31.7.05

Time-Eater




















Algumas pessoas vivem no, para e pelo passado.
Referem-se a ele, sempre. Mencionam tempos gloriosos. Agruras. Frustrações. Recordações de amores. Parecem estar sempre apenas com um pé enfiado no agora e todo o resto (coração, mente) nos dias que já se foram.
Detesto o passado.
Não detesto o que passou, mas detesto lembrar o passado.
Eu não vivo o passado. Não escuto uma música e fico relembrando “um grande amor” e revivendo aquela época. Não vejo o nome de um antigo colega de trabalho no Orkut apenas para ficar horas discorrendo sobre “aquele tempo”.
Eu não suporto viver do que já passou.
Sou dez. Dez Dayses, dez fases de vida, dez mulheres em dez fases e tempos diferentes, e sempre preferirei a de agora e mais ainda a de amanhã.
Não ouço mais as mesmas músicas que ouvia dez anos atrás (pelo menos 90% delas enfiei na lata de lixo mental), não uso o perfume que usava dez anos atrás. Não tenho o mesmo homem que dez anos atrás. Não moro na mesma casa que dez anos atrás.
Se insinuam que sou uma fugitiva de mim mesma, posso sacudir os ombros e responder: “So what?” Não me importo com o que pensavam de mim há dez anos e não me importo com o que pensam hoje.
(Confesso que sou vergonhosamente independente, mental, financeira e emocionalmente)
Na minha vida, há uma única constante: a família
Acredito que nossos passos vão se apagando no tempo, nossas pegadas precisam sumir e jamais devemos repisá-las. O único caminho é em frente.
Não lamento nada. Engulo as lições, jogo fora os bagaços e assimilo os frutos da aprendizagem. E sigo em frente.
Creio que os dias são curtos demais, a vida é absurdamente pequena para tanto que se quer e o coração está sempre ansioso demais por bater, para que se perca tempo reprisando filmes (é, raramente assisto reprises), ouvindo milhares de vezes a mesma música com a mesma emoção (ouça-se, mas com emoções diferentes a cada vez), tentando acertar durante anos a fio com uma mesma pessoa que se mostrou a errada desde o início, apanhando na cara, metaforicamente, por tentar capturar uma sombra fugidia de quem já fomos.
Stephen King criou uma história na qual um monstro indizível, invisível, incrível, engolia com um ruído estrondoso tudo o que já havia passado, quando o dia anoitecia.
Sou assim.
Sou minha própria time-eater – eu devoro meu passado para que ele não acabe por me devorar.

21.7.05

Prezado Senhor:

Venho por meio desta solicitar-lhe que providencie a devolução de meu coração, que lhe entreguei em confiança para ser guardado até a data da expiração.
Tendo em vista que a guarda deste bem não foi feita com o empenho necessário e que a chave para que eu possa abri-lo a outro ainda está em seu poder, insisto em meu pedido.
Devolva meu coração que lhe confiei para ser bem cuidado.
Em minha última inspeção, constatei avarias – não decorrentes do uso e desgaste naturais –, com aparentes pontos de ferrugem por falta de uso em seu poder.
Assim, na presunção de que ainda possa recuperá-lo para o bem de quem se oferecer na concorrência que pretendo convocar, envio-lhe anexo a esta um protocolo, para que conste neste sua assinatura comprovando seu conhecimento de que peço de volta o que era meu e que lhe dei de boa-vontade, mas que, sem o retorno esperado – uma vez que apesar da promessa o senhor jamais me entregou o seu –, deverá retornar à detentora original de sua posse.
Não proponha a troca por ações, por favor. Até esta data, o senhor não ofereceu ações que valessem meu investimento.
Desde já agradeço sua atenção, e só não me despeço com um “cordialmente” por motivos óbvios.

15.7.05


Havia um encantamento aqui.

Perdi.

Havia sede de ti.

Bebi.

Tinha ânsias que nem sei.

Saciei.

Havia uma paixão aqui

Que se foi e eu nem vi...

Eu engulo sonhos.

Cuspo desilusão.

10.7.05

Frase vista hoje no túmulo de José Lewgoy, no Cemitério João XXIII em Porto Alegre:

"Não devo nada ao Cinema Nacional.
Devo, sim, por causa dele."



Matou a pau. Nada como ter a última palavra :-)

Letícia, 9 anos e 9 meses


Ela desenha a vida colorida e sóis sorridentes. Flores alegres, árvores verdejantes, sempre muito céu, sempre azul. Casas espaçosas, vida bonita, felicidade em tudo.
Ela ama sua grama abundante e, de vez em quando, um passarinho vem e voa longe em seu horizonte, ou cai uma chuva fininha (nunca um temporal). Os cavalos, os cachorros, todos os bichos que põe no papel têm alegria e sorriem, mesmo enquanto coçam as pulgas ou estão dormindo ("É mais fácil desenhar olhos fechados, mãe.").
Em seu universo não há violência, e seu coração generoso não vê sujeira nem terra árida.
Letícia pensa que desenha o mundo assim porque ele é bonito.
Não vê que o mundo se faz bonito e se enfeita por vergonha de mostrar-se como é, aos seus olhos de anjo.

8.7.05
























Um dia te olhas no espelho e perguntas: “Onde foi parar aquela menina, aquela adolescente? Que fim levou aquela mulher jovem que ainda ontem tinha o rosto mais cheio, nenhum vinco na face e o corpo mais firme?”

Um dia te sentes triste.

Te perguntas onde foram parar os dias, e todas as aventuras que querias viver, e todos os teus amores – olha só, todos casaram, separaram, sumiram no mundo, eles que te amaram, foram deixados ou te deixaram – cadê?

Um dia pensas que eles também se perguntam onde foram parar os cabelos. Como é que essa barriga indecente apareceu. Quando foi que as pernas musculosas viraram obras já não tão admiráveis da Mãe Natureza?

Um dia, te olhas no espelho e, no meio da lamentação, tu paras.

Teu olho esbarra numa mulher.

Dos teus lábios que já foram mais cheios, vem surgindo um sorriso. E o sorriso safado e esperto não estava ali, vinte anos atrás. Não poderia estar, porque a mulher que te olha no reflexo não podia existir.

Essa mulher que te olha andou muitos caminhos, interiores e externos. Percorreu trilhas de vontades insatisfeitas, decorou o corpo com lágrimas de amantes entre seus seios – estão lá, escondidas –, percorreu mundos imaginários e se deliciou com possibilidades, imaginou projetos disparatados, prometeu a si mesma ser feliz.

Um dia, essa mulher linda e mais velha te sorri no espelho, e seus olhos têm uma luz que não havia anos antes. Ela sabe que seu corpo agora é conhecedor de todos os segredos do amor, possuído e dono dos desejos alheios, mestre na arte de domar a febre para redobrar a paixão.

Nesse dia, essa criatura de cabelos vermelhos e crespos te encara e tu a olhas, finalmente, de frente e sem medo. Te descobres apaixonada por ela. Adoras seus traços, não sentes mais medo, porque as piores rugas que poderiam ter surgido – as da miséria, ganância, ruindade e mau-caráter – nunca apareceram. São adoráveis as linhas deste rosto que ainda guarda uma agradável suavidade e uma lembrança da menina bonita que já existiu neste corpo maduro e nessa cara lavada.

Ali, bem na tua frente, descobres a mulher que sempre quiseste ser. Te orgulhas do que ela conquistou, sabes que sentirias inveja se não fosses tão íntima dela. Vês o que desejavas ver quando sonhavas em ser ela, mas não imaginavas possível.

Um cisne nunca deixa de ser um cisne, ainda que mais velho.

E tu cumprimentas essa mulher do espelho com um “olá” divertido e faceiro, sussurrando bem pertinho dela, cara-a-cara, olho no olho:

“Keep that fire burning, baby. Never, never forget that flame.”

Enquanto o fogo arder e tu mantiveres a chama, essa mulher que te olha em qualquer reflexo te amará também.

4.7.05


Vou confessar um pecado: eu ainda não havia assistido ao filme “Magnólia”.

Por quê?

Primeiro, porque detesto o Tom Cruise e só vejo algo com ele se considero inevitável, um prejuízo para a minha cultura se não assistir aos filmes bons nos quais ele é o ator principal. Explico: não é que eu deteste o Tom Cruise como ator. Não. Ele é soberbo. Mas detesto sua cara, seus trejeitos, seu corpo, tudo. Só admiro mesmo é sua capacidade como ator.

Dito isso, confesso que, passando por cima de minha intolerância ao Cruise (que além de tudo é um infantilóide, na minha opinião), reservei mais de três horas para assistir Magnólia apenas porque havia alguns filmes gravados no meu Sky+ e tnha de começar a ver algum. Então que fosse esse, num domingo chuvoso e sem traduções, casa arrumada e tédio.

No início, achei divertido. O lance de alguém que morre assassinado com um tiro ao saltar de um prédio para o suicídio é genial. Rolei de rir.

Então, tudo muda e me vejo no meio de um caleidoscópio de cenas rápidas mostrando vidas comuns, personagens tensos e irritantes. Algumas cenas longas demais me irritam, depois. Outras me parecem exageradas, fake, mas vá lá. Continuo olhando, porque em algum lugar o filme deverá chegar.

Em uma hora, o filme começa a me pegar, apesar da tensão contínua que me faz desejar fugir e encarar uma comédia. O Tom Cruise merece o título de “personagem mais abominável”, com seu curso de “Tame Her”.

Em duas horas, estou absolutamente boquiaberta e encantada, achando que não tem mais solução e que cada um daqueles dramas terminará em tragédia. Há quase que um point of no return quando a chuva começa, no filme. E a tensão continua.

Antes da chuva dos sapos, um momento memorável, inesquecível, em que a Aimée Man canta “It’s Not Going to Stop” e cada um dos personagens, em seu cantinho particular, balbucia junto com a trilha as palavras da canção triste. Belíssimo.

Philip Seymour Hoffman não poderia ser mais delicado e comovente, como o enfermeiro cheio de compaixão, e amei a parte em que diz ao atendente do "Tame Her": "Now we've got to the part in which, if we were in a film, I'd say the old man is dying and longs to see his son" (ou algo semelhante). Então, ele diz: "But this is real, this is not a film and there's a man dying here". Perfeito o modo como ele diz que dramas assim acontecem, que não é só nos filmes.

E quando os sapos começam a cair do céu, me descubro dando vivas, entusiasmada com o inusitado.

Entendo por que o filme fez tanto sucesso. Ou não deveria entender, já que é tão inteligente e o povo tão ignorante (parece-me que muitas pessoas sentam-se para assistir a um filme na esperança de não precisarem pensar, de serem anestesiadas e transportadas durante uma hora e meia para longe de suas vidas).

Este filme não nos transporta para longe de nossas vidas. Ao contrário. Ele nos traz mais para perto de nossos dramas íntimos, de nossa solidão. Faz com que encaremos a necessidade de continuar, de fazer algo bom, de perdoar. Parece simplista, mas não é, esta mensagem.

Um elenco incrível, personagens com conteúdo, uma trilha perfeita, atuação suprema, uma direção que nos leva para dentro dos dramas como se fôssemos espiões, como se nem devêssemos estar ali. Depois, agradecemos porque estávamos.

Magnólia é uma obra de arte.

É para isso que o cinema foi inventado.

Um filme grande e um grande filme, impecável em todos os sentidos.

Acho até que começarei a ser mais tolerante com o Tom Cruise. Quem consegue demonstrar com tanta sutileza o tumulto íntimo frente a uma confrontação de suas mentiras (na entrevista com a jornalista), quem consegue dar tanto realismo ao desespero e descontrole (quando seu pai morre) merece meu respeito, não importando se na vida real só diz e faz bobagens (sua entrevista patética num talk show, ele de joelhos declarando seu amor àquela “guria” a quem jurou “amor eterno”...). Talvez, depois de “Entrevista com o Vampiro”, eu não tenha visto um Tom Cruise tão absolutamente fascinante quanto em Magnólia.

Já é algo para um domingo sem graça.

2.7.05

Além da cama, o teto.

acima do teto, a noite.

Sobre a cama, meu corpo.

Em minha pele, desejo.

Sobre a casa, tempestade

Acima de tudo, saudade.

27.6.05



Sempre tive uma inveja danada das mulheres daqueles homens que, aos domingos, se põem a cortar a grama com um desvelo de mãe que cuida a cria. Terapia. Obrigação. Ginástica. Um modo de liberar a tensão (se lá dentro o fedelho berra, a tevê chateia, a casa rescende a cebola e alho e o domingo se esvai em monotonia, não importa).

Sempre tive inveja das mulheres desses homens que cortam grama aos domingos.

Ou consertam o telhado.

Ou constroem um murinho que só serve para, depois, encher de vasinhos que logo os gatos derrubarão (certo, o cão não entrará, mas a sujeira não diminuirá por causa dos tijolinhos unidos no fim-de-semana).

Sempre fico observando, com uma inveja mal-disfarçada, esses homens domésticos, domados, treinados, pacatos, que colocam seus músculos em ação para ajeitar o ninho.

Um homem de avental me atrai, mas se está ao ar livre, fazendo do cortador de grama sua Ferrari, com o empenho de um Schumacher, valha-me Deus.

Até Brad Pitt, em “Kalifornia”, todo enlameado, suado, feio de propósito, cavando uma cova para enterrar o coitado do locador de seu trailer em frangalhos, me atrai barbaramente.

Assim, quando Mr. B. me liga do outro lado das Américas, em pleno verão norte-americano, e me diz que fez uma pausa em sua ingrata tarefa de arrancar toda a grama para substituí-la por uma espécie mais macia... Quando conta que suas unhas estão pretas de terra... Que está todo suado...

Deixo de ouvi-lo e até sua grande conquista no cinema vale muito pouco (para mim).

Digo-lhe que naquele instante, naquele exato momento, eu daria tudo para pular em suas costas suadas, para sentir nele o cheiro da terra.

Ele ri.

Diz que, pelo andar da coisa toda, só terminará em meados de 2007.

Digo-lhe que até lá junto dinheiro para surpreendê-lo.

E ele responde que, então, passará o tempo todo cavando e olhando por sobre o ombro na direção do portão.

Quem sabe?

Quem sabe uma selvagem, uma amazona louca por homens rústicos, ansiosa por homens terrosos, naturais e mansos, não venha montá-lo um dia?

Enquanto minha grama cresce e só é cortada por quem é pago para isso (que sem graça, que coisa sem sex-appeal), vou rezando para chuva e sol, chuva e sol, lá looooonge, e a cada fim–de-semana, eu o imaginarei, a partir de agora, nesse quadro curiosamente sensual.

Cortar grama tem lá suas recompensas.

25.6.05

Hora do Almoço

Tira daqui esse arroz-com-feijão!

Me traz um prato de ficção

e um copo de inspiração.

Me traz, de sobremesa, paixão,

Um potinho de emoção,

recheado de tesão.

20.6.05


Não me esqueças.

Se me esqueceres, porém,

que o vento que varre tua mente

leve tanto que te deixe vazio,

ansiando por algo que perdeste

e te faça procurar em alguém

um pouco do que tiveste de mim

19.6.05

De tudo o que foi dito
(bendito)
De nada esqueço
(padeço)

18.6.05

Dizes que te vês entrando nos meus sonhos.

Então me diz: por que porta tu sais, para que eu a mantenha sempre aberta e com uma vassoura escondida atrás dela?

12.6.05

“Only love can break your heart

try to be sure right from the start

What if your world should fall apart?"

(Neil Young)

Existe maior bobagem do que tentar garantir, desde o começo, que o amor não nos partirá o coração?

Neil Young fez minha cabeça, e em algumas músicas (The Needle and the Damage Done, My My Hey Hey) ainda faz, mas hoje percebi a besteira que ele diz na letra de Only Love Can Break Your Heart.

O mundo da gente sempre desmorona, quando nos apaixonamos e alguém nos parte o coração. Isso é certo, inescapável. Não há certeza no amor (e como diria o Stevie Wonder, “All in Love is Fair”) e querer garantias é tolice.

Talvez não caiba a mim dizer isso, uma vez que provavelmente eu possa ser classificada, em uma escala de 0 a 10, como um 7 ou 8, em termos de ter medo de amar – e nem foram muitas as vezes em que tive de juntar os caquinhos do meu coração. Entretanto, sou daquelas pessoas que, embora com medo, arrasta um trem para viver paixões. Dane-se, se houver dor. Dane-se se durar pouco. Dane-se, se nunca é Mr. Right que aparece na minha frente. Não existe o “Amor Certo”, nem o amor ideal. Existem amores possíveis.

Acredito que devemos, sim, tentar garantir que não estamos fazendo a pior escolha possível, desde o início. Isso sim. Mas não devemos nos cercar de muros. Os muros tornam impossível a escalada de alguém até nossos sentimentos, até nossa alma.

Já fui impenetrável, mas aprendi que o mistério que existe em nossas almas nunca transparecerá totalmente, de modo que deixei de fazer charme e hoje revelo o que há para revelar – sempre serei um mistério, tanto para mim quanto para o outro –, sem medo de me expor.

“Apenas o amor pode partir teu coração” – mas experimenta não amar, para ver como o coração vira pedra, inquebrável e inflexível, dolorido mesmo pela rigidez que impuseste a ele por força dessa “musculação”, deste exercício idiota de controlar tuas emoções.

11.6.05



DIGA NÃO

... a pessoas indiscretas
... relaxadas com o próprio corpo, sujinhas e fedidinhas
... a quem acha que ter arma em casa é proteção
... a homens abusados
... a quem diz que não gosta de crianças
... a mulheres que disfarçam o que são, por usarem aliança
... a parasitas, seres que não constróem, só usam e consomem os recursos do planeta, da família, dos amigos e parceiros
... a presidentes de país ignorantes, machistas e metidos a bem-humorados
... a revistas de fofocas
... a analfa
betos musicais e às rádios que os tocam
... a casas sem livros
... à falta do senso de cidadania
... ao há
bito de achar que algo muda se não se faz nada
... àqueles que preferem não ir ao médico para não sa
berem que estão doentes
... àqueles que, estando doentes, não querem sa
ber o que têm
... àqueles que sa
bendo o que têm, preferem não se tratar
... ao álcool em demasia
... à arrogância

Diga NÃO à idéia de passar pelo mundo e não fazer diferença.

Você PODE.


7.6.05

Oh, good, Mister Maslow,

agora que já satisfiz minhas necessidades de nível inferior – agora que estou alimentada, aquecida, segura, com meu trabalho muito satisfatório, com saúde e amigos que adoro, resta-me confirmar sua teoria.

Agora busco atender a uma necessidade superior.

E o que é?

A-M-O-R.

(depois desta, resta alguma?)

5.6.05

Uma Conversa

Ele chega atrasado e comento:

– Que bom que nunca vou casar contigo, Fernandinho, porque eu teria de me atrasar duas horas para ainda te esperar mais uma... estás sempre atrasado...

Zanzamos pelo shopping, cada um de nós recolhendo fios mentais de conversas inacabadas por e-mail ou telefone, muita coisa para ser retomada, pouco tempo para longas conversas significativas.

Pergunto como está seu coração.

Está vazio.

O meu também, eu digo.

Ele menciona um rol de interessadas virtuais que, quando vistas em carne e osso deixam a desejar.

Ele me responde, quando lhe pergunto por que:

– Uma mulher precisa ter a capacidade de pelo menos preencher uma hora de conversa interessante antes de ir para a cama e meia hora depois da cama.

Fico pensando...

– Além disso – ele continua –, não pode ser muito gorda nem muito magra. Deve fazer algo por sua vida...

Continuo pensando. Não lhe pergunto se eu preencheria os requisitos. Sei que sim.

Eu não preciso perguntar-lhe. E ele não comenta quando eu lhe conto que também tenho alguns “pretendentes” contados nos dedos, mas que uma vez que não transo (mais) com amigos e nem com amores do passado que querem jantar comigo e me jantar depois que casaram com outras (e quando supostamente eram apaixonados por mim), a situação fica difícil. Meu amigo e eu somos ocupados e não temos todo um mercado de corações livres de onde escolher um.

Ele não comenta, mas sabe que preencheria muitos dos meus requisitos.

Acontece que dos homens que mais admirei na vida, poucos (nenhum?) habitaram meu corpo – apenas minha mente e fantasia. Ele é um dos que ameaçaram entrar por uma porta que nunca se abriu completamente.

Meu amigo e eu chegamos a conclusões semelhantes. Que ele só conhece mulheres que querem se arranjar e que por isso nem começa nada com elas. E que eu não quero me arranjar com ninguém e por isso não começo nada com ninguém, porque não quero compromisso, mas também não quero aventuras.

Em nossas incongruências, meu amigo e eu nos encaixamos. Eu não lhe dou sexo, e ele não me dá romance. Negamo-nos graciosamente o que não seria espontâneo e aceitamos com elegância a honestidade de nossa tentativa de não nos enganarmos mutuamente. Ele nasceu para casar, mas detesta a idéia de que uma mulher o queira já com isso em mente. Eu não nasci para casar, mas detesto a idéia de que um homem não pense em mim como uma parceira em potencial. Sei que nunca serei parceira de ninguém, e aceito minha individualidade excessiva – com alguma dor pelo reconhecimento de minha insubordinação às emoções, mas aceito. Ele não aceita sua solidão, e vive à espera do que eu nunca procurei realmente – algo sólido, estável e tranqüilo.

Ele está atrasado para cumprir sua missão de bom filho, cuidando da mãe doente.

Eu estou com tempo para fazer umas comprinhas e depois rever amigos amados em um restaurante.

Eu o abraço apertado, lhe digo um muito obrigada de coração, e ele sabe por que, mas me diz que não preciso agradecer. Eu sei que não preciso. Ele é meu pai-irmão-conselheiro-amigo, talvez o único homem que sei que não me abandonará. Nunca. Nós não nos abandonaremos porque nunca prometemos nada um ao outro. E por isso mesmo estaremos disponíveis – essa é minha esperança, mais como um wishful thinking que uma certeza.

Naquele abraço eu agradeço por um favor que ele me fez e que naquele dia eu paguei, mas ele sabe que sou grata por muito mais.

Duas pessoas que não tinham por que sequer ter se conhecido. Duas pessoas que não se amariam se tentassem ter um romance. Mas duas pessoas que se amam mesmo assim, acima e além de tempo, espaço e circunstâncias.

Redescubro-me sempre, refletindo-me como um espelho no meu amigo.

Ele vai embora, com pressa.

Eu ando devagar, compro brincos, colar, pulseira, fumo um cigarro na frente do restaurante uruguaio olhando a noite linda e estrelada, morna em pleno junho no Rio Grande do Sul. Sorrio sozinha, ainda com o calor de um afeto real por este anjo em minha vida. Então, discretamente, coloco mais uma gotinha de perfume, piso sobre o cigarro e entro decidida no ambiente iluminado onde sei que verei mais rostos que acendem em mim o prazer de estar viva.

26.5.05

Long Train Running

Interessante como o subconsciente opera...
Passo mais de uma década sem me lembrar que uma música existe e, de repente, ela se fixa em minha mente, teimando em me enviar sua mensagem.
Caminhando no centro de Porto Alegre. Anoitece. Frio, muito frio (AMO FRIO!!!!), andando pelas ruas que amo e que contam a história da minha vida, das minhas paixões e dos meus encontros e desencontros. A claridade amarela das lâmpadas de rua. A neblina. Meu perfume que me excita e o contato com a pele de dentro do casaco atiça os sentidos. A libido solitária ecoa, destoa...
E de repente, sem mais nem menos, meu cérebro vira uma caixa sonora em stéreo.
Without love where would you be now, la-ra-la-la...
Os Doobie Brothers seqüestram minha racionalidade. Invadem minha objetividade.
E respondo: I'd be here, right here, seeing the past while I walk and see the places where Love once walked by my side. Once upon a long time ago...
Interessantemente, não concordo com os Doobie Brothers que me jogaram esta música sem que eu tivesse opção. Teriam feito melhor grudando em meu consciente What a Fool Believes...

21.5.05



A vida não é justa, nem injusta.

A vida É.

17.5.05

Para M. T.

Um dia, Sísifo chegou ao alto do monte e, ao ver a pedra despencando novamente, desistiu e sumiu do outro lado.

Não o vejo mais.

Volta, Sísifo.

Se não for para levar a tua pedra, que seja para ajudar-me a carregar a minha.
Respostas imbecis para perguntas idiotas:

-- Cortaram tua luz?
(sugestão de resposta para a mulher pobre do meu bairro que passou por isso:)
-- Ao contrário, a companhia de energia elétrica está oportunizando uma modalidade muito econômica de iluminação para minha residência, que funciona apenas com sebo e pavio.


-- Quebrou o braço?
(sugestão de respostas que dei à minha filha, quando lhe perguntassem isso:)
-- Não, apenas arranhei , mas achei melhor proteger com gesso, sabe como é.
-- Claro que não, é que está chegando o inverno e com gesso não preciso ficar trocando de roupa para esquentar o braço.
-- Não mesmo, quem quebrou foi minha mãe, mas ela precisa trabalhar então resolvi engessar o meu pra poupá-la.
-- Quebrei sim, mas foi o braço direito e não sei como o gesso veio parar no braço esquerdo.

-- Tu ainda estás traduzindo?
(respostas minhas a quem me faz essas perguntas:)
-- Claro! E tu, ainda estás advogando (gerenciando empresas? construindo pontes?)
-- Não, agora testo teclados de computador 15 horas por dia, e para ter algo que digitar pego uns textinhos de inglês técnico e passo pro português.
-- Claro que não, aposentei-me e meus clientes de free-lancer me pagam uma pensãozinha todos os meses, espontaneamente.

Da Série Abobrinhas Podres

Os últimos serão os primeiros...
a reclamar.


Os últimos serão os primeiros...
a dar com a cara na porta fechada.

12.5.05

(espero jamais perder esta febre, a paixão por traduzir. Conheço pouca coisa que me atice o cérebro mais que traduzir. Fora isso, paixão e ficção. É ou não é um privilégio trabalhar naquilo que se ama?)

Sinto-me como se sexta, sendo quinta
E como se sexta com festa,
batucando no teclado, neurônios agitados,
barulheira infernal no cérebro
– à volta o silêncio.
Sou sexta, num grupo de cinco,
percorrendo becos de significados,
embriagando-me de sentidos
(de palavras, nuanças, expressões)
...como se sexta, não de festa do corpo,
mas da mente,
tradutória orgia como se amanhã,
um falso sábado,
eu despertasse cansada
e de ressaca de letras.

11.5.05

Centro da cidade.

Meio da tarde.

Passo. Ele me olha. Cinqüentão, olhos azuis, cabelos que já devem ter sido loiros, grandalhão (por que mulheres pequenas atraem grandalhões? Não respondam – tenho teorias safadas sobre isso). Eu o olho (acho que o planeta inteiro sabe que gosto de homens claros). Desvio o olhar (para que ir em frente?). Olho de novo (será que ainda está olhando?). Está, fixamente. Entro no bar. Vou pagar um café. Ele na rua, indeciso. Pela última vez baixo meu olhar. Some-se o homem. Sinto-me aliviada. Mais uma vez deixei de me dar mal.

“Tu és o meu tipo”, diz o azul dos olhos dele.

“Será? Poderias ser o meu, mas uma década atrás, quando eu ainda não sabia que olhares são poços sem fundo”

“Quem sabe, então?...”

“Não sei não...Já não sou suicida...”

“Talvez...”

“Não, definitivamente não. Tenho mais olhares para analisar no mundo, não preciso me atirar no teu.”

Quanta coisa se diz sem palavras em trinta segundos!

10.5.05

Whatever gets you through the night...

Acordo pensando neste pedaço de uma música (acho que do John Lennon).

Por que desperto ainda mais irritável que ontem, quando pensei que seria impossível estar ainda mais irritável, inquieta, nervosa e pê da vida que ontem?

Preciso descobrir respostas, porque nada parece errado.

Ontem:

Aparentemente, o muso desmanchou seu romance antigo e isso me entristeceu, porque sua noiva e ele são pessoas que eu via como metade um do outro (ainda tenho essas visões românticas de certos casais).

A., está de namorado novo, feliz da vida, e fiquei feliz por ela – mas ao mesmo tempo eu penso: como é que ela tem paciência para ter namorado? Eu há muito tempo não tenho. Ou ela encontra namorados ótimos e minha fonte secou? Ou sou uma egoísta que não divide sua vida com ninguém? – Não, só não suporto dividir rotina. Deus me livre.

Meu amigão tenta fazer com que eu finalmente receba o bendito cheque dos EUA, e faz das tripas coração para isso, antes de se mandar pros EUA para a formatura da filha e em meio a tantos outros problemas que tem.

O B. voltou a ligar, no Dia das Mães. Depois de mais de 6 meses. Já nem sei se ainda sou “fascinante” e “sexy” para ele, mas isso não importa (algum dia importou?).

Vejo que engordei um quilo e meio e agora estou com 55 quilos, para 1,64m. Alegríssima, apesar de talvez ter de comprar tudo um número maior, já que minhas calças justas agora não estão mais entrando. Cinqüenta e cinco quilos, meu recorde. Três a mais que meu peso “normal”. Tudo graças às balas de goma que devoro com o objetivo expresso de engordar, mesmo (aí, Alessandra, meu problema é o inverso do teu).

Recebo convite para administrar uma lista de tradutores que vejo como minha segunda casa. Delicioso, lembrarem de mim.

<>Então percebo que toda minha insatisfação comigo mesma vem de um único fato, apenas um, que não aceito e não me sai da cabeça: amarelei, pela primeira vez em 19 anos traduzindo, na frente de um teste de uma agência na qual queria muito entrar. Eu, Dayse Batista, que acabei de passar em um teste para outra agência e recebi de volta um email de “Parabéns por entrar para nossa equipe. Você foi aprovado em um teste considerado muito difícil...”. Eu, Dayse, cujo currículo é a vitrine da minha vida (deve haver algo errado nisso de colocar a profissão como principal vitrine de quem somos, mas não estou analisando, estou só comprovando – por enquanto). Eu amarelei, incapacitada de verter para o inglês coisas como:

Caso a Licitante adjudicada desejar ter as características das fibras ópticas , tipo de instalação dos cabos , tipo de conector no DIO , distância entre sites do mesmo anel , e outras informações relevantes , tipo de fibra bem como atenuação em 1310 nm e 1550 nm , poderão ser solicitadas a YYY ...

Alguém aí tem uma vacina contra a arrogância? Um remédio que alivie essa mania de perfeição (o que não quer dizer que eu seja perfeita, apenas que tento ser)? Uma panacéia contra a infelicidade ao constatar que sou humana?

<>Se hoje eu conseguir me perdoar por ser apenas boa, mas não o máximo, acho que conseguirei ter um dia ótimo (afinal, parou de chover e o sol está começando a aparecer, o que significa que, no mínimo, sairei para comprar um livro e tomarei um café com chantilly e canela).

6.5.05



Um dia descobrirão que esse aí nunca foi um homem real. Eu ia dizer "de verdade", mas não sei se sendo real ele seria um homem de verdade. Tudo indica que seria, mas eu tenho essa teoria de que esse homem aí não pode ser real. É uma conspiração hollywoodiana para tornar as mulheres felizes, amansá-las durante a TPM (ou deixá-las furiosas quando olham para o lado, na cama, e vêem algo totalmente diferente). Esse homem aí é invenção. Ou é um marciano. Claro. Deve ser. De onde já se viu um terráqueo ter esses traços?
Perfeição, teu nome é Brad (se não olhar pros pezinhos dele...).

4.5.05

Pasta de dentes?
Coisa indigesta, coisa nojenta escovar os dentes com uma pasta feita de dentes.
O mesmo que creme de cabelos. Credo. Um creme feito de cabelos.
Prefiro escovar meus dentes com creme dental.
E passar creme para cabelos, feito de qualquer coisa cheirosa.

29.4.05



SEASONS OF LOVE (da peça “Rent”)

525,600 minutes, 525,000 moments so dear. 525,600 minutes - how do you measure,
measure a year? In daylights, in sunsets, in midnights, in cups of coffee. In
inches, in miles, in laughter, in strife. In 525,600 minutes - how do you
measure a year in the life?
How about love? How about love? How about love? Measure in love. Seasons of
love.

525,600 minutes! 525,000 journeys to plan. 525,600 minutes - how can you measure
the life of a woman or man?

In truths that she learned, or in times that he cried. In bridges he burned, or
the way that she died.

---------------------------

525.600 minutos, 525.000 momentos preciosos. 525.600 minutos – como se mede um ano?

Em dias, pores-do-sol, meias-noites, xícaras de café. Em polegadas, milhas, risadas, brigas.

Em 525.600 minutos – como se mede um ano de uma vida?

E quanto ao amor? E quanto ao amor? Mede-se em amor. Estações do amor.

525.600 minutos! 525.000 jornadas a planejar. 525.600 minutos – como se mede a vida de um homem ou mulher?

Por verdades que aprendeu, ou pelas vezes que chorou. Pelas etapas que superou, ou pelo modo como morreu.

Até onde se pode medir a falta de alguém?
Já inventaram um medidor de saudade?
Um saudadômetro?

25.4.05