15.7.04

"Fotofobia"

Tenho esse pavor a fotos minhas...

Seja por misticismo (se fotos revelam a alma, a minha anda feia), seja por estética (ângulos agudos num rosto magro nunca ficam bem), por questões metafísicas (não, não quero me ver na foto e saber que estou quase a morrer) ou por questões freudianas, tenho essa fobia a me ver em fotografias.

Meu pai me olha do espelho, quando me olho no espelho. Meu pai está na minha cara e minha cara é a sua, mas sua cara leucêmica, traumática, pálida e esquálida nunca poderia ser a minha. Ainda assim, olho para meu pai quando olho para mim e ele me olha quando meus olhos me vêem.

Isso não era assim. Meus ângulos e contornos nem sempre me assustavam. Antes.

Eu o fotografei num Dia dos Pais, sabendo -- após tantos meses sem vê-lo -- que deveria bater aquela foto, porque seria sua última.

Fotografei-o comigo.

Eis-me ali, ao seu lado, num agosto -- eu sabendo que ele se ia, sem que jamais tivesse passado por nossas cabeças que ele adoecia havia anos --, consciente naquele momento de que nunca mais o veria numa foto. Meus olhos naquela foto me dizem, hoje, que o traí, que deveria ter-lhe dado uma pista. Algo. Uma palavra que o fizesse perceber que a foto já era póstuma, mesmo enquanto ele ainda estava ali. Porque já não estava mais. Praticamente.

Ainda tentei convencê-lo a ir ao médico. Ainda disse que o acompanharia. Mas não insisti muito, porque não adiantaria, e eu sabia.

Internou-se em fevereiro. Morreu no começo de março, comigo ao seu lado. Sua mão, no último instante, apontou para o céu através da janela e lá ficou seu braço esticado, apontando, apontando -- seus olhos espantados viam algo que a mim escapava.

Depois disso, eu que o amava não me suporto mais em fotografias. Sempre o vejo ali, a me indagar: "Se sabias, por que não me disseste?!".

Eu sabia, mas não podia lhe dizer. Nem saberia como, apesar de saber por que sabia. Se lhe dissesse, ele jamais aceitaria, nada evitaria seu fim e, de qualquer modo, nunca esteve pronto, desacreditando em tudo, enquanto estava aqui.

Seus olhos me questionam hoje, ainda. E seu rosto me atormenta, quando o vejo em mim.

Ainda amo espelhos. Ainda me amo. Meu reflexo em movimento se disfarça de mim, mas não me deixo enganar. Ele está ali. E ali vai ficar -- talvez para me lembrar que eu também, um dia, vou me olhar e saber que esta será a última foto.





2 comentários:

Anônimo disse...

É, também tenho isso aí.
É por isso que no meu fotoblog não há fotos minhas (pelo menos, definidas).

Sofia
sofiagaarder.blog.uol.com.br
sofiagaarder.fotoblog.uol.com.br

Anônimo disse...

Muito bom, quando a escrita vem de dentro, não é fabricada. É vomitada, mas com elegância.

O Outro