29.9.04

Bonita

Isso, de a gente acostumar-se com a própria cara, é uma coisa esquisita.

Durante minha vida inteira eu nunca soube se era bonita ou não.

Quando tinha uns treze anos, uma coleguinha me disse que "ele" (ele era o garoto mais lindinho e cobiçado) me achava uma gata. Achei que havia se enganado. Jamais pensaria em mim como "gata". Não deu em nada, mas nunca me esqueci de quem me chamou de "gata" pela primeira vez.

Então, aos vinte e tantos anos, fui ao Rio de Janeiro e um homem lindo, amigo de amigos, comentou que eu era um "avião".

Nossa.

Eu de calça jeans, blusa branca, meu batom e minha cabeleira -- tudo isso junto perfazia um avião. Só não saí voando porque não acreditei naquilo e porque não deu tempo de conferir, já que na mesma noite voltei para Porto Alegre e, assim, não consegui mostrar ao moço que eu conseguia decolar...

Então, de repente, senti-me feia, feia, feia, durante sete anos. Muito feia.

Por força de um homem que dizia me amar mas me achava feia -- meus pés eram feios, meus cabelos deveriam ser lisos, não encaracolados, eu me vestia primeiro bem demais e depois mal demais, era magra demais, deveria ter unhas compridas quando as mantive sempre curtas...

Então veio o limbo.

Eu não era nem feia, nem bonita. Apenas uma mulher. Comum. Comum. Comum.

E então alguém me disse, novamente, que eu era "fascinante.

"Fascinante" não quer dizer bonita. Mas já ajuda.

E neste ano, descobri finalmente que não apenas sou, mas me acho muito bonita.

Levei minha vida inteira sem saber que me achava bonita e que sou mesmo, e isso aconteceu apenas graças a uma pergunta e a uma pesquisa que vi na tevê.

Um amigo que também me acha "fascinante" riu de mim e me chamou de narcisita.

Nascisista, eu?!

É. Narcisista. "Tu te adoras", disse ele. Eu me adoro?, pensei. Então, ele me perguntou:

"Se tivesses de mudar algo na tua aparência, o que mudarias?"

Então descobri que não mudaria nada. Que, na verdade, nunca pretendera mesmo ter cabelos lisos e que meus cachos (ai, estão adoráveis agora!) são um diferencial. Descobri que meus olhos são lindos, brilhantes, expressivos. Que não há nada de errado com meu nariz, meu queixo, minha testa. Que minha cara de menina, que sempre me deixou chateada por me fazer parecer mais jovem do que era, agora trabalha a meu favor, quando já não sou mais menina. Meus lábios? Ora, uma boquinha tão bem feitinha, qual é o problema, afinal? E minhas sobrancelhas escuras e bem feitas, nada mais gracioso.

Além disso, na tevê, mostram uma pesquisa feita por psicólogos. Mais uma daquelas pesquisas inúteis que só servem mesmo é para encher espaço na tevê quando não têm nada mais interessante para mostrar. E a pesquisa diz que a maioria absoluta das mulheres não está contente com seu corpo, rosto, etc, e gostaria de ser diferente.

E respondo, em voz alta: "Eu não!".

Para quê?

Amo minhas pernas, adoro meu bumbum, gosto de minhas mãos longas, minha cintura e minha barriguinha quentinha (quase plana). Gosto dos meus pés, muito, muito, muito. Adoro meus ombros (não adorava, mas descobri que Caetano Veloso tem ombros tão ossudos quanto os meus). Gosto dos meus seios que não são nem de menos, nem de mais. Reclamo que sou magra, mas na verdade adoro saber que posso comer um boi, que logo meu cérebro inquieto trata de acelerar tudo e queimar todas as calorias, me fazendo ansiar por mais um boi e nem assim engordar. Gosto da sensação de que meu corpo pode fazer o que eu mando, desde curvar-se de costas até encostar as mãos no chão fazendo "ponte", até sentar com as pernas retorcidas em posição de ioga, até estralar todinhas as articulações fazendo minha filha cerrar os dentes horrorizada, até dançar loucamente, até fazer outras coisas muitíssimo secretas com partes também muito particulares que eu jamais ensinaria para nenhuma outra mulher para não perder a vantagem competitiva...

Meu corpo me ajuda. Graça ao fato de não viver para comer e de não ter problema de coluna, nem varizes, nem coisas desagradáveis semelhantes, ele suporta muito bem longuíssimas jornadas de tradução que, às vezes, duram (como três dias atrás) 30 horas direto, sem dormir, sem praticamente levantar, quase sem comer.

Em resumo -- sou narcisista mesmo, e a-do-ro a Dayse que só recentemente descobri.

Se eu mudasse qualquer coisa em mim, ah meu Deus, morreria de saudade do que era antes -- do que sou agora, com toda a estrada percorrida, com minha cicatriz na testa de uma queda de cima de um guarda-roupas quando era pequena, de uma outra minicicatriz quase invisível no queixo que não sei de onde veio e parece que já nasci com ela, de todas as minhas antigas células. Narcisista, eu?

Sou, sim senhor. E me amo a cada dia mais, assim, naturalmente, sem cabeleireiro, sem manicures caras, sem spa, sem regime, sem nenhum sacrifício para ser apenas eu, sem vergonha e sem modéstia.



5 comentários:

Anônimo disse...

Pois é. Agora eu assustei, de verdade.
Com a diferença de onde vc ouviu "fascinante", eu ouvi "exótica".
O pai da minha filha tb sempre me disse "te amo mas vc não é bonita".
E tem gente q me acha linda. E a maioria me diz "exótica!".
E cicatrizes, sim - uma na testa - pequena, guarda-roupa. E outra no queixo.
E pára com essas semelhanças que agora eu assustei.

Anônimo disse...

Custei a aprender isso...
Hoje também me curto mais. Nâo tanto quanto você curte quem é, mas estou melhor.
Nada mais apropriado para uma tradutora, não é mesmo?
Traduzir-se.
Amar-se.

Sofi

Anônimo disse...

Parece mentira, eu poderia ter escrito o mesmo. Incrível como esta parece ser uma sina das mulheres. Meu ex-marido foi me dizer que me achava bonita quando o casamento acabou... Até lá, sempre me senti um lixo...e não acreditei quando um homem maravilhoso, sensível, se apaixonou por mim e dizia que eu era linda... Tenho que trabalhar este bloqueio.

Anônimo disse...

Visitei e li"BONITA"

ë bonito...lembro D.Caimi!

Ë issomesmoDayse "bonita

"Recebe oabraço desta bonita avó Virgínia sem silicone

com travessuras ,cicatriz na cintura e bengala empunhada

sem berruga o nariz,mas com feitiço no coração !

Virgínia F. de Além Mar

Anônimo disse...

É... quem sabe um dia eu consigo me ver assim? Anyway, me amo do lado de cá ainda :)
Mas que és bonita, isso és mesmo!