20.1.05

De novo, ó pai?

Um sonho recorrente:

Chegam visitas de longe e meu pai vem junto. Eu me espanto. Está bonito, engordou, parece mais jovem, tem viço na pele e está bem vestido. Exclamo:

– Mas pai, eu pensei que tinhas morrido!

E ele ri. Diz que nunca esteve tão vivo e bem. E comprovo que sim.

Há oito anos os sonhos se repetem, e são sempre bons e desperto sempre alegre.

Na primeira vez, batiam palmas na frente de minha casa e era ele. Meu medo dava lugar à felicidade extrema, quando ele ria sua risada baixa e curta, um sorriso de uma orelha a outra, entrava, sentava-se tomando café comigo na cozinha e se divertia com minha perplexidade. Naquela primeira vez, ele me disse:

– Eu também pensei que havia morrido e, quando vi, estava vivinho da Silva! Olha só como melhorei!

Ontem sonhei o mesmo sonho, e ele tornou a dar sua resposta.

Hoje, porém, deitei-me para um cochilo depois de uma noite de insônia não por problemas, mas por puro êxtase com coisas maravilhosas que andam acontecendo em minha vida. O cochilo durou exatos 70 minutos e despertei novamente de um sonho com o mesmo tema.

Com tios que chegavam de longe, lá estava ele. E eu tornava a dizer:

– Mas pai...

E desta vez, ele franzia os lábios, já meio impaciente com minha incompreensão, e dizia:

– Não vai me dizer de novo que achavas que eu havia morrido. Quantas vezes já viste que não morri e, ao contrário, estou cada vez melhor? Já visitei tua irmã antes de passar aqui, e agora vim te ver.

E acordei.

Um psicólogo diria que nunca me conformei com a morte por leucemia de meu pai, oito anos atrás, uma morte feia que o deixou, em questão de dias, cadavérico e monstruosamente... monstruosamente tudo. Era eu quem estava lá, com ele, quando sua mão apontou para fora da janela e para o céu, no último instante. Era eu quem lhe dizia que ele deveria ir sem medo. Era eu quem lhe dizia que não adiantava não acreditar na morte, porque isso não o faria escapar dela (em tom de confidência com aquele que se dizia imorrível e temia mais que tudo esse momento que, em sua opinião, só viria quando ele chegasse aos trezentos e poucos anos de idade).

Conformei-me e agradeci porque ele pediu, no último momento, para ir. Esperou minha mãe chegar para visitá-lo (ela, a ex – pela atual ele nem esperou), e no momento em que ela saiu do quarto, na minha companhia ele apontou para fora daquela janela, para o céu com dedo levantado e se foi).

Decidi que não vou mais me espantar, quando ele vier me ver, tão bem, bonito e saudável. Na próxima vez direi apenas, toda feliz:

– Nossa, pai, mas como gostas de mim, hein?

Porque esta é a verdade.

Só esta.

7 comentários:

Anônimo disse...

Caramba. Olha, muitas mas muitas mas muuuuuuuitas lágrimas aqui, agora.
E não, não é por tristeza. É só porque gosto MUITO de você, eu também.

Que texto, querida. Que texto...

Ale Siedschlag

Anônimo disse...

Dayse,lembrei~me de meu pai( faz apenas um ano que ele se foi), mas também o sinto vivo, em algum lugar. Sonho às vezes com ele e como no seu sonho, ele está muito bem! Que bom esta sensação, de saudades (muitas) mas também de esperanças....Valeu! Lúcia, do letraesecia.

Anônimo disse...

Belo esse sonho que se repete. belo.
Um beijo.

Anônimo disse...

Não há o que dizer. Emoção. Lindo e seu.
Parabéns pela força e pelos sinais.
Beijo.

Anônimo disse...

Ele está vivo, e privilegiada vc que entende isso e sabe que não é um simples sonho. Isso é uma bênção. Mas, leucemia, tão próximo...
Tb achei o texto lindo Dayse, emocionante. :)
Obrigada por compartilhar esta experiência de vida.
Um bj.

Anônimo disse...

Patrícia, tem mais sobre essas questões espirituais ligadas ao meu pai em "Fotofobia" (acredito que no arquivo de julho).

BEIJO

Anônimo disse...

É isso aí, prenda! A maior ajuda para vencer essa saudade que esmaga o coração da gente é poder receber a visita dos amados que partiram nesse momento que é tão exclusivamente nosso: os sonhos.

Beijos. Ana