19.7.04

Crônicas Passadas I

(Escrevi isso pertinho do Natal do ano passado -- revela muito de mim, mas e daí?)

 



Respondendo a Lennon

"And so this is Christmas... And what have you done?"

Aiaiai. John Lennon volta todos os anos, indagando isso. E eu nem gostava do cara e era mais fã do Harrison e do Paul. Mas pela primeira vez, ouso responder.

Neste ano, tentei ser gente -- nem sempre consegui, me enfurecendo com fura-filas, com caixas de banco arrastados, com mães desleixadas, com promessas não cumpridas, com homens e mulheres bem intencionados mas frágeis e que, como eu, por instantes esqueceram-se de ser humanos.

Em outros momentos, fui tão gente que me humilhei, apresentando lamúrias e lágrimas candentes a quem não queria ouvir minha voz chorosa ou ver meus olhos em brasa. Nesses momentos me senti como Fernando Pessoa, ao reclamar que todos pareciam ter sucesso, menos ele. Só ele não ganhava rios de dinheiro, só ele não tinha um amor, só ele era cheio de defeitos. Senti-me assim, meio boneca de pano, meio espantalho, meio pano de chão e meio cascalho.

"And so this is Chistmas... And what have YOU done?"

Agora, a voz cantante parece perguntar diretamente a mim.

Nada de mais. Falo sério. Não fiz nada de mais. Meus sonhos atingiram o zênite em março, caíram como ônibus espacial em junho, em julho fiquei a ver navios, em setembro quase morri de desgosto (não em agosto), em outubro achei que não sobreviveria, em novembro descobri que, tal qual Tyler Durden do Chuck Palahniuk, só se é capaz de tudo quando se perde tudo (ou nem foi ele quem disse isso, originalmente? Não importa, ficou bem na boca do Brad Pitt)... Em dezembro voltei a viver, e agora sou adulta para sempre. Pelo menos, espero que sim, desta vez.

Não fiz nada de mais. Não fiquei famosa (não queria isso, mas me "prometeram"). Não decolei -- ao contrário, atolei. Não paguei contas suficientes, não amei o bastante, não cumpri meu destino autoprojetado (caramba, se destino autoprojetado houvesse...) de ser alguém. Não fiz as pazes com pessoas que nem sei por que sumiram, e não fiz porque não quis. Neste ano, banquei a durona -- e por causa disso, de vez em quando me desmancho de saudade, mas quando acordo no outro dia, viro pedra novamente.

"And so this is Christmas... And what...?"



Ah, cala a boca...

Sei que não fiz o bastante, mas minha falta de ação não significa que não vivi. Entre as bocas que não beijei ficaram os sonhos. Das saudades que senti vieram as poesias. Do tempo ocioso à espera que meu barquinho visse novos ventos, restaram prêmios de uma garotinha linda de oito anos que em um ano só ganhou três diplomas na escola -- de melhor desenho, de participação como Branca de Neve na peça da escola e como Representante da Turma Ecológica da Segunda Série. Ficou a líder pequenina com suas vitórias, enquanto a líder da casa esperava melhores dias. E a vitória da pequena mulher foi o prazer da grande.

Sem querer roubar nada dos Titãs, o acaso me protegeu, enquanto eu andava distraída...

Minha falta de ação me deixou receptiva para todo mundo que quisesse se aproximar, já que agora havia tempo. E vieram pessoas lindas. Amigas que me abraçaram pessoalmente e por palavras. Amigos que se doaram a mim como nenhum pai, nenhum irmão ou namorado poderia fazer. Princípes Encantados e Lordes, Rainhas Boas e Fadinhas, Anjos da Guarda -- literalmente, anjos. Um exército de pessoas de coração generoso, marchando sobre minha descrença, ressuscitando minha fé, me pegando em seu colo, sentindo carinho e achando linda minha cara de choro, ou me dizendo, num olhar cheio de brilho, que eu era importante *sim*. Pra eles.

Então, o que fiz foi tentar ser gente e, no fim, acho que tive sucesso. Entendi que sucesso, afinal de contas, é simplesmente ser gostado por aqueles que nos importam. E nisso fui campeã. Provei a mim mesma que não preciso ser supermulher, nem super-coisa-nenhuma, e mesmo ainda tendo vergonha de ser fraca, me perdôo se nem sempre dei gargalhadas, nem sempre beijei o inimigo, nem sempre dei a outra face, nem sempre fui nobre, nem sempre fui excelente em tudo o que fazia, nem sempre pude fazer o tempo parar e pedir um tempo para sentar-me à beira do caminho. A vida não parou, o ano de Snoopy que vivi chegou ao fim com uma nota alta tinindo em meus ouvidos em vez dos tons de réquiem... E sobrevivemos, todos (ou quase todos).

No fim das contas, vivi mais que em muitos anos, uma vez que paguei por viver o que prego: que a vida se mede por emoções e que só tem sentido quando se está crescendo. E aí, cantei pra mim mesma, junto com o Van Halen: "Go ahead and JUMP!". Saltei de cara pra vida, e me dei bem.

Uma dívida maior que as outras ainda preciso saldar em 2004: retribuir o amor que recebi -- das pessoas, de Deus, dos anjos de lá e dos anjos de cá. Mas isso, em suaves prestações, porque não posso sacar de um só coração, em apenas um ano, o que recebi de tantos...

 E se pareço melancólica, não estou não. É só a praga do Lennon que como na história do Avarento, sempre volta pra me assombrar, como o Espírito dos Natais Passados. 


23/12/2003.



Um comentário:

Anônimo disse...

E a droga é que a cada dia descobrimos mais a circularidade de nossa existência, uma espiral ascendente(?)que nos surprende em sua redundância.

Somos amanhã o que fomos ontem? Ou citando Guita em um CD de George Harrison "There was never a time when I did not exist, nor you. There will be never a time when we cease to be".