem daquele jeito esquisito -- nas laterais dos calcanhares, calombos avermelhados e quentes, muito doloridos, algum nervinho inflamado, algo assim. Mas mesmo com o pé esquerdo inutilizado e toda ardida dos arranhões, ainda sobra o pé direito, de modo que passo até segunda à noite arrumando tudo.
Ao som de Bohemian Raphsody eu completo com fecho de ouro a arrumação e só me dou por satisfeita quando acabo de arrumar a sala tão direitinho que parece que moro aqui há anos. Finalmente, na terça eu começo a me sentir em casa, mas ainda choro que nem uma imbecil, com direito a caretas, beiço e buááááá, à noite, com saudade do Preto.
Trabalho terça. Trabalho quarta, e na quinta alguém da rua de trás me diz que viu meu Preto pela manhã. Inconfundível, com seu naco de pescoço pelado, fruto de muitas guerras com o siamês-peste que deixei com minha mãe. Encho-me de esperanças e já não choro mais, porque prometi uma recompensa à mulherzinha simpática, se ela atrair o Pretão e o mantiver em sua casa até eu aparecer para pegá-lo.
Em resumo, foi isso.
Na quinta, descubro que preciso fechar a janela à tardinha, porque uma turma de moleques faz um curso qualquer no prédio próximo ao janelão do meu quarto e a primeira coisa que ouço ao sentar na frente do micro é: "Ei, gostosa, qual é o teu e-mail???". Descubro, também, que meus vizinhos têm roupas muito limpinhas, já que é um festival de máquinas de lavar ligadas dia e noite sem parar. E alguém escuta a Rádio Guaíba, que só toca Muzak ("música de elevador") o dia todo, das 6 da manhã em diante, em dose suficiente para deixar qualquer um lobotomizado.
All in all, sobrevivi, o tempo todo com uma questão premente, de foro íntimo, a me incomodar, que vem a ser:
"Ligo pro H., que mora a meia quadra em linha reta, e cujo prédio eu poderia ver, não fosse a presença de um edifício mais alto a escondê-lo? Ligo, já que (coisa mais incrível o destino) agora sou sua vizinha? Ligo ou não ligo pro ogro, pra esse homem que nenhuma mulher com juízo procuraria?"
Até aqui, consegui resistir à tentação, mesmo porque ele só veria um móvel no meu apartamento, e este não seria a estante cheia de livros ou o rack cheio de CDs. Como alguém viciado em álcool (como ele mesmo, então), todos os dias eu adio o primeiro dígito de seu número de telefone, porque no momento em que o discar, estarei perdida. Certas pessoas são o ingrediente perfeito para um desastre sentimental, quando se aproximam de nós. Quero crer que não preciso dele, já que sou perfeitamente capaz de enlouquecer sozinha, se for o caso, sem precisar de sua depressão mórbida e de seu sexo seco e atrapalhado.
Como recém terça consegui terminar a arrumação e de quinta pra sexta virei a noite trabalhando e não consegui dormir durante o dia, eu diria que recém hoje estou perfeitamente à vontade em minha casa nova, mais de uma semana após a mudança. A partir de hoje, verei se finalmente Fernando e eu encontramos tempo para bater um papo, se visito a Fabi ou vice-versa, e se o Iuri deixa de ser tonto e percebe que não gostar do que lhe dei pra ler não é nenhum pecado e não me abala nem um pouco. Passei da fase de ter de ver meus materiais aprovados por amigos que os lêem. Tanto faz. Escrevo porque preciso. Nem penso mais em publicar coisa nenhuma.
Finalmente amanhã começarei a curtir o Brique, o Olaria, os cinemas, qualquer pizzaria, o shopping, algumas caminhadas (ai, como adoro caminhar), qualquer coisa que me coloque com os dois pés em um pouco de turbulência, depois de 7 anos de pasmaceira.
(nota para mim mesma: lembra-te de que um dia disseste que não podes estar solta na vida, porque só aprontas confusões por onde passas, com tua personalidade impulsiva. Lembra-te de colocar uma mordaça na boca e um cinto de castidade, quando saíres à rua, por favor.)

Um comentário:

Anônimo disse...

Aos poucos tudo se arranja, tudo se estabelece.

Estou tentando te passar um mail mas só tenho retorno de undelivered message. Não sei o q esta a acontecer...

beijos