28.7.04

"O Nada" -- trechinho do meu primeiro original

Alexandre nunca tivera uma depressão. Antes, quando achara que estava deprimido, aquilo era apenas tristeza. Aprendeu o que era depressão aos poucos e, ao vivê-la, teria rido por confundi-la com outra emoção. Só não ria porque estava deprimido. Primeiro, afastou-se de todos, mandou Rob para o inferno quando esta tentou mostrar-se amiga e saber o motivo daquela crise, e se recolheu à sua insignificância na vida daquele para quem queria ser importante. Não conseguia, ainda assim, evitar suas pequenas reuniões com seu chefe. De cabeça baixa, para não lhe ver os olhos nem se humilhar, abreviava tais contatos sempre que podia. Mas ainda chorava e ainda não estava deprimido.

Depois, parou de chorar, não por interferência de alguém, mas por puro cansaço. No lugar das lágrimas, ficaram a apatia, o desinteresse, o descaso consigo e com os outros. Então a depressão instalou-se, como um vírus real, insidioso, lento e cruel, sugando-lhe as energias, o prazer de viver e o próprio corpo, que emagrecia a olhos vistos.

Pouco lhe importava se Luca vinha ou não ao seu quarto ver como estava, apenas parado na porta, sem estender um dedo em sua direção. Achava que fazia isso por obrigação; então, passou a trancar a porta, para que o outro não se desse ao trabalho e pudesse voltar para a mulher, cujo resguardo terminara. Pouco lhe importava comer ou não -- não sabia se sentia fome. Se sofria, não se importava, uma vez que um véu de torpor amortecera as sensações. Agora, fumava e ouvia música em alto volume o dia inteiro, fazendo pouco mais que acessar o e-mail e atender ao telefone, anotando mecanicamente o que lhe diziam, incapaz de selecionar o que valia ou não a pena para Luca, quando este saísse de sua “licença-paternidade”. Se antes agia como empresário, agora era apenas lacaio.

Sua obrigação era simplesmente a de obedecer, não de fazer julgamentos. Atendia aos pedidos do chefe diligentemente, por força do hábito, mas só isso. Parara de pensar. De sentir. De se preocupar. De gostar ou não gostar. Experimentava o nada, agora. De que adiantava ter vontades, desejos, necessidades, se de nada valiam e não importavam para ninguém? Se nem sua mãe o ajudava e, pior, criticava-o perguntando por que, afinal, estava tão abatido, se ganhava bem, se gostava de trabalhar com Luca, se morava numa casa linda, se, se, se...

Seu coração era oco. No lugar do sofrimento, o nada. No lugar da recordação de noites de amor, nem amargura, nem sofrimento. Apenas indiferença. O nada. 


Obrigou-se a sair do nada confortável, por dois motivos.  O primeiro foi a percepção da Verdade, que se foi instalando em sua mente, trabalhando a si mesma, sem grandes esforços de investigação, por trás da agradável neblina emocional. A Verdade mostrou-se aos poucos, enquanto o nada era substituído por amargura, ao recordar as etapas de seu amor louco por aquele homem. Ao repisar todas as ações e reações do maluco que o cativara desde o momento em que pousara seus olhos castanhos nos olhos azuis de seu vizinho de rua, seus pequeninos vislumbres da verdade foram aumentando, crescendo, até transformarem-se em uma grande revelação, que a princípio o pegou de surpresa e o deixou pasmo. Sua mente lógica o obrigou a refazer o trajeto que o levava àquela conclusão, e a Verdade continuou ali, impassível e imperturbável.



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