29.12.05

Esquizofrenia

Ok, boys and girls, vamos falar sério.

Primeiro -- estou revendo o genial "Uma Mente Brilhante" (com som sap para não perder a atuação do besta do Crowe que, afinal, ainda que eu o deteste, é um ator perfeito).
Segundo -- Sempre fui e serei fascinada pelas teorias do John Nash, o matemático que o Crowe encarna no filme. Sempre me encantaram teorias como a dos jogos não-cooperativos e outras, da matemática. Eu, que até meus vinte e poucos anos não suportavaver nenhum numero na minha frente, fui me tornando uma adoradora dos números, a ponto de pensar que deveria ter me esforçado mais e estudado matemática, em vez de letras, se tivesse mais bom-senso.
Terceiro -- conheço a esquizofrenia de perto, em teoria e na prática (não por eu sofrer da doença, mas por ter traduzido sobre ela durante 10 anos e ter tido amigos geniais que tinham este diagnóstico).

Sobre o John Nash, relendo sua autobiografia ao ganhar o Nobel, vi sua frase inesquecível:

"Tive a doença por viver em um nível ultra-lógico, respirando um ar raro demais para os simples mortais. E se ser 'curado' significasse não ser mais capaz de realizar qualquer trabalho original, uma remissão poderia não valer a pena, afinal."

E, depois, encontro esta frase preciosa:

Great wits are sure to madness near allied,
And thin partitions do their bounds divide.
(John
Dryden, Absalom and Achitophel, 1681)

Eu nunca acreditei em "loucura". Acredito em níveis de sensibilidade e na impossibilidade de adaptação ao mundo normal. Acredito na ruptura do reconhecimento entre o interno e o externo, quando um ser humano é subjugado pelo sofrimento ou quando o "real" é demais e supera suas capacidades de manejo.

Quando minha filha estava com sete meses, eu morava em um apartamento de primeiro andar. No segundo andar, morava uma família de mãe, filha e filho. Este era esquizofrênico.

Lembro-me que no dia em que se mudaram para lá, a irmã veio à minha porta pedir que não me abalasse se percebesse algo estranho (como gritos, xingações e tagarelice incessante de seu irmão), já que era esquizofrênico. Tomava medicamentos, mas se esquecesse... bem, shit happens.

Suportei extravagâncias do moço do andar de cima, mas compreendia muito bem sua doença. Ao encontrá-lo no corredor (raramente), ele era a pessoa mais educada do universo, de uma delicadeza e inteligência incomuns.

Minha tolerância foi testada em um dia em que, sem mais nem menos, sem que sequer me visse ou tivesse ouvido um "ai" de minha filha bebê, ele começou a ameaçá-la, de sua janela de segundo andar, dizendo barbaridades irreproduzíveis para ouvidos bem-educados. Só então pedi que sua irmã revisasse os medicamentos, porque havia algo claramente errado com o L.

Resumo da ópera: L. (o moço esquizofrênico) internou-se em um sítio, seus medicamentos foram ajustados, eu mudei-me (obviamente não por causa dele) e, cerca de um ano depois, quando eu já estava na casa nova, ele ligou-me. Sua voz educada e gentil disse-me que tivera dificuldade para me encontrar, porque ninguém queria lhe dar meu telefone novo. Ligava para pedir desculpas, para dizer que jamais pretendera me magoar, que me admirava imensamente por eu compreender sua situação, etc., etc., etc. Ele jamais precisaria ter pedido desculpas, mas o fato de se preocupar em se justificar significou muitíssimo para mim. Significou que ele compreendera que não podia viver naquele nível da sua realidade particular (a doença) e aceitara medicar-se para poder usar sua mente para coisas mais benéficas que ameaçar a humanidade e se ver perseguido pelos atores das novelas e pelos locutores de noticiários.

Esquizofrenia não é material para riso. Nem transtorno obsessivo-compusivo (conheço gente assim também). Nem pessoas bipolares são apenas "malucas" (às vezes desconfio que sou bipolar, com fases de mundo cor-de-rosa e outras de nuvens negras alternando-se com freqüência). Déficit de atenção. Hiperatividade. Compulsão alimentar. Transtorno anti-social, Jogo patológico, Ciúme obsessivo... nada disso é apenas um diagnóstico. Cada um desse rótulos tem a ver com o sofrimento de alguém. Mas especialmente na esquizofrenia, tem a ver com mentes que, em algum momento, começaram a perder o fio da meada e se enroscaram, confundindo o real e o imaginário (quem sabe ao certo se é imaginário mesmo, quem pode dizer quantos níveis de realidade existem realmente?) e invertendo o de dentro com o de fora, rompendo os limites do socialmente aceitável e do "normal" (normal = norma, média). Nenhum "louco" precisa ser temido. O "maluco" precisa, no mínimo, ser respeitado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Vi um documentário televisivo de psicologia, sobre como as pessoas vêm o "louco" e até com desenhos, parecia: quase um mito. Tanto medo e esquisitice... deve até existir algo não muito "normal" e, sobretudo desumano na maneira de ver os "loucos". Também parece existir um "tabú" de dizer que são "génios". O meu espanto foi saber a quantidade de pessoas que sofrem com a doença e o número dessas pessoas que existe na realidade e, curioso, parece que são pessoas normalíssimas, umas até muito dóceis, com um pormenor: parece que apenas tinham descontrole no rosto.

Anônimo disse...

Ainda eu:

Continuação:

Mas, infelizmente a esquizofrenia não deve ser tanto um caso de percepcionar a realidade, tipo se uns vêm o amarelo /laranja, ou o verde azul, porque é das doenças mentais mais detectáveis em exames anatómicos, por exemplo tomografia ou post mortem, parece que se detecta um super desenvolvimento de um lóbolo frontal (?), ou falta de circulação sanguínea em algumas regiões. Depois é bem físico, porque eu já vi a foto de um doente em pleno ataque e é muito triste.

Anônimo disse...

Já o resto, a maneira como as pessoas percepcionam a realidade é muito triste: algumas nem no conhecimento acreditam, pensam que tudo é "subjectivo", algumas, tristemente: não sabem sequer no que acreditar.Mas, o caso tem que ver com o seu próprio desenvolvimento psíquico.

Anônimo disse...

cont.


Infelizmente, as pessoas que nem sequer no conhecimento acreditam são muitas e são pessoas "normais".

Anônimo disse...

cont:


Também vi o filme e fiquei contente por percepcionar que, apesar de poder ter uma mente mais "confusa", resultado da doença, ainda assim, John Nash acredita no conhecimento, o que devia ser para envergonhar "pessoas normais".