24.4.05



Bem no meio da sessão de cinema, ela dará uma bela gargalhada, quando ninguém entendeu o motivo.
Ela se irritará quando, em uma festa, alguém disser que contratou um “personal training” e todos ficarem boquiabertos com a sofisticação do metido a bacana.
Ela baterá o pé com impaciência quando alguém começar a transmitir as últimas notícias que viu em um site brasileiro (ela já sabe antes o que aconteceu, e leu a notícia completa).
Ela se negará a te ouvir cantar em inglês num cara-o-quêêê???!
Ela enlouquecerá se tu, bancário, publicitário, web designer ou algo assim lhe disser que “andou fazendo uma tradução”...
Ela não te dará nem um minuto à tarde e nem parará para ouvir teus berros indignados com tamanha falta de consideração. Um minuto todo mundo tem livre – menos ela.
Ela te atenderá ao telefone, mas começará a perguntar “e daí”, “e então”, e ordenará “resume!” se o assunto não tiver importância capital para o destino mundial, enquanto com o rabo do olho mira a tela do computador como se este fosse explodir no segundo seguinte.
Ela não terá o celular mais caro do Brasil só porque vem tudo em inglês com recursos que outros não sabem usar. Ela sabe, mas também sabe que não são necessários.
Ela será um livro aberto sobre fatos, cultura inútil, estatísticas esquecidas por todos, mas se negará a entregar essas informações preciosas se não for por justa causa.
Ela ganhará por seu tempo, sem ser operária nem outra coisa menos meritória e, por vezes, se recusará a ceder esse tempo precioso a ti, ó mortal desencanado e cuca fresca que só quer um dedo de prosa.
Seu ego precisa ser levado em caminhão de mudança, mas quando sem trabalho, pode ser transportado em uma caixa de fósforos.
Ela não é médica, mas está sempre de plantão.
Ela tem amigos por todos os lados do mundo, mas não consegue viajar nem até a cidade vizinha.
Ela te torcerá o nariz, se fores colega e mandares um bilhetinho com erros de concordância ou ortografia. Talvez nem fale contigo para o resto da vida, mortalmente decepcionada.
Em um dia, tu combinarás um programa e ela concordará, entusiasmada, apenas para uma hora depois cancelar tudinho, sem remarcar o compromisso.
Ela nem chega perto de quem não gosta de ler.
Ela nem tem tempo para amar.
Ou tu a amas ou tu a deixas. Com ela não há opção.
Por vocação e escolha, sendo o que é, precisará do teu perdão e da tua bênção, da tua compreensão e da tua gratidão, a cada segundo de seu dia nesse uniforme de super-heroína que, às vezes, salva o mundo e, em geral, teme cometer um deslize e afundar como um Titanic, levando meio mundo consigo.

Ela é tradutora.


Um comentário:

Anônimo disse...

Bravo! Lindo, como tudo que escreves!
Bjosssssssssssssssssss!