27.9.04

(H., are you really going to France to marry a mermaid?)

Onde lanças tua âncora,

Meu pirata insensato,

Quando eu, embalando teu barquinho

Vejo só tanto luar

E nada de ti para eu naufragar ?

Meu corpo-mar quer te afogar,

E te prender junto aos destroços

Que existem no fundo de mim

Mas tu, navegante sem rumo

Te perdes em minha imensidão

E ampla como sou, te perco também

E nada de te encontrar

Entre as ilhas que fui formando

Enquanto seguias sereias

E me iludia achando que por imergires em mim

Algum dia te consumiria e te decomporia e te misturaria por fim

Em meu líquido querer, em meu salgado chorar

Em meu porto de faz-de-conta-que-sei-amar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Li a critica abaixo sobre o livro do Camus e me lembre de ti no que se refere ao Sisifo.

beijos

Iuri

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Em O Mito de Sísifo , Albert Camus fala do homem e de sua difícil relação com o universo

Regina Schöpke

Quando Albert Camus afirma, logo na primeira página de seu belo livro O Mito de Sísifo (Record, 160 págs.), que "o único problema filosófico realmente sério é o do suicídio", ele está querendo - ao contrário do que poderia parecer - falar da vida e não da morte. Ou melhor, se ele fala do suicídio, se fala desse que é o mais trágico, derradeiro e irreversível dos atos que alguém pode cometer contra si mesmo, é porque quer trazer à tona uma questão ainda mais crucial, uma questão que não pára de pulsar no âmago de nosso ser: esta vida vale realmente a pena?

De fato, tudo indica que, quando alguém decide morrer (se é que se trata de uma decisão), é porque sente que sua vida perdeu todo o sentido; é porque já não pode mais encontrar saídas possíveis para si mesmo. Trata-se de um profundo desalento diante de um presente (ou de um futuro) que, em breve, poderá ser arrebatado para sempre. Em outras palavras, quem quer morrer sente-se demasiadamente só e impotente diante de um mundo e de uma realidade que já não consegue mais suportar.

Mas, se para muitos a causa do desespero - e o conseqüente desejo de privar-se da existência está na súbita descoberta de que a vida não tem qualquer outro valor além dela própria, isto é, de que o sentido mais profundo de existir é mesmo existir (sem recompensas, castigos ou vida após a morte...), para Camus a causa primeira dessa terrível negação, que culmina nesse desejo de nada, nesse desejo de não mais existir, deve ser buscada no caráter niilista de nossa própria existência, no vazio de nossas vidas. No fundo, não vi vemos de verdade o suficiente para conferir a essa existência um autêntico valor. Sequer somos capazes de amar a vida por ela mesma. Estamos sempre em busca de algo que possa justificá-la, de razões superiores que nos permitam seguir em frente, quando não seria preciso nenhum grande motivo a não ser o incomensurável prazer de se estar vivo. A vida, por mais absurda que possa parecer, é tudo o que nos separa do nada absoluto da morte.

Mas, vejamos como Camus apresenta essas questões e de que maneira ele vai ligá-Ias ao clássico mito de Sísifo, o herói que acorrentou a morte e enganou os deuses para poder voltar a sentir de novo, em toda a sua plenitude, a exuberância da vida. De um modo bem conciso, diríamos que Camus, neste livro, identifica com muito brilhantismo uma ferida difícil de ser cicatrizada no homem: a sua difícil relação com o universo que o cerca - aquilo que ele chama de o caráter irredutível das coisas, "o silêncio irracional do mundo". Um silêncio que, ao se chocar com o "apelo humano" e ( seu desejo irrefreável de compreensão "racional" de todas as coisas, faz emergir o absurdo de nos sas idéias, conceitos, valores, enfim, de nossa própria existência. Mas não se trata de apontar onde se encontra o real absurdo: se em nossa ânsia de compreensão absoluta ou se na própria existência, que vale por si e prescinde de qualquer justificativa. A questão é que essa irreconciliável relação leva a uma espécie de revolta metafísica; uma revolta que, no entanto (e ao contrário do que se pode imaginar), deve funcionar como um verdadeiro antídoto contra o desejo de suicídio. Afinal, "trata-se de morrer irreconciliado, não de bom grado". O "homem absurdo", diz ele, "não pode fazer outra coisa senão esgotar tudo e se esgotar." Em outras palavras: deve permanecer vivo e querer a vida, assim como ela é. Eis a sua vitória diante da aparente pequenez e falta de sentido de sua existência.

Em suma, "o homem absurdo" ("o homem revoltado") de Camus tem algo de nietzschiano, embora a idéia de revolta pareça incompatível com a de afirmação absoluta da existência. Mas, apesar do aparente contra-senso, a revolta desse homem não é contra a vida; ele se revolta porque não quer deixá-la, porque a ama profundamente para ter que partir, para ter que deixar a festa para os outros. Sua revolta é contra a morte, mas isso jamais o impediu de amar a existência, mesmo que ela lhe pareça sempre tão insondável. Camus chega a dizer que, para ele, existe um elemento enfraquece dor nas fIlosofias que tentam explicar demais as razões da vida e o seu sentido mais profundo. No fundo, também elas tentam dar alento (como, as religiões) e, por fim, demonstram apenas que também não podem aceitá-la como ela é simpIes e espontânea. Em outras palavras, tentar explicar a vida não deixa de ser uma forma de traição.

Mas, onde entra Sísifo nessa história? Camus, que não é apenas um grande escritor, mas tambem um filósofo (embora pouco ortodoxo), dedica um dos capítulos do livro a esse herói mitológico que foi condenado - por ter enganado os deuses - a empurrar incessantemente uma enorme rocha até o alto de uma montanha, de onde ela sempre tornaria a cair. Como diz Camus “o seu desprezo pelos deuses, seu horror à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível..." Sim... Sísifo amava tanto a vida que ousou desafiar Zeus para manter-se vivo. E desafiaria de novo para poder votar a sentir o calor do sol, o frescor das águas, a chuva escorrendo pelo seu rosto... Que importa o castigo? Que importa se os deuses o mantêm prisioneiro no Hades? Ele faria tudo de novo. É isso que o faz senhor de si mesmo. Ele já não pode escolher, mas ainda assim continua escolhendo: vai arrastando consigo o seu destino, sem rancor, sem ressentimento, mesmo que tudo pareça tão inútil.

Se existe alguma relação entre esse constante subir é descer da montanha (sem uma finalidade última ou recompensa) e a própria existência humana, é que não importa o quanto tudo pode parecer sem sentido e absurdo, é preciso não desistir jamais, é preciso seguir em frente. É preciso, mais do que qualquer outra coisa, encontrar um sentido que afirme e faça valer essa vida. Alguém poderia indagar: Por que Sísifo não se negava a cumprir tal tarefa? Talvez, como diz Camus, ele tenha definitivamente tomado nas mãos a sua existência. Já não se trata mais de obedecer aos deuses. Sísifo cumprirá seu destino (seja ele qual for) porque assim o deseja: "amor fati”!

Não resta dúvida para Camus: a vida vale a pena ser vivida, até o seu último instante! Que Sísifo nos inspire em sua paixão pela existência! E que nos ensine, sobretudo, a não desistir, mesmo quando tudo parecer tão desolador! Afinal, viver pode ser (muitas vezes) difícil, mas não há nada que se compare ao prazer e à alegria dos sentidos e dos afetos (que só quem está vivo pode experimentar). “É preciso imaginar Sísifo feliz", afirma Camus. Nada foi em vão... Nada "é" em vão.