30.11.04
El Gitano
Eu ponho um circunflexo que não existe, em seu nome.
Ele publica um textinho que escrevi em sua homenagem em sua excelente revista eletrônica "El Gitano" (número 4), mas coloca um "p" que não existe, no meu sobrenome.
Ai, essas vinganças involuntárias e freudianas... :-)
Quando leio Antonio Junior, sinto-me como se reencontrasse pedacinhos de mim que havia perdido. Pedacinhos preciosos de uma Dayse um pouco mais pura e romântica.
Ah, eu digo a ele, ainda acredito em amor ideal - mas este deixo para a ficção.
Hoje, se amo a cabeça de um homem, geralmente o resto não se concretiza (e dizer que isso me satisfaz parece loucura, mas faz sentido para mim). Estou mais para homens-objetos, na minha vida (e também não me peçam explicações -- o que é, é e nem sempre tem um porquê). Homens preciosos demais eu guardo na redoma do meu coração, não no corpo traiçoeiro.
Mas El Gitano é uma soma de belezas -- faz com que pensemos em novas possibilidades em nossas vidas.
Way to go, Antonio!
29.11.04
As Tubaroas

Os pobres tubarões acalorados estavam sendo estudados por um grupo de cientistas que, após gastar uma fortuna, descobriu que as fêmeas, principalmente, ficam muito próximas à areia nas praias do Brasil por um único motivo: para repousarem.
Ora, sob a perspectiva dos tubarões, seria de perguntar por que, a cada verão, as fêmeas da espécie humana também ficam a 30 metros de onde eles (os tubarões) estão.
Simples, diria o cientista-chefe dos tubarões: para repousarem.
Eu poderia ter poupado uma fortuna ao grupo de cientistas, já que no momento em que a questão foi apresentada no Fantástico, eu já tinha a resposta na ponta da língua.
Será que é tão difícil assim colocar-se na pele do tubarão?
Esses humanos são tão esquisitos...
26.11.04
Cultura inacessível
Livros são artigos de luxo.
Em um país em que o salário mínimo é 260 reais, um bom livro de ficção custa entre 30 e 80 reais.
Sou uma mulher que sustenta a si mesma, à casa e à filha. Minha renda não é desprezível e, ainda assim, ao ver o preço de 70,00 de um livro de suspense que desejava muito ler, desanimo.
Setenta reais = um bom "ranchinho" no supermercado. Ou uma boa calça jeans. Ou dez ingressos de cinema. Ou duas jantas razoáveis em um restaurante. Ou quase cinqüenta litros de leite. Ou bastante gasolina... para rodar e olhar a natureza, quase que a única coisa gratuita.
Num país em que o povo assalariado sequer pode fazer três refeições decentes por dia, um livro é um luxo, que não vem nem por último na lista de gastos. Não vem é nunca.
Tentando vender, as editoras encolhem os livros. Agora, parece que nenhum autor escreve livros com mais de 120 ou 150 páginas. Mentira. Escrevem, mas não podem publicar. As editoras só publicam livros traduzidos e sucessos comprovados de vendas em seus países de origem.
(Creio que o leitor já está farto de me ouvir falar de um certo original de 400 páginas, que atrai editores e, ainda assim, continua no arquivo-morto aqui em casa...)
Editoras mais "inteligentes" em termos de marketing chegam ao absurdo de produzirem livros para "adultos" com 129 páginas, das quais 70 são de ilustrações (como se o leitor fosse incapaz de formar sua imagem mental daquilo que lê), com textos tão ridículos que quase me deixam catatônica, em choque total. Isso é a literatura moderna. Isso é a enganação geral que se pratica numa parte do mercado editorial, para a sobrevivência das editoras.
E vamos jogando tudo o que presta no lixo. Abaixo as históricas complicadas, as tramas ricas, os "volumões", os escritores novos com algo a dizer. Enriqueçamos aqueles que falam ao "povo", como cantores de rimas pobres e adolescentes escritores que abreviam suas palavras mesmo em textos impressos como livro, acreditando na identificação imediata com seus pares que navegam na internet (lendo blogs infelizes que conquistam multidões de fãs)...
Música é artigo de luxo. Digo -- música. Não estou falando de coisas que começaram a ser aceitas, na última década, como música -- mas não passam de uma sucessão de erros gramaticais e chavões pendurados debilmente em uma melodia (?) pobre e que consegue, no máximo, arrastar o nível "cultural" do país para o esgoto mais próximo.
Se música não fosse artigo de luxo, veríamos mais Mozarts, mais Orquestras Sinfônicas de Londres, mais Villa-Lobos ou mais regravações de Porters ou Gershwins consumidos avidamente, em uma saudável revolta do povo, uma (re)"descoberta" do que é música. Mas música é artigo de luxo. Nem fica bem tocar Beethoven en qualquer lugar, ultimamente -- o incauto ouvinte corre o risco de ser linchado, por causa "daquela barulheira sem sentido".
Num país em que CDs piratas se espalham pelas calçadas sob o sol do meio-dia, com reproduções desbotadas das capas do lixo que se passa por música, por que lançar canções trabalhadas, executadas magistralmente ao piano, ou com letras verdadeiramente preciosas?
É claro que Rita Lee me enfurece por pegar este trem, mas ela tem razão -- está tudo virando b...
Ironicamente, sou profissional das elites -- eu, que não tenho nem tempo para ler, muito menos comprar aqueles livros pelos quais tenho convulsões de desejo, ao entrar em uma livraria.
Sou profissional das elites, traduzindo romances de suspense para quem pode pagar por eles, espalhando contratos milionários para as multinacionais, semeando autoconhecimento inútil entre dondocas entediadas, ensinando mamães sem noção a cuidar de seus rebentos através das palavras de algum obscuro pediatra americano...
Ironicamente, quase todos os livros que leio são os que eu mesma traduzo -- e quando as editoras me mandam um exemplar prontinho daquilo que fiz... para que serve o livro, se não para ficar esquecido em algum canto, dentro de um móvel, por total inutilidade para mim, que não possuo a vaidade necessária para expô-los à visão de todos, como mostra de minha nobre profissão?
Faz-se urgente uma mudança radical de visão, neste país, para que a cultura não seja algo acessível apenas para aqueles que já a têm, mas não tenho grandes esperanças, quando "livro" vira palavrão, quando "biblioteca" é uma palavra esquisita que designa algo que existia antes da internet e quando a soma de um corpo desnudo, gestos obscenos, desafinação e analfabetismo agora é "música".
21.11.04
Pastel
Hmmm....
Quando me sinto um pastel (de boteco), sinto-me "frita", vazia por dentro, insossa e, logicamente, como algo que ninguém em sã consciência comeria...
19.11.04
TPM
Talvez baixar músicas? Quais, se já tenho todas as que gostaria e até outras que não gosto e não tenho coragem de apagar?
Escrever poesia (outra vez) falando da saudade de um A que, suspeito, anda me lendo? Não. Hoje não, pelo menos. Hoje sinto saudade de muita gente, até de mim mesma quando não me sinto assim.
Jantar fora? Talvez, mas qualquer mudança no clima, na rotina ou nos detalhes minimamente planejados me tirará do sério e começarei a chorar ou a berrar.
Ouvir Josh Groban cantando "Remember Me" e lembrar de quem sinto falta e, além disso, da beleza do Brad Pitt em Tróia? Não...
Não quero falar nada. Nem ouvir nada. Nem limpar nada. Nem traduzir mais nada hoje. Quero que o Jota Quest se dane com "Vento", vou lá desligar o DVD.
Não quero dormir e não quero ficar acordada. Nem comer nada, nem o delicioso macarrão chinês que me aguarda no freezer e que reservei a semana inteira para comer sozinha na frente da TV.
Suo, e está frio.
Tenho dor-de-cabeça que nenhuma aspirina alivia.
Sinto ânsia na boca do estômago, que não é fome.
Sinto desejo. E fastio. E tédio. E vontade de sair de minha pele, voar, devorar a vida.
Não quero ver ninguém. E quero estar com todos ao mesmo tempo.
Homens, vocês são felizes.
TPM é um buraco negro na minha existência. Mal posso dizer que sou eu mesma, durante três dias do mês.
Afogo-me em meus hormônios durante três dias, sentindo-me um pastel, a rainha dos irrascíveis e descontente com céu, nuvem, sol, chuva, frio, calor, gente e amor.
Ai.
17.11.04
Descartável
Jogo-me disfarçada de vidro
À tua frente
E tu, distraído, avanças e me partes
Sempre, sem me veres.
Jogo fora a matéria
E me disfarço de nuvem
Para te ver de cima
Superior, etérea,
Chovendo minhas lágrimas
Que não te tocam, eu sei,
Tu, guarda-chuva, protegido
E escondido do meu ser emocional,
Que comete descartes das partes
Que não te interessam e repudias,
Em uma negação intencional
Do que não te toca, não te abala
E não fala ao teu racional.
10.11.04
Jasmim (dentro de mim mora um anjo em novembro)

Perfume de paraíso (em novembro, eu vivo)
Visto alma nova e brotas dentro de mim
Como amor recente (te redescubro, sempre)
Vejo-me borboleta breve enquanto os jasmins florescem
Azulo minha vida como um céu
(sinto-me anjo, sinto-me inteira, quase meio-feliz)
Em dezembro escureço (com as tempestades de verão)
Murcho como as flores
Em fevereiro não existo
Em março eu renasço quando tudo perde as folhas
E eu-galho, eu-frangalho, preservo meu ser quebradiço
No calor das estufas, ar condicionado, teu abraço
E anseio por teu calor sob os blusões
E pela poesia da bruma das manhãs
Em que te vejo nu aconchegado a mim.
9.11.04
Como num filme de Almodóvar
Porque hesito
Mesmo quando incito e me excito
É minha sina ser sempre indecisa
Pisando no fio entre o não e o sim
Ata-me, amordaça-me
E não deixa que minha boca fale
Para que sons cerebrais
Não estraguem tons libidinais
De nossa perpétua paródia
De tragédias carnais
E se tornem comédia
(como filme que já vimos
Em outros carnavais)
Quero comer-te
Com olhos e outras partes
Mas mantém minha boca fechada
Fita muda, ação rápida
Cine sem cartazes, fim de noite
Num beco-sem-saída
Com sessões contínuas
De profana traição
Da nossa melhor intenção
7.11.04

Maria limpa, limpa, limpa
(Exercício melhor que academia)
Maria dança e esfrega, dá brilho e canta
(Maria acha lindo seu chalé planejado por ela, arquiteta amadora, jardineira amadora, dançarina amadora, cantora amadora, gueixa amadora, tradutora)
Maria limpa, limpa e limpa
Maria espera não sabe quem
Alguém
(e põe flores no vaso porque lhe faz bem, para si e mais ninguém)
Maria senta-se, exausta de dançar, de limpar, de cantar e de sonhar
Intoxicada com o cheiro de cera, lustra-móveis, alvejante, Pinho-Sol
E depois da faxina deita-se exausta, sozinha,
Rezando para que não apareça ninguém
Para vê-la cansada e acabada e desanimada assim
31.10.04
Daniel Nester (fragmento de um poema)
| |||
|
Para Valer a Pena a Passagem por Este Mundo (meus "Dez Mandamentos" para criar um Ser Humano Digno)
1. Não discriminarás, nem julgarás ninguém nem coisa alguma antes de teres todas as bases para isso e, ainda assim, te reservarás o direito de aceitar as decisões e modo de vida de outros sem críticas.
2. Não acreditarás nem em céu, nem em inferno, apenas em teu próprio livre arbítrio.
3. Não causarás mal voluntariamente a nenhum ser vivo, exceto para defender tua sobrevivência.
4. Serás generosa em teus atos e com tuas posses, mas apenas até onde não sejas considerada simplória por esgotares teus recursos com quem te explora.
5. Não ofenderás teus semelhantes (nem aqueles tão diferentes de ti); antes, sempre procurarás palavras de conciliação e diálogo.
6. Não contarás com outros para resolver tua vida; saberás que tu mesma és responsável por tua felicidade.
7. Não culparás outros por teus infortúnios, nem deixarás que outros se apossem de tuas conquistas.
8. Saberás do valor da família e desejarás construir uma apenas quando souberes que podes transmitir o melhor para teus descendentes.
9. Viverás intensamente o presente, mas cuidando sempre para que ele não prejudique teu futuro.
10. Não acreditarás em superstições, nem em fórmulas milagrosas para a felicidade, apenas no auto-aperfeiçoamento, educação e humanidade no trato com teus companheiros de jornada.
28.10.04
Life is But a Dream
Te pergunto se és um sonho. Peço-te que me belisques. Me beliscas, eu rio, te digo que estou sonhando que estás me beliscando.
Te digo que tua presença na minha vida é como um sonho.
Cantamos juntas
Row, row, row your boat
Gently down the stream
Merrily, merrily, merrily, merrily
Life is but a dream
A vida é apenas um sonho, te digo, e seguimos a corrente do rio, remando em nosso barquinho.
Eu te conto, então, o maior dos segredos: que sonhei contigo antes de nasceres.
Que te esperava. Que te vi um dia no sonho, igual a quem depois te revelaste ao nascer.
Te conto outro segredo, então: esta vida é um sonho e, quando achamos que morremos, aí é que despertamos.
Estou contente, neste sonho de agora.
Porque tenho a ti. Porque algo eu fiz com perfeição. Com a delicadeza do mais puro amor a ti dedicado desde sempre, sempre, sempre, te criei, minha menina, minha flor, minha alegria.
25.10.04
Situação Ideal
O vocalista do The Calling falando sem parar, enquanto Mark Knopfler e Carlos Santana (com a ajuda do Jonny Lang) dedilham suas guitarras e Brad Pitt despe-se, veste-se, despe-se, veste-se... e George Clooney suicida-se na companhia do Ben Affleck.
18.10.04
Seu saldo disponível é de...
... Foi a impressão que tive. E ainda que me desse essa impressão, minha vontade foi reforçar a sensação de vergonha pelo saldo ridículo, fazendo:
-- Pssssssssst, ninguém precisa saber, nem eu mesma...
Então, pra que fui consultar?
Hein?
Hein?!
Juro que também havia uma pontinha de escárnio naquela voz simulada e de mentirinha que me atendeu de madrugada lá no banco e me tirou a esperança de que um milagre pudesse ter acontecido (nunca se sabe, ainda acredito em magia, nessas alturas).
Quase um mês inteiro sem receber (quando eu já estava a zero) porque o editor viajou e não me comunicou -- e também, por que o motor comunicaria alguma coisa à engrenagem da máquina?
Oh, Deus, humilha, vai, humilha...
16.10.04
Mais que um Rosto
Gosto dos teus lenços, teus brincos, teu colar. Da tua aparência cigana como teu coração e teus passos.
Lembras gente que amei. Amigo que perdi. Pessoa querida que deixou que os passos vagassem demais para longe de mim.
Mas gosto do teu rosto por ser original de ti, alguém que perambula pelo mundo e leva minhas fantasias de também ser viajante na mochila.
Gosto dos teus olhos que já viram (quase) tudo e de como parecem nos contar do que passou por eles.
Lembras, com teus escritos, que nunca é tarde para sonhar, viver aspirações e, sobretudo, sentir intensamente a poeira, o sol e o arco-íris ocasional da vida, assim como as frestas sombrias, as chuvas geladas, as paisagens desoladas e as pedras do caminho.
Que sejas sempre apenas Antonio sem acento – Antonio atônito, Antonio nada anônimo, Antonio sem homônimo.
15.10.04
O que Vem de Fora Não Me Atinge
Letícia vai caminhando ao meu lado. Escurece e na rua com pouca iluminação sua jaqueta branca e laranja brilha e a torna bem visível, mas alguns metros à nossa frente uma figura chama sua atenção e ela me diz com surpresa, baixinho:
– Mãe, olha um homem de salto alto!
Digo-lhe que não, que é uma mulher, uma mulata toda de preto (é garçonete, eu a conheço). Ela exclama:
– Mas, mãe, tem a cabeça raspada!
– E daí? – pergunto, sorrindo.
– É feio!
Eu lhe digo que depende do ponto-de-vista. Que todos têm direito a seu próprio senso de bonito ou feio, mas que exercer uma opção estética alternativa também é um direito inquestionável.
Assim como as tatuagens. Os brincos em homens. Até batons sutis. Saias, por que não? Bermudas de skater em meninas, sim senhor. Rabos-de-cavalo longos nos meninos. Tênis com línguas enormes. Piercings dos mais variados. Mulheres de terno e gravata. Sandálias havaianas com calças de grife.
Whatever.
Está decretado que não existem regras para a estética, e eu gosto disso. Suspendam-se os julgamentos.
E que se inventem máquinas de sondar o íntimo, o que se veste na alma.
Ruim mesmo é descobrir almas sujas, esfarrapadas, corações podres, intenções malévolas em alguém que obedece a todas as formalidades e convenções externas.
Por mim, qualquer coisa que se use sobre o corpo – ou não se use – não passa de mero enfeite. Cabelos? Enfeite. Tatoos? Enfeites. Roupas, adornos, grifes, trajinhos, invenções da moda? Coisas supérfluas.
Toda alma deveria ser nua e exposta – assim como os corpos. A vida seria mais fácil.
13.10.04
Traduzido de Raymond Queneau (Mário Quintana)
Meu Deus, que vontade me deu de escrever um poeminho...
Olha, agora mesmo vai passando um!
Pst, pst, pst,
Vem cá para que eu te enfie
Na fieira de meus outros poemas
Vem cá para que eu te entube
Nos comprimidos de minhas obras completas
Vem cá para que eu te empoete
Para que eu te enrime
Para que eu te enritme
Para que eu te enlire
Para que eu te empégasse
Para que eu te enverse
Para que eu te emprose
Vem cá...
Vacá!
... Escafedeu-se.
11.10.04
Deserto
Como não tinha a quem mostrar, deixou-a morrer.
Fechou os olhos no pôr-do-sol vermelho e laranja e como não tinha quem a regasse também deixou-se partir, secando ao entardecer.
9.10.04
Godline
– Por que “Godline”, quando o certo para esses serviços de atendimento ao consumidor é “Hotline”?
– Senhora, “Hotline” é o serviço de atendimento do... a senhora sabe quem. Tenho o número aqui, quer ligar para aquele lugar? Mas já aviso que as coisas por lá estão um verdadeiro inferno, pelo que ouvi falar, cheio de arrependidos de última hora que querem evitar uma longa temporada naquele lugar de temperaturas tão altas...
– Não, pelo amor de Deus!
– Pois muito bem. E então, em que lhe posso ser útil?
– Tenho reclamações a fazer. Se Ele promete cuidar de todo mundo, por que minha vida tem sido tão difícil?
– Qual foi o plano Vida escolhido, senhora?
– Como assim? Não escolhi plano nenhum!
—Escolheu sim senhora, antes de começar a viver como vocês, mortais, entendem a vida. Temos o Plano Vida Insuficiente, Vida Básico, Vida Esforço Contínuo, Vida Fácil e Vida Mansa, sendo que esses dois últimos são facilmente confundidos, mas não são a mesma coisa...
– Isso tudo é muito confuso... Eu realmente...
– Espere, deixe-me consultar meu terminal aqui, só um momentinho... Sim, seu plano é o Vida Esforço Contínuo, o que significa que está tudo seguindo de acordo com o programado e não aceitamos reclamações.
– Estou perdendo a paciência...
– Sei, por isso mesmo é que seu esforço é contínuo, para testá-la. Seu Plano envolve muitos esforços infrutíferos, grandes projetos e falsos inícios, vários fracassos, fases de maré alta e maré baixa e uma luta constante para manter-se em um equilíbrio precário.
– Então pelo amor de Deus, me diga por que eu seria tão idiota a ponto de escolher este, e não o Plano Vida Fácil ou Vida Mansa?!
– Não blasfeme, senhora, ou serei obrigada a notificar seu comportamento ao Chefe.
– E como eu poderia falar com Ele, para resolver isso diretamente?
– Senhora, por favor, controle-se! Não percebe que Ele anda mais ocupado que nunca, com tantos chamados de tantos lados conflitantes, lá no Afeganistão, no Iraque, no Rio de Janeiro... Mesmo estando em toda parte, Ele tem tido dificuldade, pois quando começa a trabalhar na Irlanda, explodem escolas na Rússia, hotéis no Egito, cortam cabeças em...
– Pare, não suporto isso.
– E como acha que Ele se sente, então, quando todos fazem tanta coisa feia em Seu nome e lhe dão tanto trabalho?
– Bom... Diga-me, então, como faço para mudar de Plano de Vida.
– Impossível. Uma vez feita a escolha, só lhe resta ir em frente.
– E vou ficar até o fim desse jeito? Nadando e morrendo na praia? Empurrando pedras morro acima, vendo tudo desabar na minha cabeça sempre que penso que desta vez terei sucesso? Por que não escolhi, então, o Vida Mansa?
– A senhora não desejaria o Plano Vida Mansa, porque nele estão os corruptos, os exploradores, os preguiçosos que vivem às custas de outros e conseguem suprir todas as suas necessidades sem o menor esforço, mas depois...
– O que tem, depois?
– Uma vez findo seu Plano Vida Mansa, não têm direito de escolher e caem diretamente no Plano Vida Insuficiente, que abrange todos os miseráveis, os povos que morrem de fome, os sem-teto, viciados que rolam na rua...
– Não concordo com uma visão tão simples de castigo ou recompensa. É simplista, tolo e patético pensar nos miseráveis como pessoas que estão pagando por algo...
– É bem desagradável, eu sei, e é claro que nem todos os que estão nesse Plano estão sendo castigados. Alguns estão apenas iniciando, é seu primeiro Plano, de modo que não têm escolha se não cumprir seus dias para merecer outro Plano melhor. Na Vida nada é de graça... Se conseguirem passar dos 30 anos de idade neste plano, seguem para o Básico e têm apenas o justo para a sobrevivência. Só findado este plano é que poderão novamente escolher, com a certeza de que se escolherem o Vida Mansa mais uma vez, depois não têm mais escolha e vão direto para o inf... Ops, a senhora sabe para onde.
– Sei...
– Em compensação, senhora, seu Plano Vida Esforço Contínuo lhe dará direito ao Plano Vida Fácil, como uma espécie de recompensa.
– Ah, é? E como é esse Plano Vida Fácil?
– Nele estão aqueles que nascem na Suíça ou Canadá, na França também... Essas pessoas já vêm ao mundo com todas as vantagens, têm inteligência privilegiada e usam seus talentos para as artes. Neste Plano há muitos concertistas, pintores famosos, gênios da matemática, grandes benfeitores da humanidade, pessoas generosas que doam suas vidas aos outros... Eles casam-se com as pessoas que escolheram, têm filhos bem nutridos e felizes e passam seus anos sem grandes estremecimentos e com todas as bênçãos terrenas. Entende? É um prêmio.
– E quando morrem?
– Para começo de conversa, essa coisa de “morrer” precisa ser apagada de seu vocabulário.
– Você entendeu o que eu quero dizer! O que acontece, “depois”, com as pessoas da Vida Fácil?
– Bem, essas... essas não voltam mais.
– Não voltam mais? Quer dizer, nunca mais? Em nenhum Plano?
– Ficam no Plano dos Anjos, senhora. Agora, se me dá licença, preciso desligar.
– Mas, espere, ainda não terminei, tenho muitas queixas!
– Então simplesmente não se queixe mais! Cada um tem a Vida que escolheu, e ponto final. Há muita gente querendo ser atendida, senhora. Os tempos estão duros, parece que muita gente acaba voltando ao Plano Inicial e vem se queixar...
– Mas eu...
– ...
7.10.04
Recados
Steven, dear: someday we’ll know if you were right when you said I would be a successful writer – but now is not the right time (and it seems it’ll never be).
Hey, Murphy, esquece de mim, tá bem? Quando penso que me livrei, tua lei me enquadra de novo e mais uma vez não poderei ser a super-heroína de minha filha. Planejei tudinho, mas não contei com a viagem de meu editor à Alemanha para a Feira Mundial do Livro e, assim, terei de comemorar o desaniversário de minha filha no fim do mês e dia 12, em seu aniversário, contentá-la com beijos, abraços, e lembrancinha. E passar o resto do mês a zero.
Ernie, teu poemete era melhor que o meu, mas não me darás a honra não, estou certa?
E antes que eu me esqueça: life is really a bitch, sometimes.
Amanhã volto ao normal.
6.10.04
Secreta (http://cabezamarginal.org/secreta)
Li mas ante a convocação-convite, calo-me, porque não sei inventar o que, vago demais, não me cabe, exata nos meus desejos e certa de minhas carências.
Não sei disfarçar coisas (nem intenções) em meias- ou quarto-de-palavras e não posso ler quatro vezes até me entender em meio a vagas conotações.
Li teus textos (tantos, Torin), mas em mim falta algo – a expressão do fundo d’alma (e não é que em mim inexista, mas minh’alma se esconde e, antes, não mostrá-la sequer em disfarces).
Li teu texto, mas me escrevo todo o tempo e não sei descrever outros (antes, outros me descrevem, sempre com inexatidão divertida).
A Sheerazade que em mim habita não sabe criar contos (nem poesia).
A personagem que mora em mim contenta-se em respirar letras, sempre imperfeitas (e minha imperfeição só se mostra quando abro as tuas letras e elas me mostram que meu caminho ainda está pela metade, sempre com dez montes altos à frente dentre os quais eu, Sísifo, decido sempre pelo errado para subir com minha pedra)
4.10.04
Diego
Diego teve meningite com sete anos, quando estava na primeira série.
Hoje tem idade mental de sete anos, ainda.
É doce, tímido, arrasta-se ao andar, não coordena seus gestos.
Vem lutando desde os sete anos, fazendo cada uma das séries a cada dois anos.
Seu pai o cuida quando a mãe está trabalhando. Parece-me que se revezam nos horários de trabalho, mas é o pai quem leva e traz o menino à escola e está presente o tempo todo, nas festinhas, nas atividades extra-curriculares, em tudo.
Diego contraiu pneumonia.
Segunda-feira passada estava abatido e comentou com a professora:
-- Hoje estou triste.
Então, contou que o pai lhe botou o termômetro, viu que ele estava febril e o fez tomar remédio, mas sua tristeza era pela preocupação que estava dando ao pai.
Terça-feira passada foi internado na UTI, onde ainda está.
Diego é um menino de treze anos com mente de criança, coração de anjo, pneumonia dupla, destino frágil e futuro incerto.
Rezem por ele. Pelo pai e pela mãe também.
(por favor)
Naftalina
Que foi roubada, perdeu-se,
Ou minguou e sumiu.
Tem o formato de um livro
Mas cabe em qualquer lugar
Principalmente na imaginação
Que também guardo em meu bolso
Feito coisa para ser tocada
E mostrada a quem eu encontrar.
A esperança sumiu
A imaginação ficou
Feito luva sem par
A embolorar no escuro
Do inverno descriativo
3.10.04
That's what I mean
But then, este é outro daqueles mistérios da ignorância humana que nunca consegui entender. Aí está:
"what about thoes who are into the fire of love??? is that love or spur of the moment??? y is every1 saying marriage is the tomb of love. I don tink so... cuz i noe sum1 who is married n enjoys life.. cuz he's not living with his wife... i noe another guy who tinks marriage is juz another partner.. n its ok w/o getting married... cuz to him marriage n love is two diiferent scene."
--------
(OOOOOoooooohhhhh, yeahhhhhh... Ai, cómo me duele el vivir....)
Dez minutos de inutilidade
Um passeio pela inutilidade. Perdi uns dez minutos preciosos da minha vida.
Donde se vê que não é só no Brasil que existem cabeças-ocas.
E a minha está ficando, de tanto ler besteiras.
Tudo isso só porque, sem mais nem menos, aconteceu uma chuva de acessos estranhos ao meu blog, com gente de tudo que é parte, enfileirados um após o outro, uns 15 visitantes estrangeiros que, obviamente, não entendem português. Então fui conferir como chegaram ao meu blog, indo às suas URLs. Not a trace of my humble blog there. De algum modo, acho que hoje o endereço para meu bloguinho constou na barrinha de todos ao mesmo tempo, durante uns 15 minutos.
Talvez tenham perdido um pouquinho menos, lendo e não entendendo meu blog, do que eu perdi lendo o deles e entendendo tudo.
Ai, vida...
1.10.04
Sinais

Os sinais estavam claros, ali na minha frente. Tu, insuspeitado para meu coração até aquele momento, abriste muito os olhos ao me veres, quando entraste, e naquele instante estranhei teu nervosismo. Tremias, a voz chacoalhava e balbuciavas palavras confusas, como se de repente tivesses pisado em um buraco invisível e perdesses teu passo, a firmeza de tudo em ti. Na minha frente, um homem transformado em um adolescente inseguro. Como a única pessoa que ali estava além de nós dois, e a que mais te conhecia, não percebeu que só faltaste tropeçar, me fazendo rir baixinho, quando vieste me cumprimentar com um beijinho civilizado e inócuo?
(Talvez estivesses com frio. Talvez apenas surpreso ao me ver por não me esperares com os outros, talvez apenas surpreso porque cheguei primeiro. Não sei. Só depois percebi que não era nada disso).
Os sinais estavam ali, no telefonema inesperado. Uma chance de um encontro. Nunca a sós. Com os outros.
Mas eu não podia.
E os sinais vieram novamente, em palavras nem tão veladas, em outro convite.
E eu não pude novamente.
Agora, o que eram apenas pequenas espirais de fumaça vindo de ti transformam-se em um incêndio. Tem cheiro de fogueira. Calor de paixão. Vibração e sirenes de desejo gritante.
E ainda assim, eu, piromaníaca, fico de espectadora, a te ver queimando. Incerta sobre minha capacidade de aplacar tuas chamas e de com minha presença tão temerosa ver-te a te consumires sem que eu possa, ao menos, tentar te salvar.
Nove
-- Faltam 10 dias.
Lembro que não, que são onze dias. Ela vem, então, com sua lógica que sempre me surpreende:
-- Não, dez, porque já estou no hoje.
Há dois meses ela vem contando o tempo, mas a contagem real só começou hoje.
E não é para ganhar presente. Não é para ter festa. Não é para reunir suas amigas. Nem é por qualquer outro motivo, exceto porque, em suas próprias palavras:
-- Eu gosto de fazer aniversário. Gosto de contar mais um ano.
Diz a Letícia que nem precisa festa. Não precisaria presente (mas claro que serão bem recebidos). Que a alegria de fazer aniversário é o próprio aniversário.
Sempre desconfiei que minha filha (cujo nome escolhido por mim significa realmente "alegria") veio ao mundo para ser e fazer outros felizes. A começar pelo fato de ter vindo para mim "atrasada", chegando no Dia da Criança quando "deveria" (segundo cálculos dos homens, mas não segundo as leis mais sutis que regem o universo) ter vindo entre dia primeiro e dia sete de outubro. E ela demonstra seu prazer de viver nas mínimas coisas, todos os dias.
Que outro motivo mesmo existe para comemorarmos aniversários, exceto pelo prazer da vida pela vida em si (Iuri, lembrei de ti, com a crônica que me mandaste sobre Sísifo)? Exceto pelo gosto de estarmos ainda mais um ano por aqui, comemorando nossa participação neste ato da grande peça de Deus, chamada VIDA?
Minha filha é sábia.
Vivo aprendendo com ela.
29.9.04
Bonita
Durante minha vida inteira eu nunca soube se era bonita ou não.
Quando tinha uns treze anos, uma coleguinha me disse que "ele" (ele era o garoto mais lindinho e cobiçado) me achava uma gata. Achei que havia se enganado. Jamais pensaria em mim como "gata". Não deu em nada, mas nunca me esqueci de quem me chamou de "gata" pela primeira vez.
Então, aos vinte e tantos anos, fui ao Rio de Janeiro e um homem lindo, amigo de amigos, comentou que eu era um "avião".
Nossa.
Eu de calça jeans, blusa branca, meu batom e minha cabeleira -- tudo isso junto perfazia um avião. Só não saí voando porque não acreditei naquilo e porque não deu tempo de conferir, já que na mesma noite voltei para Porto Alegre e, assim, não consegui mostrar ao moço que eu conseguia decolar...
Então, de repente, senti-me feia, feia, feia, durante sete anos. Muito feia.
Por força de um homem que dizia me amar mas me achava feia -- meus pés eram feios, meus cabelos deveriam ser lisos, não encaracolados, eu me vestia primeiro bem demais e depois mal demais, era magra demais, deveria ter unhas compridas quando as mantive sempre curtas...
Então veio o limbo.
Eu não era nem feia, nem bonita. Apenas uma mulher. Comum. Comum. Comum.
E então alguém me disse, novamente, que eu era "fascinante.
"Fascinante" não quer dizer bonita. Mas já ajuda.
E neste ano, descobri finalmente que não apenas sou, mas me acho muito bonita.
Levei minha vida inteira sem saber que me achava bonita e que sou mesmo, e isso aconteceu apenas graças a uma pergunta e a uma pesquisa que vi na tevê.
Um amigo que também me acha "fascinante" riu de mim e me chamou de narcisita.
Nascisista, eu?!
É. Narcisista. "Tu te adoras", disse ele. Eu me adoro?, pensei. Então, ele me perguntou:
"Se tivesses de mudar algo na tua aparência, o que mudarias?"
Então descobri que não mudaria nada. Que, na verdade, nunca pretendera mesmo ter cabelos lisos e que meus cachos (ai, estão adoráveis agora!) são um diferencial. Descobri que meus olhos são lindos, brilhantes, expressivos. Que não há nada de errado com meu nariz, meu queixo, minha testa. Que minha cara de menina, que sempre me deixou chateada por me fazer parecer mais jovem do que era, agora trabalha a meu favor, quando já não sou mais menina. Meus lábios? Ora, uma boquinha tão bem feitinha, qual é o problema, afinal? E minhas sobrancelhas escuras e bem feitas, nada mais gracioso.
Além disso, na tevê, mostram uma pesquisa feita por psicólogos. Mais uma daquelas pesquisas inúteis que só servem mesmo é para encher espaço na tevê quando não têm nada mais interessante para mostrar. E a pesquisa diz que a maioria absoluta das mulheres não está contente com seu corpo, rosto, etc, e gostaria de ser diferente.
E respondo, em voz alta: "Eu não!".
Para quê?
Amo minhas pernas, adoro meu bumbum, gosto de minhas mãos longas, minha cintura e minha barriguinha quentinha (quase plana). Gosto dos meus pés, muito, muito, muito. Adoro meus ombros (não adorava, mas descobri que Caetano Veloso tem ombros tão ossudos quanto os meus). Gosto dos meus seios que não são nem de menos, nem de mais. Reclamo que sou magra, mas na verdade adoro saber que posso comer um boi, que logo meu cérebro inquieto trata de acelerar tudo e queimar todas as calorias, me fazendo ansiar por mais um boi e nem assim engordar. Gosto da sensação de que meu corpo pode fazer o que eu mando, desde curvar-se de costas até encostar as mãos no chão fazendo "ponte", até sentar com as pernas retorcidas em posição de ioga, até estralar todinhas as articulações fazendo minha filha cerrar os dentes horrorizada, até dançar loucamente, até fazer outras coisas muitíssimo secretas com partes também muito particulares que eu jamais ensinaria para nenhuma outra mulher para não perder a vantagem competitiva...
Meu corpo me ajuda. Graça ao fato de não viver para comer e de não ter problema de coluna, nem varizes, nem coisas desagradáveis semelhantes, ele suporta muito bem longuíssimas jornadas de tradução que, às vezes, duram (como três dias atrás) 30 horas direto, sem dormir, sem praticamente levantar, quase sem comer.
Em resumo -- sou narcisista mesmo, e a-do-ro a Dayse que só recentemente descobri.
Se eu mudasse qualquer coisa em mim, ah meu Deus, morreria de saudade do que era antes -- do que sou agora, com toda a estrada percorrida, com minha cicatriz na testa de uma queda de cima de um guarda-roupas quando era pequena, de uma outra minicicatriz quase invisível no queixo que não sei de onde veio e parece que já nasci com ela, de todas as minhas antigas células. Narcisista, eu?
Sou, sim senhor. E me amo a cada dia mais, assim, naturalmente, sem cabeleireiro, sem manicures caras, sem spa, sem regime, sem nenhum sacrifício para ser apenas eu, sem vergonha e sem modéstia.