17.9.04

No gancho

Eu odeio telefones.

Essa é uma das minhas muitas esquisitices e acho que a maior.

Eu realmente odeio telefones e sua única vantagem na minha vida é permitir o acesso à internet.

Não atendo, se puder evitar. Peço aos amigos que escrevam, se possível, porque não serão atendidos (muito provavelmente) ou serão, mas não serei eu falando (será uma tonta ansiosa -- sinto-me idiota falando ao telefone, inexplicavelmente, e o eco da minha voz, às vezes, só contribui para que eu me pergunte como alguém suporta me ouvir, lá do outro lado).

Telefone, para mim, é para marcar consulta com médico, avisar que chegou serviço, avisar que chegarei atrasada (raríssimo) ou perguntar se minha pequena está bem, quando passa mais de dois dias com seu pai (e mesmo assim, só cinco minutos, no máximo -- quando ela voltar, me contará tudo).

Acho a maior falta de educação ligar para alguém e alugar seu tempo e atenção, paralisar sua vida inteira prendendo-a junto a um aparelho.

Se pudesse, abolia de vez o telefone na minha vida (tenho um celular que não uso, um telefone que não atendo, um viva-voz que não consegue me dar a ilusão de que estou com a pessoa ao lado, uma secretária eletrônica que esqueço de ligar).

Acho imensamente grosseiro quando me ligam e iniciam a conversa com algo como: "E aí?..." (E aí que as reticências se prolongam até o infinito e minha paciência já desaparece nos primeiros cinco segundos. Se não é para dizer algo importante, para que ligar?).

O telefonema ideal, para mim, é mais ou menos assim:

-- Oi. Sinto tua falta.

-- Eu também. Quando nos vemos?

-- Amanhã para mim está bem.

-- Ótimo, então. Combinado.

Pronto. Fácil. Indolor. Podemos continuar vivendo.

Quando o telefone toca, meus nervos grudam-se no teto e custam a descer de lá. Mesmo tendo me aprimorado na arte do corte ao longo dos anos, alguns chatos persistem no joguinho de matar minutos intermináveis de minha existência não dizendo nada ao telefone.

Sou tagarela. Loquaz. Vivaz. Esperta. Sedenta de contato.

Mas ao vivo.

E por escrito, melhor ainda.

Se pudesse, tornava a linguagem escrita a única forma de comunicação possível no universo (seria permitido falar apenas nos filmes, no teatro e na música -- e ao fazer amor).

Quando troco correspondência, tenho tempo de pensar. Consigo sentir melhor a outra pessoa pelas entrelinhas, errinhos, deslizes, matizes e cores de sua linguagem escrita. Consigo raciocinar melhor quando escrevo -- direto, sem rascunho e sem revisão.

Com a linguagem escrita, não há mal-entendidos. Nem chance para, depois, dizer que não se disse algo.

Leio e-mails quando quero, respondo quando posso. Eles não me perturbam -- ao contrário, adoro a liberdade de responder só a quem se quer, quando se quer, como se quer.

Não me liguem.

Escrevam-me. Toneladas de palavras, sempre. Apareçam, falem olhando no meu olho, pegando na minha mão. Mas nunca esperem mais que o puramente convencional, se conseguirem me pegar distraída e eu atender uma ligação.

(A seguir, acho que falarei da segunda coisa que mais detesto no dia-a-dia -- pessoas pessimistas e mal-humoradas, estraga-prazeres, azarados por natureza, bolas-murchas e pessoas-marrons -- e se hoje pareço azeda também, é só porque... bom, atendi ou dei telefonemas demais, para o meu gosto).



3 comentários:

Anônimo disse...

Bom saber, Dayzoca. E bom nao ter teu tel tb... mas ainda sinto que tambem ao messenger nao es muito apegada, certo?
Um superbeijo da
Ale

Anônimo disse...

ih Dayse, e como é que o nosso lado sombra vai se manifestar? e quem for gauche na vida? :-)
mas está certo: nao vamos repartir nossos azares, nosso mau humor - mesmo que seja algo quase cultural > no leste da Europa o pessoal chora no ombro dos outros como forma de comunicaçao social :-) e como se lamentam... Sofrimento é prestígio... Basta ler o Tchecov.
Pessoalmente, faço uma força danada para manter o astral alto, mas nao vem naturalmente. Devem ser os neurônios... :-) Abençoados os que vêem a vida bela.
"Quando o telefone toca, meus nervos grudam-se no teto e custam a descer de lá." Lapidar. Eu gravo tudo na secretária eletrônica, a campainha desligada, e depois nao vou verificar... Perdi uma consulta, que aqui é o médico que marca e depois te liga, por causa desse hábito. Gosto de telefone para ligar, como ponte para o mundo exterior, mas nem tanto para receber - de certa forma, vivo com medo de notícia ruim. Só pego no telefone para falar com alguém depois de um bom tempo colocando o astral em ordem. E falar logo de manhã, ao acordar, nem pensar.
beijocas, adorei tua sinceridade -- Su

Anônimo disse...

Até iria te ligar, mas...
...deixa pra lá, né?


Sofi