12.9.04

Cara, como ele escreve!! (Apresentando Antônio Jr.)

Recebo, do nada, um texto de quem nunca havia ouvido falar. Não sei de onde ele tirou meu nome -- nem ele mesmo sabe --, mas agradeço à Sorte, ou Destino, ou Acaso ou às listas de discussão (hehehe).

Quando vejo o e-mail com anexo de foto e mais um texto enorme, penso: "Ih, outro." Isso porque, como qualquer pessoa que escreve como amador mas leva isso a sério, volta e meia (duas voltas seria mais certo) recebo coisas gratuitas, para ler apenas, ou para avaliar.

Tenho a sorte de ter amigos que escrevem muitíssimo bem e cujo talento só não invejo mais porque meu "estilo" (se há um) é diferente e, portanto, eu não teria muito o que fazer com o estilo desses gurus.

Então começo a ler.

Sinto-me chocada já no primeiro parágrafo. Largo o texto. Dez minutos depois me vejo forçada a retomá-lo e sorvo de uma só vez esse hálito de verdadeiro literato.

Então exclamo, como uma patricinha deslumbrada (quando não sou nem uma, nem outra): "Cara, como ele escreve!!"

Parece que Antônio Jr. não precisaria ser apresentado por mim (tem livros publicados, é jornalista), mas para os que, como eu, não o conhecem, aí vai uma provinha, e o link sob o texto (obs. - Os acentos parecem ser um problema no teclado que ele usa na Espanha):



"Vê-lo não é um espetáculo divertido. A julgar pelas circunstâncias, está há uma ou duas horas atado a uma pequena e grossa oliveira, nu, o saco cortado e enfiado goela adentro. O sangue cor de vinho escorre por suas pernas fortes e sem pelos, sugado pela terra àspera. Os olhos grandes, opacos, bem abertos, fixam o nada, tomados por um susto dos diabos. Tem enormes orelhas e olhos negros, e parece tao inocente como um pequeno animal dos bosques. Nenhuma documentaçao, roupas ou qualquer objeto que o identifique. Depois de busca minuciosa, o policial colhe a dois metros do corpo, entre tufos de alfazema, um preservativo utilizado e um anel de prata com a letra M gravada. “É um maldito marroquino sem papéis”, sentencia a autoridade gorda e carrancuda."



"Vinte e quatro horas antes, Mohamed beijou a mae e cada um dos nove irmaos mais novos; e eles, esperançosos, nao choraram. No bote, apertado entre 17 corpos suados e tensos, em pé, buscou o céu oculto pela neblina e a lembrança do avô poeta recitando o épico “A Gata Negra”, que fala da sombria solidao humana. Ele o interpretava magistralmente em celebraçoes públicas e reunioes familiares. Observando olhos, bocas, maos, formas fantasmagóricas que se escondem e se mostram na névoa, comoveu-se com uma mulher de chilaba azul-turqueza e rosto tapado, agarrando-se a uma criança de colo. O seu olhar fulminante escondia um grito. Atravessando o Estreito de Gibraltar habitado por golfinhos e sereias famintas de carne humana, despediu-se da branca Tânger. O perfume particular da cidade cheirava a coisa antiga, confundindo-se com o perfume selvagem e apaixonado da terra cigana."



http://elgitano.blig.ig.com.br/

2 comentários:

Anônimo disse...

Dayse:
Fiquei comovido com as suas palavras. Obrigado! Amei também o blog: sensível e inteligente. Voltarei sempre.
Beijos,
Antonio Jr

- Realmente o meu teclado espanhol nao aceita certas acentuaçoes...Poré o meu Antonio é sem acento...

Anônimo disse...

E não é uma maravilha? Caem no nosso colo, essas coisas... Como o livro do Ted Hughes caiu no meu. Ted Hughes, o meu Fearing (conforme teu maravilhoso texto abaixo). E Cole Porter em segundo, juntinho com Chico Buarque, pra mim...

Um superbeijo
Ale Siedschlag