9.11.05

O Nome da Rosa



Escolhi o nome para este "post" pensando num poema (Shakespeare?) que diz que, não importando o nome que possamos dar a ela, "uma rosa é uma rosa é uma rosa".

Diálogo absurdo, ocorrido dois dias atrás, na cozinha de minha mãe, enquanto tomamos café e eu leio (tento, com minha incrível capacidade de tomar café, ouvir minha mãe, responder, ler notícias e ainda comentá-las...):

-- Acho que o Fulano alugou, não vendeu, aquela onde mora a família morena.

-- Como assim? Tu queres dizer a casa da família negra, mas poderias dizer "a terceira casa à direita".

Ela rola os olhos. Acho que é mais ou menos a quinquagésima vez que temos este tipo de conversa.

-- Mãe, a raça é negra. A minha raça é branca, e nem branca eu sou, estou mais pra cor-de-rosa ou baunilha. Chamá-los de "morenos" é um disfarce que, inclusive, os confunde com alguém da raça branca, muito bronzeado, com olhos e cabelos escuros.

-- Mas "negro" é feio.

-- Não é. Se os chamas de "morenos", é como dizer que o mundo tem quatro raças: os amarelos, os vermelhos, os rosados e os morenos.

Parece que ela está começando a assimilar a idéia de que não é feio alguém ser negro, mas ainda vai levar algum tempo. Talvez o próximo passo seja tentar saber seus nomes, em vez de sua cor -- e mais adiante ela deixará de se preocupar se a casa onde moram é deles ou alugada. Futuramente, se viver para isso, passará a vê-los apenas como pessoas em pé de igualdade, sequer cogitando imaginar qualquer coisa sobre eles. Eu não imagino, sobre meus vizinhos. Pra quê?

No último emprego (emprego, porque sou autônoma), muitos anos atrás, eu trabalhava em um setor (fotocomposição de um jornal) com mais de 30 funcionários. Um dia alguém (graças a Deus esqueci quem) me perguntou:

-- Por que tu sempre andas com aquela negra?

Achei a pergunta tão, mas tão esquisita que perguntei:

-- Quem?

-- A Elisa.

Respondi que jamais tinha parado para pensar qual era a cor da Elisa.

Até hoje sou assim. Não marco as pessoas por "Aquele careca", "Aquela gorda", "Aquele negro", "Aquele baixinho". Não consigo rotular ninguém, e nunca precisei me preocupar com a COR das pessoas.

Há, sim, uma coisa que me chama muito a atenção, e não me venham os engraçadinhos com acusações de preconceitos. Por uma questão estética, como já escrevi aqui, acho lindíssimo homens e mulheres muito, muito negros, retintos. As belezas africanas legítimas são apaixonantes.

Quando eu tinha uns doze anos, comprei uma revista National Geographic que trazia na capa uma moça de Angola, com seus trajes muito coloridos, lábios muito grossos, olhos muito negros, penteado extravagante, múltiplos colares. Tirei a capa e colei na parede do meu quarto.

Acho que fui negra em outra encarnação.

E por falar nisso, também fui gay, também fui judeu perseguido, também fui deficiente... Também fui mulher... Tenho dentro de mim, entranhada na minha alma, todos os perseguidos. Tenho em mim todos os sofrimentos carregados por essa gente desde que o mundo é mundo. Sinto-me em sua pele. Sou, não *como* eles. Sou eles. Porque eles também são eu. Como diz a letra de uma música da Jewel, são pedaços de mim (Pieces of You)

JEWEL - Pieces Of You Lyrics She's an ugly girl, does it make you want to kill her?
She's an ugly girl, do you want to kick in her face?
She's an ugly girl, she doesn't pose a threat.
She's an ugly girl, does she make you feel safe?
Ugly girl, ugly girl, do you hate her
'Cause she's pieces of you?
She's a pretty girl, does she make you think nasty thoughts?
She's a pretty girl, do you want to tie her down?
She's a pretty girl, do you call her a bitch?
She's a pretty girl, did she sleep with your whole town?
Pretty girl, pretty girl, do you hate her
'Cause she's pieces of you?
You say he's a fagg*t, does it make you want to hurt him?
You say he's a fagg*t, do you want to bash in his brain?
You say he's a fagg*t, does he make you sick to our stomach?
You say he's a fagg*t, are you afraid you're just the same?
Fagg*t, Fagg*t, do you hate him
'Cause he's pieces of you?
You say he's a Jew, does it me that he's tight?
You say he's a Jew, do you want to hurt his kids tonight?
You say he's a Jew, he'll never wear that funny hat again.
You say he's a Jew, as though being born were a sin.
Oh Jew, oh Jew, do you hate him
'Cause he's pieces of you?

Compreendo as pessoas.

Não entendo o preconceito, nem os disfarces.

4 comentários:

Anônimo disse...

Definitivamente, O coração das trevas é uma leitura para você. Releia comentário sobre livro no meu blog(www.euleitor.blogspot.com). No livro, preste atenção no que o narrador fala dos diferentes atributos e etiquetas colados aos nativos da África. Inimigos, trabalhadores, rebeldes...
Beijo.

Anônimo disse...

Todos fingimos.
Beijo.

Anônimo disse...

é a segunda vez que visito este lugar, porque interessante para mim. é comovente este post e, eu não resisti a deixar um comentário, fez lembrar a minha mãe: ela conta que em criança, quando era muito raro ver negros, ela sonhava ter uma boneca negra-
depois, continuou a lembrar a minha mãe...
Parabéns por ser uma pessoa sem preconceitos.

Anônimo disse...

o comentário acima é meu



Cristina Melo