2.8.04

Bola Fora

Por um instante que demorou duas horas e poderia durar dias, senti-me idiota. Uma sensação de ser tola, uma coisa assim que tira o sorriso da cara e a deixa comprida e atoleimada, como se duas grandes orelhas despontassem, subitamente, na cabeça. A burrinha em forma de gente, rara sensação felizmente, mas que me abate medonhamente quando se anuncia.

Por um instante de impulsividade natural em mim, disse algo que julguei ser mal recebido, julguei ter deixado um outro ser humano desconfortável.

Aqui, no cantinho onde me coloco, às vezes erro o alvo por causa de uma perspectiva distorcida e acabo acertando em pontos onde dói, nos outros, não onde dá mais prazer.

Por um instante de duas horas tentei distrair-me e pensar que, ora, eu também me sinto sem graça às vezes, como julguei ter feito com alguém. Nem por isso morro -- ao contrário, o "sem graça" é mais como se tivesse recebido um pacotão de presente na forma de palavras, que não sei como abrir, ao qual não sei como reagir ao ver o conteúdo, mas que me deixa sem reação não por ser ruim, mas por ser apenas inesperado.

Será que deveríamos ter tantos cuidados para elogiar companheiros, amigos, namorados, conhecidos, colegas e parentes?

Nas duas horas em que minhas orelhas cresceram e se dependuraram na frente dos meus olhos, impedindo-me de ver a realidade, julguei-me incapaz de discernimento e jurei nunca mais elogiar alguém sem que tivesse muitíssima intimidade.

Depois das duas horas, uma mão gentil afastou primeiro uma, depois aquela outra orelha, arrancou-as de minha cabeça e, no lugar, colocou uma coroa de flores do campo. Senti-me linda e boa novamente, limpa e sem pesos nos ombros. Afinal, eu apenas dera mais do que as pessoas costumam receber, e o constrangimento de quem recebeu o elogio não era mais que a falta de jeito de quem não recebe presentes assim.

Guardo numa gaveta as orelhas. Servem para lembrar-me de que me esqueci do que as palavras fazem com os sentimentos, quando lançadas por criaturas comandadas por emoções e recebidas por outras, desacostumadas a elas.

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