21.8.04

Lang

Eu nem gostava de ti.

(acho que meu estado de agonia é só efeito do Jonny Lang, cantando Breakin’ Me)

Eu não gostava do teu jeito dramático, da tua pele pálida, da tua ausência de risadas (mas gostava das tuas pernas e dos teus joelhos, do teu torso de nadador, do sorriso raro e de palavras sussurradas, quase as únicas que dizias, no escuro). No balanço, isso era pouco para te amar. Eu acho. Não tenho bem certeza.


Primeiro eu queria um anjo. Quando vieste, descobri que eras alado demais para mim. Tão calado quanto um anjo, tão sem expressão quanto um, sempre com teus olhos azuis a me fitar em um encantamento que eu não entendia, naquele jeito estranho de só te mostrares ardente em um local da casa, quando eu precisava que ardesses por inteiro e me queimasses um pouquinho para dissipar o frio que me encolhia quase sempre, naquela época. Tua presença feita quase que de pluma, de nuvens e de paz celestial colidia com a minha e se criava um muro de incompreensão mútua.

Eu nunca soube namorar, e não precisavas do meu jeito de gostar -- breve, intenso e fugaz, sem me fixar em ti como te fixavas em mim. Eu não namoro. Apenas vivo.

Tu gostavas, em mim, de coisas que nunca gostei – meus cabelos úmidos, meus ombros ossudos, meus pés, minhas mãos – o que era aquilo de olhares para minhas mãos durante o tempo em que podia explodir uma bomba em outro país e matar todo mundo enquanto ainda estavas ali, decorando minhas unhas curtas e minhas veias azuis?

Sobrou somente esta música do Jonny Lang, cuja voz se confunde com a tua. De ti, sobrou uma estrelinha de cristal, uma camisola branca de cetim e uma carta manuscrita quilométrica que me machuca e esmaga, quando a leio uma vez a cada eternidade.


Ainda assim, cá para nós, podias quebrar-me menos, se nesse meio-tempo em que fui tudo menos a mulher que precisavas tivesses sido menos o homem que te tornaste e mais o garoto que desprezei, que começou com jeans rasgados como rasgado era também teu coração, exibindo-se por completo, e terminou com belas calças de algodão, negras como meu humor na última vez em que te vi para não dizermos mais adeus e foi o adeus para não dizermos mais adeus tantas vezes.


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