4.9.05

New Orleans

Ok, aí vai (relutei o dia inteiro pensando se escreveria sobre isso, mas é irresistível):

Um artigo na Fox News na internet (Yeah, baby, sou fã da Fox, deu pra notar?). O cara -- negro, gorduchinho, pobre e desalojado -- diz que não sabe onde estão sua mãe, pai, irmãs e irmãos. Ele conta que perdeu tudo o que tinha na vida. Quase choro.

Aí vejo sua camiseta.

"I've got a life back" ("Ganhei uma vida de volta")

O quê??? Hello-o-ou!

Cara, é coincidência, isso?

Ele recebeu essa camiseta feita às pressas especialmente pra gozar da cara dos pobres negros que não conseguiram sair de New Orleans e foram atropelados por água? Será que ao ler o que está escrito em sua própria camiseta ele ri ou chora mais ainda?

A única coisa mais chocante que isso é ver a foto do congestionamento na estrada, no dia em que a evacuação foi ordenada. Brancos. Brancos. Brancos por todos os lados saindo com seus carrões. Na mesma proporção de negros que ficaram pra morrer de fome, sede, afogamento ou tristeza pura e simplesmente.

O esquisito era ver que esses que "evacuavam" tinham espaço de sobra no carro, para levar mais alguém. Mas como não havia um vizinho branco que precisasse de carona, optaram por ir embora rapidinho sem olhar para os negros que, talvez, acenassem à beira da rodovia.

Sociólogos podem entender.

Eu não entendo.

2.9.05

(Ao som de "Longer Than" - Dan Fogelberg)


Já deitei tanto contigo

E tu sequer sabes disso

Ou suspeitas que moras em mim.

Me perdi em ti para sempre

E tu nunca me encontraste.

Nem desconfias que te fiz meu

E que quando nem percebes,

Quando te pensas sozinho,

Sempre estiveste comigo.

31.8.05

Aqui estava eu, sábado à noite, com traduções urgentes (como sempre) e de ouvidos atentos aos preparativos para a chegada do furacão Katrina pela Fox News.
Resolvi conferir o que vira na TV – as webcams de New Orleans.

Por que é que fui fazer isso?

Quando alguém procura, acha.
Como qualquer pessoa normal, estava e continuo aflita, muito aflita por tudo o que vejo.

Entretanto, em meio a tudo isso, apenas uma cena está fixada em meu cérebro.

Uma da madrugada, horário do Brasil. Eu de olho na câmera instalada no alto de um prédio do qual se avistava o “W Hotel”, outros prédios altos e o céu, muito céu. Eu cuidava o céu, vigiando as nuvens, quando as imagens se embaralharam. Lá fora tudo ainda aparecia, mas estava turvo, com interferências.

De repente, percebi: três pessoas, certamente funcionários daquela sala onde a câmera da web estava instalada, haviam se grudado uma à outra atrás da câmera e seus reflexos se mostravam no vidro da janela onde, supostamente, deveria haver só a vista lá de fora.

Durante mais de meia hora os três lá olhando a rua, eu olhando a tela do micro, a câmera olhando o furacão que vinha, eu olhando para os reflexos daqueles três que olhavam o que a câmera via.

Cheguei a sussurrar: “Saiam daí, até quando vão ficar vigiando?” (claro que em algum momento a câmera teria de sair do ar, e eu sabia disso).

Ficamos nós cinco – os três no reflexo, o olho da câmera e eu, olhando o furacão que chegava, mas achei que meu corpo pedia sono e fui dormir.

Domingo de manhã não havia mais nenhuma imagem. Nada de câmera.

Até agora me pergunto se eles desceram. Se ficaram porque o prédio era alto e agora não conseguem sair porque um ou dois pisos estão cheios de água. Quem se importa com a câmera?

Preocupo-me com eles, que tiravam fotos (e os flashes de suas máquinas pipocavam no vidro da janela aumentando a perturbação na imagem que se via na tela do computador) e esperaram.

Tudo isso é muito surreal. E entre tanta catástrofe, fico aqui pensando em três reflexos que me fizeram companhia na noite de sábado.

Espero que estejam bem.




30.8.05

Guardei teus olhos verdes na gaveta e tua última carta também. Engraçado como se pode andar por aí com uma adaga enfiada no peito durante mais de três anos, sem ninguém perceber. De vez em quando, um suspiro – era só isso o que me permitia fazer, quando fechava até em cima os botões da roupa para que não vissem a chaga.
As fotografias provam que fomos felizes.
As imagens mostram que te amei.
Como nunca percebi, antes, que nas fotos tu prometias abandono e teu olhar não tinha o brilho do meu?
O Correio me traz notícias de quem nunca se interessou por mim. Meu Deus, que coisa antiga, uma carta!
“E não esquece que te amo, viu?” – dizes com letra caprichada e isenta de emoção (nem um tremorzinho sequer?!), depois do início com “Não quero brigar” e de, então, discorreres sobre ti mesma em quatro páginas, sem tocar uma vez sequer em qualquer coisa que me explique como é que alguém que se amou como se a uma filha durante praticamente a vida inteira de repente se afasta da gente, começa a tratar mal, sem explicação, absolutamente sem razão.
Não esquecerei que me amas. E tentarei ficar longe de quem quiser me amar assim. Com amores como o teu, é melhor não ter nenhum.
Hoje guardei meia-irmã, carta, sorrisos e o passado no arquivo.
Hoje tirei a adaga.
Tu estás bem. Na verdade, surpreendentemente bem (ter me machucado como ninguém mais conseguiu no mundo na verdade não te abalou e até parece que te fortaleceu).
Um dia, Viviane, talvez responda à tua carta em tom de comadre, como se nunca tivesses me matado, e também não perguntarei como estás, como tu nunca fizeste comigo. Se a ti só quem importa é tu mesma, para mim será difícil escrever uma carta na qual não pergunto de ti e não falo de mim.
Por isso levarei mais três anos e meio para responder tua carta. E quando a enviar, será uma folha em branco. Pela ausência de assunto, mesmo então.
Eu só queria uma explicação.
Eu só queria que me procurasses.
Se estás bem, fico feliz. Como a mãe que sempre fui, mesmo sendo apenas irmã, acho que é tudo o que posso desejar. Tu me mostras mais, a cada dia, que se deve amar sempre desinteressadamente.
Infelizmente sou muito humana e não estou tão perto do Céu quanto tu, com teus “irmãos” de religião e teu Deus que te ensina a ser cruel. Não gosto de amar sem retorno.
Tirei a adaga que andei carregando por três anos e meio só por pura raiva, hoje. Burra eu, andar por aí sangrando desse jeito como uma mártir, uma santa, quando nunca quis ser uma. Me recuso a esse papel.
Enquanto o ferimento cicatriza, tratarei de ser feliz e esquecer que te amei.

25.8.05



Recebo a notícia de que ela morreu em dezembro.
Eu mesma, tendo herdado um genezinho esquisito dessa que morreu, já sabia de sua partida antes mesmo que me contassem, de modo que não foi surpresa.
Em dezembro do ano passado passei por um período de luto sem morto – os que me conhecem intimamente sabem como é. Eu sou a mulher que anuncia: “Vai morrer alguém, logo”, ou “Fulano está muito doente, mas vai se recuperar”, ou “Vem coisa ruim por aí”. São bem específicos meus pressentimentos. Eu sou o urubu da família (e dos amigos mais próximos, né Paulo P.?), anunciando que está na hora de se despedir porque o trem ‘tá chegando e alguém tem de partir. Desde que me conheço (na verdade, desde os 12 anos), sou eu quem anuncia e vela os mortos quando nem eles mesmos sabem que já morreram, a partir do momento em que (sei lá por que meios) eu soube que para eles não é “vou morrer em um dia qualquer do futuro distante”. Para esses com quem sonho, é pra já. Sou eu quem descobre que fulano está com um problema sério no fígado, ao olhar para seus olhos. Que sicrana nem sabe ainda, mas está com o HIV... Que meu irmão se despede de mim três vezes, que aquilo está doendo, que já sinto saudade e sei que nunca mais o verei, e ele morre uma hora depois, macrobioticamente saudável, se é que isso é possível.
Para não parecer louca, direi apenas que em dezembro eu estava de luto, mas como em geral só sinto o luto, mas nem sempre sei por quem, escrevi no blog “Às vezes, a felicidade é saber que a próxima tragédia ainda não chegou”.
E descubro, no fim da semana passada, que ELA se foi. Em dezembro minha vó morreu louca.
Em agosto (pelo menos desta vez) não preciso mais anunciar que ela morreu. Nem que ninguém vai morrer tão cedo, como anunciei num agosto em que levei minha câmera no Dia dos Pais e avisei em casa: “Vou levar, porque será a última foto do meu pai”. Já falei sobre isso no post “Fotofobia”, aqui no blog.
Não sei para que serve esse conhecimento inútil de tragédias. Não me pergunto mais (já perguntei e só sei que serve para preparar a mim mesma, mais ninguém). Não questiono. Aceito, já que não se foge disso exceto enlouquecendo.
Ninguém receberá, jamais, a notícia de que eu morri louca. De qualquer coisa, menos de medo de enfrentar o mundo de lá e de cá.

P.S. 1 – Para os que não acreditam nisso, apenas ignorem-me que não levarei a mal. Isto não é brincadeira nem palhaçada, para mim.

P.S. 2 – Percebo, cada vez mais, que estou me tornando mais verdadeira neste meu blog, como um dia prometi ao Muso que faria. Também não sei se isso é bom ou ruim, nem aonde isso me levará. Não tenho (mais) medo de me revelar. A lucidez não depende de calar. Nem a loucura vem se falamos. Se minhas verdades às vezes são doloridas, se alguns se “queixam” que meus posts são “muito triiiiiissstessss”, que procurem risadas.
As minhas andam escassas. Meu senso de humor é outro, nem sempre compreendido por alguns na ironia de alguns posts, nos trocadilhos, no fundinho de um poema.

Que seja.

19.8.05

Dos sorrisos que me fazem chorar, o teu é o que mais recordo.
De todos os meus mortos, tu me fazes a maior falta.
Tapo com as mãos meus olhos. Não quero mais te ver, irmão-fantasma.
Tapo com as mãos meus ouvidos. Não quero mais saber.
Tapo a boca. Nem vou mais contar a ninguém que me assombras.
Cubro a mente com um véu de delírio.
Ninguém mais vai morrer no meu mundo.
Está decretado.

14.8.05


Prefiro as mil mentes dos amigos etéreos,

Hidras e Medusas, leões e dragões

(sou o que mais assusta, no meu Argos)

Que teu corpo sem cabeça,

Sem paixão nem compaixão.

Não mordo tua isca

por perversões banais.

(minha perversão eu invento,

e prefiro sempre aquelas

que nunca ousaste sonhar)

12.8.05

A dor pode até inspirar
Mas só o amor nos faz respirar

Hoje eu queria ser mulher-tocha
e me incendiar todinha
e me consumir , arder
e desaparecer.

Combustão espontânea.

Solução instantânea.




10.8.05

Diário de Uma Mulher Comum I


Alguém me disse ontem, que sentirá falta da minha cabeça pensante, quando afastei-me justamente por repensar minha participação em uma lista que, supostamente, deveria manter a elite dos profissionais das letras por sentir que simplesmente não me ajusto.

Recordo esse “precisamos de cabeças pensantes como a sua” enquanto junto cocôs de cachorro do meu gramado úmido ainda, cedinho.

Penso nisso enquanto jogo aquela bosta de saco plástico (ou saco plástico de bosta?) na lixeira da calçada, com o cuidado para amarrar bem as três sacolas para que o lixeiro não precise hesitar nem se sujar, ao levá-lo.

Penso nisso enquanto entro, vou até os fundos do meu quintal e observo minha mudinha de árvore – misteriosa, já que não sei o nome e a ganhei de crianças desleixadas cujo clubinho visava justamente cultivar o verde, mas que deixavam as plantinhas morrendo e criando mato no pátio da escola. A arvorezinha perdeu suas poucas folhas e, agora, exibe uma exuberância de novos brotinhos, verdes e tenros, anunciando que vingou. Um dia saberei se a árvore dá fruto ou flor.

Penso nisso enquanto escuto um “replay” dos acontecimentos da CPMI que assisti até meus olhos arderem e até o “Está encerrada a sessão”irritado e impaciente de seu presidente às 2h18m desta madrugada. Penso nisso enquanto sorrio, recordando o “E eu ia fuder minha vida pelo PT?” de um ex-empresário charmoso e salafrário, inconseqüente, que só lembrou da honra da família quando descoberto. O arrependimento dos sacanas nunca vem enquanto roubam, só ao serem flagrados. Mas sua espontaneidade, o “fuder” pelo qual desculpou-se imediatamente e que arrancou um sorriso dos que o inquiriam, me fazem sorrir.

Eu penso nas cabeças pensantes que, aparvalhadas, vêem os ratos todos a correr, esgotos abrindo-se, podridão escorrendo pelas veias deste país.

Cabeça pensante, eu?

Caro João, sou apenas uma tradutora de jeans velho que insiste em usar batom até limpando cocô de cachorro, uma mulher que passou dos quarenta e adora tomar Nescau fervendo com bastante leite Ninho, que pedala sua bicicleta na marcha pesada no delírio de que isso combata um pouco os efeitos das horas-bunda na frente do micro para defender esse mesmo leitinho Ninho da mãe e da filha.

Sou aquela que, após discutir com a filha e a mandar para a escola, chora, chora, chora e se sente miseravelmente coitadinha. Essa mesma que se julga inútil frente aos intelectuais grosseiros de uma lista de tradutores e prefere sair a quebrar as tamancas na cabeça de alguém.

Limpar cocô, sim. Perder a elegância, jamais.

Eis aqui a patética ilusão de uma cabeça pensante, João. E talvez te iludas apenas porque não estás aqui para ver que minha cama ainda está desarrumada e minhas plantas precisam ser regadas, enquanto minhas idéias mal-alinhavadas ocupam grande parte do meu dia sem jamais serem costuradas em definitivo, minhas palavras andam escassas e cada vez uma porção menor delas sai de minha boca. Um dia, se Deus quiser, ficarei muda.

Cabeça pensante, eu?

Em muitos dias, eu acho que já perdi a cabeça.

E se penso, é porque não dá para evitar.

8.8.05


Adiam a aterrissagem do ônibus espacial. Mais um dia lá em cima.
E a administradora da missão, ao ser indagada na Fox News acerca do ânimo dos astronautas, responde (traduzido livremente -- mas fielmente -- por mim):
-- Ah, estão com um dia totalmente livre hoje. Sabe, será divertido, já que terão o dia inteiro para tirar fotos, descansar com gravidade zero...

ARRÃÃÃÃHN......

Então tá. Gravidade zero dá barato? Só assim.


P.S. - Cliquem na foto para ver que beleza.

7.8.05

Flor


“Bom dia, cara amiguinha.

Como é que eu vou viver sem ler suas mensagens??? Como? Me diz???

Mas quero você de volta!!! Ou ao menos por aqui... ai, meu Deus, acho que vou ter que entrar naquele seu blog e no orkut para ter sua companhia... (é???) mas eu não dou conta de mais internet...

Ah, tô com saudades. É isso.”

Recebo esse e-mail aí, coisa mais linda, coisa mais fofa, coisa mais amorosa. Se fosse de um homem, eu já me sentiria feliz.

Mas foi de uma amiga.

Isso me deixa mais feliz ainda.

Amo você, Cláudia Santi.

(Quanto ao homem, fez com que várias lágrimas que teimaram em escorrer por meu rosto ante-ontem à noite virassem sorriso e eu, que me sentia feia desde o início do dia, me senti linda, flor, querida e limpa – o que em se tratando de um homem, é mais do que muitos me dão! J)

31.7.05

Time-Eater




















Algumas pessoas vivem no, para e pelo passado.
Referem-se a ele, sempre. Mencionam tempos gloriosos. Agruras. Frustrações. Recordações de amores. Parecem estar sempre apenas com um pé enfiado no agora e todo o resto (coração, mente) nos dias que já se foram.
Detesto o passado.
Não detesto o que passou, mas detesto lembrar o passado.
Eu não vivo o passado. Não escuto uma música e fico relembrando “um grande amor” e revivendo aquela época. Não vejo o nome de um antigo colega de trabalho no Orkut apenas para ficar horas discorrendo sobre “aquele tempo”.
Eu não suporto viver do que já passou.
Sou dez. Dez Dayses, dez fases de vida, dez mulheres em dez fases e tempos diferentes, e sempre preferirei a de agora e mais ainda a de amanhã.
Não ouço mais as mesmas músicas que ouvia dez anos atrás (pelo menos 90% delas enfiei na lata de lixo mental), não uso o perfume que usava dez anos atrás. Não tenho o mesmo homem que dez anos atrás. Não moro na mesma casa que dez anos atrás.
Se insinuam que sou uma fugitiva de mim mesma, posso sacudir os ombros e responder: “So what?” Não me importo com o que pensavam de mim há dez anos e não me importo com o que pensam hoje.
(Confesso que sou vergonhosamente independente, mental, financeira e emocionalmente)
Na minha vida, há uma única constante: a família
Acredito que nossos passos vão se apagando no tempo, nossas pegadas precisam sumir e jamais devemos repisá-las. O único caminho é em frente.
Não lamento nada. Engulo as lições, jogo fora os bagaços e assimilo os frutos da aprendizagem. E sigo em frente.
Creio que os dias são curtos demais, a vida é absurdamente pequena para tanto que se quer e o coração está sempre ansioso demais por bater, para que se perca tempo reprisando filmes (é, raramente assisto reprises), ouvindo milhares de vezes a mesma música com a mesma emoção (ouça-se, mas com emoções diferentes a cada vez), tentando acertar durante anos a fio com uma mesma pessoa que se mostrou a errada desde o início, apanhando na cara, metaforicamente, por tentar capturar uma sombra fugidia de quem já fomos.
Stephen King criou uma história na qual um monstro indizível, invisível, incrível, engolia com um ruído estrondoso tudo o que já havia passado, quando o dia anoitecia.
Sou assim.
Sou minha própria time-eater – eu devoro meu passado para que ele não acabe por me devorar.

21.7.05

Prezado Senhor:

Venho por meio desta solicitar-lhe que providencie a devolução de meu coração, que lhe entreguei em confiança para ser guardado até a data da expiração.
Tendo em vista que a guarda deste bem não foi feita com o empenho necessário e que a chave para que eu possa abri-lo a outro ainda está em seu poder, insisto em meu pedido.
Devolva meu coração que lhe confiei para ser bem cuidado.
Em minha última inspeção, constatei avarias – não decorrentes do uso e desgaste naturais –, com aparentes pontos de ferrugem por falta de uso em seu poder.
Assim, na presunção de que ainda possa recuperá-lo para o bem de quem se oferecer na concorrência que pretendo convocar, envio-lhe anexo a esta um protocolo, para que conste neste sua assinatura comprovando seu conhecimento de que peço de volta o que era meu e que lhe dei de boa-vontade, mas que, sem o retorno esperado – uma vez que apesar da promessa o senhor jamais me entregou o seu –, deverá retornar à detentora original de sua posse.
Não proponha a troca por ações, por favor. Até esta data, o senhor não ofereceu ações que valessem meu investimento.
Desde já agradeço sua atenção, e só não me despeço com um “cordialmente” por motivos óbvios.

15.7.05


Havia um encantamento aqui.

Perdi.

Havia sede de ti.

Bebi.

Tinha ânsias que nem sei.

Saciei.

Havia uma paixão aqui

Que se foi e eu nem vi...

Eu engulo sonhos.

Cuspo desilusão.

10.7.05

Frase vista hoje no túmulo de José Lewgoy, no Cemitério João XXIII em Porto Alegre:

"Não devo nada ao Cinema Nacional.
Devo, sim, por causa dele."



Matou a pau. Nada como ter a última palavra :-)

Letícia, 9 anos e 9 meses


Ela desenha a vida colorida e sóis sorridentes. Flores alegres, árvores verdejantes, sempre muito céu, sempre azul. Casas espaçosas, vida bonita, felicidade em tudo.
Ela ama sua grama abundante e, de vez em quando, um passarinho vem e voa longe em seu horizonte, ou cai uma chuva fininha (nunca um temporal). Os cavalos, os cachorros, todos os bichos que põe no papel têm alegria e sorriem, mesmo enquanto coçam as pulgas ou estão dormindo ("É mais fácil desenhar olhos fechados, mãe.").
Em seu universo não há violência, e seu coração generoso não vê sujeira nem terra árida.
Letícia pensa que desenha o mundo assim porque ele é bonito.
Não vê que o mundo se faz bonito e se enfeita por vergonha de mostrar-se como é, aos seus olhos de anjo.

8.7.05
























Um dia te olhas no espelho e perguntas: “Onde foi parar aquela menina, aquela adolescente? Que fim levou aquela mulher jovem que ainda ontem tinha o rosto mais cheio, nenhum vinco na face e o corpo mais firme?”

Um dia te sentes triste.

Te perguntas onde foram parar os dias, e todas as aventuras que querias viver, e todos os teus amores – olha só, todos casaram, separaram, sumiram no mundo, eles que te amaram, foram deixados ou te deixaram – cadê?

Um dia pensas que eles também se perguntam onde foram parar os cabelos. Como é que essa barriga indecente apareceu. Quando foi que as pernas musculosas viraram obras já não tão admiráveis da Mãe Natureza?

Um dia, te olhas no espelho e, no meio da lamentação, tu paras.

Teu olho esbarra numa mulher.

Dos teus lábios que já foram mais cheios, vem surgindo um sorriso. E o sorriso safado e esperto não estava ali, vinte anos atrás. Não poderia estar, porque a mulher que te olha no reflexo não podia existir.

Essa mulher que te olha andou muitos caminhos, interiores e externos. Percorreu trilhas de vontades insatisfeitas, decorou o corpo com lágrimas de amantes entre seus seios – estão lá, escondidas –, percorreu mundos imaginários e se deliciou com possibilidades, imaginou projetos disparatados, prometeu a si mesma ser feliz.

Um dia, essa mulher linda e mais velha te sorri no espelho, e seus olhos têm uma luz que não havia anos antes. Ela sabe que seu corpo agora é conhecedor de todos os segredos do amor, possuído e dono dos desejos alheios, mestre na arte de domar a febre para redobrar a paixão.

Nesse dia, essa criatura de cabelos vermelhos e crespos te encara e tu a olhas, finalmente, de frente e sem medo. Te descobres apaixonada por ela. Adoras seus traços, não sentes mais medo, porque as piores rugas que poderiam ter surgido – as da miséria, ganância, ruindade e mau-caráter – nunca apareceram. São adoráveis as linhas deste rosto que ainda guarda uma agradável suavidade e uma lembrança da menina bonita que já existiu neste corpo maduro e nessa cara lavada.

Ali, bem na tua frente, descobres a mulher que sempre quiseste ser. Te orgulhas do que ela conquistou, sabes que sentirias inveja se não fosses tão íntima dela. Vês o que desejavas ver quando sonhavas em ser ela, mas não imaginavas possível.

Um cisne nunca deixa de ser um cisne, ainda que mais velho.

E tu cumprimentas essa mulher do espelho com um “olá” divertido e faceiro, sussurrando bem pertinho dela, cara-a-cara, olho no olho:

“Keep that fire burning, baby. Never, never forget that flame.”

Enquanto o fogo arder e tu mantiveres a chama, essa mulher que te olha em qualquer reflexo te amará também.

4.7.05


Vou confessar um pecado: eu ainda não havia assistido ao filme “Magnólia”.

Por quê?

Primeiro, porque detesto o Tom Cruise e só vejo algo com ele se considero inevitável, um prejuízo para a minha cultura se não assistir aos filmes bons nos quais ele é o ator principal. Explico: não é que eu deteste o Tom Cruise como ator. Não. Ele é soberbo. Mas detesto sua cara, seus trejeitos, seu corpo, tudo. Só admiro mesmo é sua capacidade como ator.

Dito isso, confesso que, passando por cima de minha intolerância ao Cruise (que além de tudo é um infantilóide, na minha opinião), reservei mais de três horas para assistir Magnólia apenas porque havia alguns filmes gravados no meu Sky+ e tnha de começar a ver algum. Então que fosse esse, num domingo chuvoso e sem traduções, casa arrumada e tédio.

No início, achei divertido. O lance de alguém que morre assassinado com um tiro ao saltar de um prédio para o suicídio é genial. Rolei de rir.

Então, tudo muda e me vejo no meio de um caleidoscópio de cenas rápidas mostrando vidas comuns, personagens tensos e irritantes. Algumas cenas longas demais me irritam, depois. Outras me parecem exageradas, fake, mas vá lá. Continuo olhando, porque em algum lugar o filme deverá chegar.

Em uma hora, o filme começa a me pegar, apesar da tensão contínua que me faz desejar fugir e encarar uma comédia. O Tom Cruise merece o título de “personagem mais abominável”, com seu curso de “Tame Her”.

Em duas horas, estou absolutamente boquiaberta e encantada, achando que não tem mais solução e que cada um daqueles dramas terminará em tragédia. Há quase que um point of no return quando a chuva começa, no filme. E a tensão continua.

Antes da chuva dos sapos, um momento memorável, inesquecível, em que a Aimée Man canta “It’s Not Going to Stop” e cada um dos personagens, em seu cantinho particular, balbucia junto com a trilha as palavras da canção triste. Belíssimo.

Philip Seymour Hoffman não poderia ser mais delicado e comovente, como o enfermeiro cheio de compaixão, e amei a parte em que diz ao atendente do "Tame Her": "Now we've got to the part in which, if we were in a film, I'd say the old man is dying and longs to see his son" (ou algo semelhante). Então, ele diz: "But this is real, this is not a film and there's a man dying here". Perfeito o modo como ele diz que dramas assim acontecem, que não é só nos filmes.

E quando os sapos começam a cair do céu, me descubro dando vivas, entusiasmada com o inusitado.

Entendo por que o filme fez tanto sucesso. Ou não deveria entender, já que é tão inteligente e o povo tão ignorante (parece-me que muitas pessoas sentam-se para assistir a um filme na esperança de não precisarem pensar, de serem anestesiadas e transportadas durante uma hora e meia para longe de suas vidas).

Este filme não nos transporta para longe de nossas vidas. Ao contrário. Ele nos traz mais para perto de nossos dramas íntimos, de nossa solidão. Faz com que encaremos a necessidade de continuar, de fazer algo bom, de perdoar. Parece simplista, mas não é, esta mensagem.

Um elenco incrível, personagens com conteúdo, uma trilha perfeita, atuação suprema, uma direção que nos leva para dentro dos dramas como se fôssemos espiões, como se nem devêssemos estar ali. Depois, agradecemos porque estávamos.

Magnólia é uma obra de arte.

É para isso que o cinema foi inventado.

Um filme grande e um grande filme, impecável em todos os sentidos.

Acho até que começarei a ser mais tolerante com o Tom Cruise. Quem consegue demonstrar com tanta sutileza o tumulto íntimo frente a uma confrontação de suas mentiras (na entrevista com a jornalista), quem consegue dar tanto realismo ao desespero e descontrole (quando seu pai morre) merece meu respeito, não importando se na vida real só diz e faz bobagens (sua entrevista patética num talk show, ele de joelhos declarando seu amor àquela “guria” a quem jurou “amor eterno”...). Talvez, depois de “Entrevista com o Vampiro”, eu não tenha visto um Tom Cruise tão absolutamente fascinante quanto em Magnólia.

Já é algo para um domingo sem graça.

2.7.05

Além da cama, o teto.

acima do teto, a noite.

Sobre a cama, meu corpo.

Em minha pele, desejo.

Sobre a casa, tempestade

Acima de tudo, saudade.

27.6.05



Sempre tive uma inveja danada das mulheres daqueles homens que, aos domingos, se põem a cortar a grama com um desvelo de mãe que cuida a cria. Terapia. Obrigação. Ginástica. Um modo de liberar a tensão (se lá dentro o fedelho berra, a tevê chateia, a casa rescende a cebola e alho e o domingo se esvai em monotonia, não importa).

Sempre tive inveja das mulheres desses homens que cortam grama aos domingos.

Ou consertam o telhado.

Ou constroem um murinho que só serve para, depois, encher de vasinhos que logo os gatos derrubarão (certo, o cão não entrará, mas a sujeira não diminuirá por causa dos tijolinhos unidos no fim-de-semana).

Sempre fico observando, com uma inveja mal-disfarçada, esses homens domésticos, domados, treinados, pacatos, que colocam seus músculos em ação para ajeitar o ninho.

Um homem de avental me atrai, mas se está ao ar livre, fazendo do cortador de grama sua Ferrari, com o empenho de um Schumacher, valha-me Deus.

Até Brad Pitt, em “Kalifornia”, todo enlameado, suado, feio de propósito, cavando uma cova para enterrar o coitado do locador de seu trailer em frangalhos, me atrai barbaramente.

Assim, quando Mr. B. me liga do outro lado das Américas, em pleno verão norte-americano, e me diz que fez uma pausa em sua ingrata tarefa de arrancar toda a grama para substituí-la por uma espécie mais macia... Quando conta que suas unhas estão pretas de terra... Que está todo suado...

Deixo de ouvi-lo e até sua grande conquista no cinema vale muito pouco (para mim).

Digo-lhe que naquele instante, naquele exato momento, eu daria tudo para pular em suas costas suadas, para sentir nele o cheiro da terra.

Ele ri.

Diz que, pelo andar da coisa toda, só terminará em meados de 2007.

Digo-lhe que até lá junto dinheiro para surpreendê-lo.

E ele responde que, então, passará o tempo todo cavando e olhando por sobre o ombro na direção do portão.

Quem sabe?

Quem sabe uma selvagem, uma amazona louca por homens rústicos, ansiosa por homens terrosos, naturais e mansos, não venha montá-lo um dia?

Enquanto minha grama cresce e só é cortada por quem é pago para isso (que sem graça, que coisa sem sex-appeal), vou rezando para chuva e sol, chuva e sol, lá looooonge, e a cada fim–de-semana, eu o imaginarei, a partir de agora, nesse quadro curiosamente sensual.

Cortar grama tem lá suas recompensas.

25.6.05

Hora do Almoço

Tira daqui esse arroz-com-feijão!

Me traz um prato de ficção

e um copo de inspiração.

Me traz, de sobremesa, paixão,

Um potinho de emoção,

recheado de tesão.

20.6.05


Não me esqueças.

Se me esqueceres, porém,

que o vento que varre tua mente

leve tanto que te deixe vazio,

ansiando por algo que perdeste

e te faça procurar em alguém

um pouco do que tiveste de mim

19.6.05

De tudo o que foi dito
(bendito)
De nada esqueço
(padeço)

18.6.05

Dizes que te vês entrando nos meus sonhos.

Então me diz: por que porta tu sais, para que eu a mantenha sempre aberta e com uma vassoura escondida atrás dela?

12.6.05

“Only love can break your heart

try to be sure right from the start

What if your world should fall apart?"

(Neil Young)

Existe maior bobagem do que tentar garantir, desde o começo, que o amor não nos partirá o coração?

Neil Young fez minha cabeça, e em algumas músicas (The Needle and the Damage Done, My My Hey Hey) ainda faz, mas hoje percebi a besteira que ele diz na letra de Only Love Can Break Your Heart.

O mundo da gente sempre desmorona, quando nos apaixonamos e alguém nos parte o coração. Isso é certo, inescapável. Não há certeza no amor (e como diria o Stevie Wonder, “All in Love is Fair”) e querer garantias é tolice.

Talvez não caiba a mim dizer isso, uma vez que provavelmente eu possa ser classificada, em uma escala de 0 a 10, como um 7 ou 8, em termos de ter medo de amar – e nem foram muitas as vezes em que tive de juntar os caquinhos do meu coração. Entretanto, sou daquelas pessoas que, embora com medo, arrasta um trem para viver paixões. Dane-se, se houver dor. Dane-se se durar pouco. Dane-se, se nunca é Mr. Right que aparece na minha frente. Não existe o “Amor Certo”, nem o amor ideal. Existem amores possíveis.

Acredito que devemos, sim, tentar garantir que não estamos fazendo a pior escolha possível, desde o início. Isso sim. Mas não devemos nos cercar de muros. Os muros tornam impossível a escalada de alguém até nossos sentimentos, até nossa alma.

Já fui impenetrável, mas aprendi que o mistério que existe em nossas almas nunca transparecerá totalmente, de modo que deixei de fazer charme e hoje revelo o que há para revelar – sempre serei um mistério, tanto para mim quanto para o outro –, sem medo de me expor.

“Apenas o amor pode partir teu coração” – mas experimenta não amar, para ver como o coração vira pedra, inquebrável e inflexível, dolorido mesmo pela rigidez que impuseste a ele por força dessa “musculação”, deste exercício idiota de controlar tuas emoções.

11.6.05



DIGA NÃO

... a pessoas indiscretas
... relaxadas com o próprio corpo, sujinhas e fedidinhas
... a quem acha que ter arma em casa é proteção
... a homens abusados
... a quem diz que não gosta de crianças
... a mulheres que disfarçam o que são, por usarem aliança
... a parasitas, seres que não constróem, só usam e consomem os recursos do planeta, da família, dos amigos e parceiros
... a presidentes de país ignorantes, machistas e metidos a bem-humorados
... a revistas de fofocas
... a analfa
betos musicais e às rádios que os tocam
... a casas sem livros
... à falta do senso de cidadania
... ao há
bito de achar que algo muda se não se faz nada
... àqueles que preferem não ir ao médico para não sa
berem que estão doentes
... àqueles que, estando doentes, não querem sa
ber o que têm
... àqueles que sa
bendo o que têm, preferem não se tratar
... ao álcool em demasia
... à arrogância

Diga NÃO à idéia de passar pelo mundo e não fazer diferença.

Você PODE.


7.6.05

Oh, good, Mister Maslow,

agora que já satisfiz minhas necessidades de nível inferior – agora que estou alimentada, aquecida, segura, com meu trabalho muito satisfatório, com saúde e amigos que adoro, resta-me confirmar sua teoria.

Agora busco atender a uma necessidade superior.

E o que é?

A-M-O-R.

(depois desta, resta alguma?)

5.6.05

Uma Conversa

Ele chega atrasado e comento:

– Que bom que nunca vou casar contigo, Fernandinho, porque eu teria de me atrasar duas horas para ainda te esperar mais uma... estás sempre atrasado...

Zanzamos pelo shopping, cada um de nós recolhendo fios mentais de conversas inacabadas por e-mail ou telefone, muita coisa para ser retomada, pouco tempo para longas conversas significativas.

Pergunto como está seu coração.

Está vazio.

O meu também, eu digo.

Ele menciona um rol de interessadas virtuais que, quando vistas em carne e osso deixam a desejar.

Ele me responde, quando lhe pergunto por que:

– Uma mulher precisa ter a capacidade de pelo menos preencher uma hora de conversa interessante antes de ir para a cama e meia hora depois da cama.

Fico pensando...

– Além disso – ele continua –, não pode ser muito gorda nem muito magra. Deve fazer algo por sua vida...

Continuo pensando. Não lhe pergunto se eu preencheria os requisitos. Sei que sim.

Eu não preciso perguntar-lhe. E ele não comenta quando eu lhe conto que também tenho alguns “pretendentes” contados nos dedos, mas que uma vez que não transo (mais) com amigos e nem com amores do passado que querem jantar comigo e me jantar depois que casaram com outras (e quando supostamente eram apaixonados por mim), a situação fica difícil. Meu amigo e eu somos ocupados e não temos todo um mercado de corações livres de onde escolher um.

Ele não comenta, mas sabe que preencheria muitos dos meus requisitos.

Acontece que dos homens que mais admirei na vida, poucos (nenhum?) habitaram meu corpo – apenas minha mente e fantasia. Ele é um dos que ameaçaram entrar por uma porta que nunca se abriu completamente.

Meu amigo e eu chegamos a conclusões semelhantes. Que ele só conhece mulheres que querem se arranjar e que por isso nem começa nada com elas. E que eu não quero me arranjar com ninguém e por isso não começo nada com ninguém, porque não quero compromisso, mas também não quero aventuras.

Em nossas incongruências, meu amigo e eu nos encaixamos. Eu não lhe dou sexo, e ele não me dá romance. Negamo-nos graciosamente o que não seria espontâneo e aceitamos com elegância a honestidade de nossa tentativa de não nos enganarmos mutuamente. Ele nasceu para casar, mas detesta a idéia de que uma mulher o queira já com isso em mente. Eu não nasci para casar, mas detesto a idéia de que um homem não pense em mim como uma parceira em potencial. Sei que nunca serei parceira de ninguém, e aceito minha individualidade excessiva – com alguma dor pelo reconhecimento de minha insubordinação às emoções, mas aceito. Ele não aceita sua solidão, e vive à espera do que eu nunca procurei realmente – algo sólido, estável e tranqüilo.

Ele está atrasado para cumprir sua missão de bom filho, cuidando da mãe doente.

Eu estou com tempo para fazer umas comprinhas e depois rever amigos amados em um restaurante.

Eu o abraço apertado, lhe digo um muito obrigada de coração, e ele sabe por que, mas me diz que não preciso agradecer. Eu sei que não preciso. Ele é meu pai-irmão-conselheiro-amigo, talvez o único homem que sei que não me abandonará. Nunca. Nós não nos abandonaremos porque nunca prometemos nada um ao outro. E por isso mesmo estaremos disponíveis – essa é minha esperança, mais como um wishful thinking que uma certeza.

Naquele abraço eu agradeço por um favor que ele me fez e que naquele dia eu paguei, mas ele sabe que sou grata por muito mais.

Duas pessoas que não tinham por que sequer ter se conhecido. Duas pessoas que não se amariam se tentassem ter um romance. Mas duas pessoas que se amam mesmo assim, acima e além de tempo, espaço e circunstâncias.

Redescubro-me sempre, refletindo-me como um espelho no meu amigo.

Ele vai embora, com pressa.

Eu ando devagar, compro brincos, colar, pulseira, fumo um cigarro na frente do restaurante uruguaio olhando a noite linda e estrelada, morna em pleno junho no Rio Grande do Sul. Sorrio sozinha, ainda com o calor de um afeto real por este anjo em minha vida. Então, discretamente, coloco mais uma gotinha de perfume, piso sobre o cigarro e entro decidida no ambiente iluminado onde sei que verei mais rostos que acendem em mim o prazer de estar viva.

26.5.05

Long Train Running

Interessante como o subconsciente opera...
Passo mais de uma década sem me lembrar que uma música existe e, de repente, ela se fixa em minha mente, teimando em me enviar sua mensagem.
Caminhando no centro de Porto Alegre. Anoitece. Frio, muito frio (AMO FRIO!!!!), andando pelas ruas que amo e que contam a história da minha vida, das minhas paixões e dos meus encontros e desencontros. A claridade amarela das lâmpadas de rua. A neblina. Meu perfume que me excita e o contato com a pele de dentro do casaco atiça os sentidos. A libido solitária ecoa, destoa...
E de repente, sem mais nem menos, meu cérebro vira uma caixa sonora em stéreo.
Without love where would you be now, la-ra-la-la...
Os Doobie Brothers seqüestram minha racionalidade. Invadem minha objetividade.
E respondo: I'd be here, right here, seeing the past while I walk and see the places where Love once walked by my side. Once upon a long time ago...
Interessantemente, não concordo com os Doobie Brothers que me jogaram esta música sem que eu tivesse opção. Teriam feito melhor grudando em meu consciente What a Fool Believes...