13.7.04

Cria, Criatura!

... Então esse personagem vem e me diz: “Me conta”. E seu “me conta” não significa que deseja saber algo que eu sei – significa, isso sim, que ele exige ser contado.

De vez em quando, simplesmente reaparece em minha mente, mesmo quando penso que já o contei por completo em mais páginas do que qualquer editor aceitaria. Ele sempre acha que esqueci algum detalhe e, fascinante como sempre foi, me enfeitiça e me faz tocá-lo novamente. Conheço-o por dentro e por fora, seus gemidos, seus gozos, suas manias e fraquezas, e ele não aceita ficar impassível. Adora ser manipulado.

Quando penso que já não suporto vivê-lo mais, que nunca mais tocarei no Luca, ele me conquista novamente, me faz revisitá-lo, sempre exigindo atenção.

Vivi tudo o que podia viver com ele, em mais de um ano transportando sua vida para a tela do computador, chorando de pesar com seu sofrimento, vibrando com suas emoções, mas ele parece inextingüível, mesmo depois de morto. Virou assombração e, volta e meia, uma canção me lembra seus olhos, a cara do dia me leva a seus estados de ânimo, uma dança o ressuscita.

Quase o vejo na rua – e não só eu, mas alguns que o leram também o viram, algumas vezes. Na última vez, estava de costas no estacionamento de um supermercado. Quase o chamei, mas temi passar por louca...

Hoje mesmo atacou-me no meio da tarde com seu “Me conta!” exigente. Então, de repente, o dia não era mais essa coisa insossa. Era outra vez setembro e Luca transbordava de paixão, por seu amigo, por sua mulher, pela vida. Meu dia de repente ganhou aroma, cor, sabor, emoção.

Luca não sabe quando é hora de parar. Não tem limites. Se não lhe ponho um freio, toma conta de mim para sempre.

Já apaixonou três editores que não largavam dele mas também não o liberavam para que outros olhos o conhecessem – logo ele, que adora se mostrar. Já me deu dissabores, me trouxe amigos e causou uma briga fenomenal com um revisor ciumento que o queria tanto para si que queria também inventá-lo. Nein. Luca sempre foi meu.

Em algumas noites, escuto sua voz sussurrando no meu ouvido, dizendo-me para ter calma, que tudo se ajeitará. Que quando for o momento, ele se mostrará para o mundo e sairá do meu domínio. Mas que mesmo assim, sempre será meu, sempre estará lá, para que eu o recrie, conte seu antes e seu depois, mova seus amores e ponha o caos em sua vida. Assim como ele na minha.

Fora dessas linhas no computador, não falo em Luca. Ninguém entenderia esta obsessão que não é minha por ele, mas dele por mim.

... Um dia chegarei à conclusão de que meu Luca não foi criado – me criou para si, apenas porque seu narcisismo precisava de uma idiota romântica qualquer que servisse a seu propósito de se revelar.

Um dia eu o abandono. Juro. Quando o tirarem de mim, será dos outros para sempre.

E se disserem que amo só a ele, tenho testemunhos de que não lhe sou fiel. Nem sempre, pelo menos.

Infeliz de quem não tem um personagem por quem se apaixonar.

(É uma diversão sem fim, ter um alter-ego assim)

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