12.8.04

Vag'alma

Reconheci tua cor, ao te conhecer.

A estranha sensação de te ver e saber que eras tu sem saber quem eras, o reconhecimento no meu olfato ao inspirar teu cheiro, tuas mãos semelhantes às minhas, um estremecimento no coração quando pensava em tua infância, no que eras lá no fundo, diferente de quem eras à superfície.

Pensei te reencontrar quando te encontrei.

Parecia-me que tuas experiências eram as minhas, ligadas não no agora mas no antes longínquo cujas lembranças esmaecidas haviam permanecido nas teias de aranha do espírito e nas gavetas semifechadas da consciência.

(Havia um relógio com pêndulo que hipnotizava, para lá e para cá, em minhas horas de resvalar para o sono, e o relógio me contava de tempos passados, do passado contigo que não era o ontem de agora)

Quando convivemos, não vivemos aquilo que outrora que nos unira, mas um presente moderno em que não eras mais o poeta sensível, mas o lógico frio. Não eras mais aquele que vivia das coisas do ar, e só querias agora os bens terrenos. Todos. Toda a matéria, inclusive a dos corpos. E sentias náuseas ao te deparares com alguém como eu, poeta na prática, geneticamente programada para flutuar, quando tua poesia era teórica, um mero exercício do pensar.

(Ao te olhar no espelho um dia, cogitei onde estarias escondido, dentro de ti, se quem eu via era a casca apenas semelhante, a camada de fora quando eu buscava o cerne de tua alma)

Te perdeste de ti, tempos e tempos e tempos atrás, tanto tempo que não me interessa mais a tentativa de descobrir quem foste para mim. Eu, ainda sendo quem fui, desisti de te alcançar e já sei que agora ando sozinha. Aquele que foste perdeu-se de mim, entre essas tantas vidas, e mudou.

Agora aquele que és sente um rancor profundo, destrutivo e terrível, ainda que me adore conscientemente, porque continuei a mesma, ao longo desses caminhos... Tão a mesma que aquele que te tornaste não me perdoa por ter largado tua mão e te deixado mudar.

Sinto, por isso. Quando sentir que começarei a me perder dos que amo novamente ao voltar no depois, começarei a espalhar bilhetes a mim mesma pelo planeta inteiro, lembrando-me de reencontrar aqueles a quem deixei, pedindo que não me larguem mais, e que não me façam sentir essa brutal sensação de que sou, mas não estou. De que vim, mas fora da hora, desencontrada de todos, sozinha em minha busca eterna àqueles a quem amei.

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